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“A Suíça ganhou na loteria com os portugueses”

José Maria Ribeiro, um migrante português, se apronta para o trabalho, em 20 de junho de 2012, em Alpnach, cantão de Obwald. Keystone

Mais de 230 mil portugueses vivem oficialmente na Suíça. Porém as autoridades helvéticas consideram essa comunidade "desconhecida" e veem problemas na sua integração, o que os levou a encomendar um grande estudo.

Rosita Fibbi, professora de Universidade de Neuchâtel, foi a coordenadora da pesquisa. Como especialista em migração, ela acompanha de perto a imigração portuguesa e de outras colônias. Entrevista swissinfo.ch.

Em seu escritório localizado no recém-inaugurado prédio “Géopolis”, da Universidade de Lausanne, Rosita Fibbi puxa a cadeira para falar da sua especialidade. Originária de Ancona, Itália, ela já vive há mais de trinta anos na Suíça. São boas condições para tentar entender o complexo fenômeno da imigração, a área onde estão concentrados todos os seus trabalhos acadêmicos e também na atuação como uma das coordenadoras do Fórum Suíço para Estudo das Migrações e de População.

swissinfo.ch: O estudo “Os portugueses na Suíça” foi publicado em agosto de 2010. O que motivou a sua realização?

Rosita Fibbi: Foi um mandato do Departamento Federal de Migração no contexto da política de integração e que, em 2008, recebeu um novo impulso. O órgão tem o papel de informar e, dessa forma, comissionou um certo número de estudos sobre populações migrantes pouco conhecidas. A literatura especializada sobre os portugueses na Suíça é extremamente limitada.

swissinfo.ch: Os portugueses correspondem a 12% da população estrangeira, o que os coloca no terceiro lugar das comunidades estrangeiras vivendo na Suíça. Por que eles são considerados uma população “desconhecida”?

R.F.: Sim, eles não numerosos e já estão na Suíça desde os anos 1980. Mas com os tratados de livre circulação (n.r.: entre a Suíça e a União Europeia) esse fenômeno tomou amplitude. Na verdade são dois grupos que se aproveitaram plenamente desse acordo: os alemães e os portugueses. Os portugueses são pouco conhecidos, pois durante muito tempo se comportavam como verdadeiros “Gastarbeiter” (n.r.: trabalhadores convidados), ou seja, pessoas que estavam aqui para trabalhar e retornar.

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swissinfo.ch: As autoridades suíças registravam uma população de 196 mil portugueses em 2008. Os dados mais recentes (agosto de 2012) mostram que ela passou para 234 mil, um aumento de quase vinte por cento em apenas quatro anos. O que explica esse desenvolvimento?

R.F.: É a livre-circulação, que permite a qualquer cidadão europeu de vir à Suíça procurar trabalho. Também é um comportamento de fraca naturalização, contrariamente ao que se passa com outros grupos que chegaram ao país no mesmo período como os turcos ou os iugoslavos. De forma evidente, como cidadãos da UE, seu status jurídico é totalmente favorável. Já a naturalização não interessou os portugueses por muito tempo. Mas agora isso está mudando, especialmente entre os filhos dos imigrantes.

swissinfo.ch: A atual crise atual em Portugal é um dos fatores que impulsiona essa imigração?

R.F.: Sim, seguramente. Mas penso que esse crescimento está tomando forma de uma migração documentada, mas também ainda não documentada. São pessoas que vêm procurar um trabalho e podem ficar por até três meses sem se anunciar às autoridades. E nesse ponto vemos os sinais da crise.

swissinfo.ch: Então o perfil dos portugueses continua o mesmo?

R.F.: Não, em parte são pessoas que retornaram a Portugal e agora estão voltando à Suíça. E ainda existe o componente dos imigrantes altamente qualificados, que não conseguimos identificar nas estatísticas, mas em várias ocasiões.

swissinfo.ch: Um estudo publicado no final de novembro pela Universidade de Ciências Aplicadas de Zurique (ZHAW) mostra que os imigrantes portugueses têm baixa qualificação, praticamente não visitam os cursos de alemão e apresentam “más chances de integração”. Essa é a realidade desse grupo?

R.F.: Essa era uma das questões primordiais para o nosso estudo. Nós tentamos encontrar uma resposta profunda para isso. De uma parte, o problema de aquisição do idioma é mais forte na Suíça germanófona do que francófona, onde vive a grande maioria dos portugueses. Penso que o difícil não é aprender o alemão, mas sim aprender um idioma em situação de diglossia como a que vivemos na Suíça.

swissinfo.ch: Durante uma reportagem (clicar link acima) realizada por mim no vilarejo de Täsch (cantão do Valais), onde mais da metade da população é composta de portugueses, as autoridades declararam ter dificuldades para convencer os pais portugueses do sistema educacional suíço? O que explica essa atitude?

R.F.: Para os pais portugueses, cujo filho não precisa trabalhar mais lavando roupas nos fundos de um hotel, mas sim na recepção com os clientes, ele está vivendo essa mobilidade. Isso mostra, nessa lógica, que os portugueses não são pessoas que não querem se integrar, mas sim que resistem à nossa forma de integração, uma integração que ocorre através da formação educacional. Para o português, integração é ser pontual e sério no trabalho.

swissinfo.ch: E como solucionar o problema, afinal as autoridades não podem aceitar que uma parte da população se alije do sistema educacional?

R.F.: Penso que o importante é que a segunda geração de imigrantes, já bem sucedida no sistema escolar, retorne à sua comunidade para discutir sobre esse problema e como o mundo do trabalho está se transformando. Em Portugal não existe formação profissional: o típico português pergunta qual a importância da formação profissional, pois uma profissão se aprende normalmente trabalhando, olhando como os outros fazem o trabalho (risos).

Doutora em ciências políticas, ela estudou em Roma, Zurique e Genebra. Professor convidado, ela ensina sociologia das migrações na Universidade de Lausanne.

Rosita Fibbi também é responsável de projeto e membro da coordenação do Fórum Suíço para Estudo das Migrações e de População na Universidade de Neuchâtel.

Os trabalhos publicados abrangem os processos de inserção de migrantes e dos seus filhos, a discriminação dos imigrantes, a sua mobilização associativa e sobre as políticas de integração.

swissinfo.ch: Quais as tendências observadas? Os portugueses vão retornar ou ficam dessa vez para sempre na Suíça?

R.F.: A crise em Portugal vai acelerar esse fenômeno, ou seja, tornar inimaginável o retorno. Mas também há uma dinâmica própria do grupo: era comum as crianças voltarem ao país ainda pequenas se o pais tomavam essa decisão. Hoje, se essa segunda geração faz uma formação pós-obrigatória na Suíça, ela não volta mais a Portugal.

swissinfo.ch: A crise está por todos os lados. Por que não chegam à Suíça tantos espanhóis, gregos e italianos como portugueses?

R.F.: Os italianos e espanhóis não podem ser comparados com os portugueses, pois esse fluxo migratório é mais velho. Mas há representantes dessas comunidades chegando também. No caso dos italianos, a metade é de pessoas pouco qualificadas e a outra altamente qualificada. Esse fluxo é meio-caminho entre o perfil dos alemães, de um lado, e do outro, os portugueses. Mas em termos de números, a imigração italiana está muito limitada. A resposta é simples: a demografia na Itália. A Itália e a Espanha têm taxas de natalidades cada vez mais baixas. Sim, temos espanhóis que vieram devido à crise, é claro, mas é claro que esse fluxo não tem a mesma amplitude que a dos portugueses.

swissinfo.ch: Estatisticamente grupos de imigrantes como os portugueses estão super-representados nos sistemas de assistência social ou seguro-invalidez da Suíça? Por quê?

R.F.: É preciso levar em conta que os portugueses exercem profissões onde, quando você cai, você se machuca muito mais (risos). Quando analisamos as condições de vida e trabalho, é fácil perceber que eles são pessoas que se gastam muito mais. A esperança de vida dessa comunidade é diferente das outras. Não escrevemos isso, mas é algo muito claro.

swissinfo.ch: As pesquisas de opinião mais recentes mostram que a imagem dos portugueses é boa. O que explica isso?

R.F.: Em primeiro lugar, os portugueses não queriam se instalar. E a Suíça sempre esteve de acordo com imigrantes que não se instalavam. Em seguida, eles trabalham muito. Eu creio que esses aspectos são importantes. Depois a situação deles melhorou com os acordos de livre-circulação. Além disso, eles são pessoas que não reivindicam muito e que sabem ficar no seu lugar. Você poderia querer mais do que isso?

swissinfo.ch: O significa para a Suíça receber tantos portugueses?

R.F.: Creio que a Suíça ganhou na loteria com os portugueses. Eles encontraram uma população que aceita exercer os empregos mais duros ou menos prestigiosos totalmente em conforme as expectativas que o país tem em relação à imigração. A Suíça não poderia funcionar sem os portugueses.

População permanente (situação até final de agosto de 2012)

Gregos: 8.075
Italianos: 292.040
Portugueses: 234.074
Espanhóis: 68.199

Imigração entre janeiro e agosto de 2012

Gregos: 928
Italianos: 7.822
Portugueses: 12.345
Espanhóis: 3.962

Naturalizações:

Italianos (out. 2012): 490 (diferença em relação à out. 2011: – 8.4)
Alemães (out. 2012): 300 (diferença em relação à out. 2011: – 17.4)
Sérvia (out. 2012): 176 (diferença em relação à out. 2011: – 58.9)
Turquia (out. 2012): 145 (diferença em relação à out. 2011: – 27.5)
Portugal (out. 2012): 135 (diferença em relação à out. 2011: – 31.1)

Estrangeiros na Suíça (Outubro de 2012): 1.818.064 (aumento de 2,9% em relação a outubro de 2011)

Fonte: Departamento Federal de Estatísticas

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