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Refugiados traumatizados reclamam de tratamento na Suíça

Objetos encontrados nas ruínas de Homs, Síria, em julho de 2020. Keystone / Andrei Gryaznov

Um refugiado sírio com traumas de guerra reclama não ter sido tratado de forma adequada. Seu caso coloca em questão a eficácia do programa criado para receber pessoas vulneráveis pela ONU e aplicado pela Suíça.

Em 2013, a Suíça decidiu participar do programa de reassentamento lançado pela ONU para refugiados vulneráveis originários da Síria.

Khater Obeida chegou ao país em 2015. Foi acolhido em um centro de requerentes de asilo em Biberist, um vilarejo no cantão de Solothurn (centro). O espaço, administrado pela organização privada ORS, já funcionou no passado como um centro de detenção para cumprimento de penas em liberdade, mas hoje está adaptado a receber refugiados.

O sírio de 35 anos sofria de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Sua situação psicológica piorou devido à permanência no centro e Obeida acabou sendo considerado como um “destemperado violento”, como descreve Obeida em entrevista à swissinfo.ch.

Para algumas organizações de ajuda humanitária, sua história não é um caso isolado, mas sim revela fraquezas do sistema de asilo na Suíça com relação aos grupos de pessoas vulneráveis.

Pressão ao invés de cura

“Esse lugar foi a causa da minha deterioração mental”, considera Obeida. “Ele me fez lembrar o tempo que passei na prisão. Queria ter estado sozinho, sem ter de entreter outras pessoas.”

Mas o desejo foi desconsiderado. Os responsáveis pelo centro solicitaram que atuasse como tradutor para outros moradores. “Isto levou a conflitos. Meu caso particular, e minha necessidade de isolamento, não foram levados em consideração”, reclama Obeida.

Empresa refuta críticas

A ORS rebate as acusações. “Não há nada que caracterize o abrigo como um antigo centro de detenção”, declara, acrescentando que o espaço havia sido renovado completamente para ser utilizado como um centro de acolhimento de refugiados. Além da cozinha espaçosa, com uma sala de jantar iluminada, a casa dispõe de um amplo terraço. Também segundo a ORS, há um banheiro separado para cada quarto.

un uomo con camicia e pantaloni bianchi in piedi davanti a un centro di accoglienza per profughi.
Khater Obeida. swissinfo.ch

Falta de medicamentos

Obeida afirma que não tinha mais medicação e foi impedido de procurar ajuda médica, apesar dos insistentes pedidos. Ele chamou uma ambulância temendo um ataque de pânico. Em vez de ajudá-lo, a ORS chamou a polícia. Ele foi acusado de tentar agredir um dos funcionários, o que o refugiado contesta veementemente.

A empresa responsável pelo centro respondeu que Obeida tinha “assistência médica garantida todo tempo”. No entanto, o sírio tinha surtos regulares devido aos traumas e, em alguns casos, teve de ser internado. Porém sua condição piorou continuamente durante a estadia, escreveu a ORS.

Psicoterapia

O relatório médico, exibido por Obeida à swissinfo.ch, afirma que sua condição melhorava cada vez que o refugiado tinha sessões de psicoterapia. Sua transferência para uma clínica da Cruz Vermelha SuíçaLink externo (CVS) especializada no tratamento de vítimas de tortura e guerra em Berna, e a mudança de tradutor, também contribuíram para a melhoria do seu estado.

Entretanto, assim que retornou ao abrigo coletivo de refugiados, sua condição piorou. “Fui estigmatizado. Faltou a sensibilidade necessária para lidar com casos especiais como o meu”, afirma Obeida.

A ORS argumenta que os refugiados são sempre “tratados com respeito e sem diferenciação, com particular atenção aos seus distúrbios físicos e/ou psicológicos”. A empresa ressalta também que, através do “trabalho intenso com assistentes”, está comprometida “a um nível acima da média” a cuidar de pessoas necessitadas como Obeida, “a fim de proporcionar-lhes o melhor acompanhamento psicológico possível.”

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Centro de acolhimento para refugiados onde Khater Obeida foi recebido em 2015. swissinfo.ch

Caso isolado?

Para Matthias Rysler, há um problema fundamental na Suíça no tratamento de refugiados, especialmente pessoas traumatizadas e vulneráveis. O funcionário da associação Rede Solidária de BernaLink externo atribui o problema à “falta de triagem sistemática dos requerentes de asilo para identificar vítimas de tortura, pessoas traumatizadas e pessoas com necessidades especiais…Essas pessoas precisam ser examinadas por médicos e acompanhadas no processamento dos seus traumas e sofrimentos psicológicos ou físicos”, afirma Rysler.

Para Naomi Weber, diretora do Observatório Suíço de Asilo e Direitos dos EstrangeirosLink externo (SBAA), o caso de Obeida não é uma exceção. “Não há dados nacionais sobre os requerentes de asilo traumatizados no país”, afirma, lembrando que estudos científicos internacionais mostram que cerca da metade dos refugiados sofre de doenças mentais. Entre os principais diagnósticos identificados estão a depressão e os transtornos de estresse pós-traumático.

“Com relação à situação nos centros federais de asilo e procedimentos de asilo, vemos que existe um problema estrutural na identificação de solicitantes de asilo com traumas”, diz Weber. Ou o trauma não é suficientemente reconhecido, ou se dá pouca atenção a este.

Pressão econômica

Matthias Rysler também critica o fato de não haver procedimentos e regras específicos para o grupo. As instalações de alojamento existentes não se adequam às suas necessidades. “Para pessoas com distúrbios de estresse pós-traumático ou doenças similares, permanecer em acomodações coletivas é estressante e as faz adoecer.”

Em sua opinião, o problema também se deve aos limites orçamentários e recursos financeiros limitados. É por isso que organizações privadas como a ORS têm recebido regularmente mandatos do setor público para administrar os centros. Apenas poucos funcionários da ORS – e de outras organizações privadas – estariam capacitados para lidar com casos de traumas. Em geral, os funcionários têm uma formação profissional muitas vezes estranhas ao setor de assistência social.

Naomi Weber considera o problemático a atuação de empresas com fins lucrativos em setores de ajuda humanitária: “É claro que é preciso questionar a capacitação de uma empresa privada em dar assistência de alta qualidade aos requerentes de asilo.

No caso de Obeida, Naomi Weber critica particularmente o centro. “Não podemos entender por que os requerentes de asilo vulneráveis possam ser alojados em uma antiga prisão”. Em sua opinião, o ambiente poderia desencadear certas emoções e, na pior das hipóteses, piorar seu quadro de saúde.

Adaptação: Alexander Thoele

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