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A sociedade precisa de cotas?

Mulher, de esquerda e judia, Ruth Dreifuss (à direita) era triplamente minoritária na política, o que não a impediu de se tornar presidente da Suíça. Keystone

Essencial para alguns, prejudicial para outros, a questão das cotas gera regularmente controvérsia. Para o cientista político suíço Nenad Stojanović, elas podem melhorar a situação dos grupos populacionais sub-representados em instituições ou na sociedade. Mas, para ser eficaz, um sistema de cotas deve evitar qualquer tipo de rigidez.

A presença de mulheres nos altos escalões das empresas e na política, a representação das minorias linguísticas e étnicas, as cotas muitas vezes têm tantas vantagens como desvantagens. Em um livro recente – Dialogue sur les quotas. Penser la représentation dans une démocratie multiculturelle (Diálogo sobre cotas. Pensando a representação em uma democracia multicultural) – Nenad Stojanović defende soluções flexíveis.

swissinfo.ch: Na Suíça, os diferentes grupos linguísticos estão representados no parlamento de acordo com o seu peso demográfico. Já podemos falar aí de cota?

Nenad Stojanović: Sim, mas no sentido mais amplo do conceito. Estritamente falando, a cota seria reservar um certo número de assentos em uma língua minoritária. Mas, na Suíça, nenhum grupo linguístico tem direito a uma cota como tal.

Cada cantão tem um número de bancada. Se o Ticino, por exemplo, tem oito assentos na câmara dos deputados e dois no senado, não é porque o cantão é de língua italiana, mas porque ele tem direito a esse número de assentos.

Aqui já tratamos do que seria a solução para o dilema das cotas. Cotas rígidas e formais têm muitas desvantagens e devem encontrar mecanismos indiretos. É o caso com os cantões, onde uma regra foi determinada, mas sem reconhecer uma comunidade linguística.

Originário da Bósnia e Herzegovina, Nenad Stojanović vive na Suíça desde 1992.

Estudou ciência política em Genebra, Paris, Londres, Montreal e Zurique, onde obteve seu doutorado.

Depois de trabalhar como jornalista e no Governo Federal, dedicou-se à pesquisa científica desde 2004. Trabalha no Centro para a Democracia, em Aarau, mas também dá aulas nas Universidades de Sarajevo, Friburgo, Lausanne e Zurique.

Foi deputado estadual socialista no cantão do Ticino (sul).

swissinfo.ch: Qual é o problema de reservar lugares para uma comunidade linguística?

N. S. : Se nos concentramos na língua, entramos rapidamente num discurso essencialista. Uma pessoa é suficientemente de língua francesa, alemã ou italiana? Este é o caso quando os políticos bilíngues, mas de origem suíço-alemã, são candidatos para representar o cantão de Friburgo, na sua maioria de língua francesa, no governo federal. Há, em seguida, alguns debates que estão no limite de um racismo linguístico.

Vale a pena observar que não há nenhuma regra formal sobre a composição do governo. Mas de fato, é impensável ter um governo composto inteiramente de suíços-alemães. Aqui estamos no domínio das cotas informais, porque não há nenhuma obrigação formal de levar em conta a diversidade linguística do país.

Keystone

swissinfo.ch: Em muitos países, as mulheres estão sub-representadas na política. Como favorecê-las, se não for por cotas?

N. S. : A questão das mulheres é especial porque não dá para usar os mecanismos indiretos que eu usaria para as comunidades linguísticas. É obviamente impossível de resolver a questão das mulheres através de uma circunscrição eleitoral.

Mas isso não significa que a cota seja a única solução. Existem outros meios. Por exemplo, a França aprovou uma lei de paridade que exige que os partidos tenham o mesmo número de homens e mulheres nas suas listas, sob pena de multa. Isso é um incentivo. A escolha está garantida, mas a liberdade de votar permanece. Essa medida melhorou a situação na França.

swissinfo.ch: Quando pensamos em cotas, geralmente pensamos nos Estados Unidos.

N. S. : É verdade, mas isso é um equívoco. Nos Estados Unidos, não há cota a nível político. Cota como palavra e conceito é até mesmo um tabu, nesse caso.

Para melhorar a representação das minorias, os americanos preferem trabalhar a nível da educação, através do que é chamado de discriminação positiva. As universidades podem beneficiar comunidades historicamente desfavorecidas. Mas essa política permanece controversa. A última tendência é aceitar essas discriminações positivas, se elas não são tão explícitas.

A França também está experimentando esse caminho, favorecendo os jovens das “áreas prioritárias de educação” [bairros pobres, onde o Estado oferece recursos adicionais para a educação, Ed]. Na verdade, sem dizer abertamente, este desvio é usado para melhorar a representação das minorias étnicas no ensino superior.

Existem alguns exemplos de cotas formais na Suíça, principalmente nos cantões e nas cidades.

Assim, no cantão de Berna, na sua maioria de expressão alemã, há lugares explicitamente reservadas à minoria francófona no governo estadual e na assembleia legislativa.

Outro exemplo, em abril de 2013, o parlamento da cidade de Zurique aceitou uma moção por uma taxa de 35% de mulheres na administração municipal (atualmente 17%).

Em 6 de novembro de 2013, o governo federal introduziu as Orientações sobre a representação das comunidades linguísticas e de gênero nas administrações de vinte empresas estatais. Até o final de 2020, a proporção de mulheres terá que chegar a 30% e as comunidades linguísticas serão equivalente ao seu peso demográfico (alemão: 65,5%, francês: 22,8%, italiano: 8,4% e romanche: 0,6 %).

Mas as exigências de cotas não se referem exclusivamente às questões de gênero e idioma. Em setembro, o deputado Luc Barthassat apresentou uma moção de alteração da lei sobre rádio e televisão, de modo que as rádios sejam obrigadas a transmitir um mínimo de 25% de música suíça.

swissinfo.ch: Isso não é um pouco hipócrita?

N. S. : Isso não é hipocrisia, mas uma estratégia inteligente para alcançar o objetivo desejado, ou seja, uma melhor representação da sociedade na sua diversidade, evitando os efeitos negativos de um sistema de cotas rígido.

swissinfo.ch: E quais são esses efeitos negativos?

N. S. : Há algo problemático na própria ideia de democracia representativa, se você reservar assentos para uma categoria. Parte-se do pressuposto de que os homens não podem representar as mulheres, os católicos os protestante ou os suíços-alemães os suíços-franceses. Se levarmos essa ideia ao extremo, ninguém poderá representar ninguém.

Há também o problema da liberdade dos indivíduos. Todo cidadão tem múltiplas identidades: sexo, língua, religião, ideias… Minimizar toda essa pluralidade a um único critério de identificação pode afetar a liberdade de uma pessoa de se autodefinir.

swissinfo.ch: Qual seria a melhor solução?

N. S. : Temos que tentar todos os meios disponíveis – sistema eleitoral, federalismo, cotas nos partidos- para garantir uma representação equilibrada das instituições, mas sem o uso de cotas rígidas.

Mas se for realmente necessário usá-las, por exemplo, para parar uma guerra civil, garantindo a representação de todas as partes no governo, deve-se ter cuidado para não bloquear os mecanismos, porque depois é muito difícil muda-los, mesmo se a situação muda.

Adaptação: Fernando Hirschy

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