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Benzedeiros continuam enraizados na cultura suíça

O chamado "segredo" pode ser proferido à distância, por um simples telefonema. AFP

Em algumas regiões da Suíça, um paciente que procura um médico pode acabar sendo encaminhado a um curandeiro para acelerar a recuperação ou aliviar a dor. Tais tradições centenárias de cura permanecem bastante fortes, apesar de possíveis abusos.

Olivier Pochon foi a um hospital no cantão do Valais há vários anos com uma queimadura de segundo grau na perna. A queimadura doía muito e a enfermeira do hospital deu a seu pai o número do telefone de um benzedeiro que segundo ela poderia ajudar a aliviar a dor com uma técnica chamada de “o segredo”.

Pochon não tem certeza se a influência do benzedeiro funcionou, mas diz que não poderia ter feito mal algum. Em todo caso, a queimadura e a dor desapareceram em poucos dias.

“O benzedeiro perguntou ao meu pai onde doia, não pediu muitos detalhes e então disse, OK, vou fazer o que é necessário”, diz Pochon, que vem do cantão de Friburgo. “O segredo” é muito praticado em toda a região de língua francesa da Suíça, principalmente nos cantões de Fribourg, Jura e Valais.

O Hospital de Sion, no Valais, oferece uma mistura da medicina moderna e de cura pela fé, se um paciente assim o desejar. A porta-voz do hospital, Florence Ringgli, disse à swissinfo.ch que a equipe mantem os números de telefone de vários curandeiros locais para passar aos pacientes em determinadas situações.

“É muito comum aqui na região, e algumas pessoas têm esses poderes. No caso de queimaduras graves, por exemplo, podemos dar seus nomes para os pacientes”, disse.

Velha tradição

Os benzedeiros também são bem ativos no cantão de Appenzell, no leste do país.

Roland Inauen, diretor da secretaria de cultura do cantão de Appenzell Rhodes Interior, diz que a tradição remonta a séculos e vai além das fronteiras, já que muitas benzeduras usadas hoje no Appenzell podem ser encontradas em várias formas da Sicília ao norte da Alemanha, bem como em textos que remontam ao ano 1000. Essas rezas continuam a ser passadas para as novas gerações de curandeiros, pois cada um é responsável de encontrar alguém para continuar o seu trabalho.

Pela tradição, a pessoa que está sofrendo, ou um parente, chama um curandeiro pelo telefone e descreve o que está sentindo. O benzedor começa então uma rezar para a recuperação. Muitas vezes, os curandeiros também são chamados para tratar animais, uma prática com raízes profundas nas tradições agrícolas suíças.

Aceitar o papel de benzedeiro é uma grande responsabilidade que não rende compensação financeira, já que tradicionalmente os curandeiros não podem aceitar pagamento pelo seu trabalho. Apesar disso, Inauen diz que a tradição não corre risco de desaparecer na região de Appenzell.

“Conhecemos pelo menos 20 pessoas no cantão de Appenzell Rohdes Interior que continuam agindo como benzedeiros”, diz. “É incrível como a geração mais jovem está realmente adotando essas práticas novamente, elas são consideradas parte da nossa cultura, do nosso sistema de saúde”.

Dependência

Embora reconheça o valor cultural das rezas e acredite que possam beneficiar os pacientes, Dieter Sträuli, presidente do centro de aconselhamento sem fins lucrativos Infosekta e ex-professor de psicologia da Universidade de Zurique, diz que muitas vezes há uma linha tênue entre a prática tradicional e algo mais obscuro.

Infosekta visa educar e ajudar pessoas afetadas pela influência de cultos ou seitas. Sträuli diz que o centro se ocupa às vezes de grupos com dinâmicas perigosas nascidas de práticas associadas ao curandeirismo.

“Estamos tendo cada vez mais casos de curandeiros e gurus atuando em pequenas cidades do interior que, de repente, adquiriem um grande número de seguidores”, diz Sträuli. “No início tudo está bem, eles seguem seminários, sessões de meditação, mas depois de algum tempo, as pessoas ficam mais dependentes e os gurus exigem cada vez mais de sua liberdade.”

Sträuli cita um caso recente em uma pequena cidade suíça, onde uma curandeira abusou de suas seguidoras, usando-as como empregadas domésticas até que alguém procurou a Infosekta para denunciar a situação.

Ligações complementares

Apesar de admitir que muitos médicos tradicionais tendem a rir dos benzedeiros como sendo um método de tratamento ineficaz, Inauen diz que alguns aproveitam como um complemento para a consulta tradicional.

“Há certas doenças, como as verrugas, que os médicos recomendam de procurar primeiro um curandeiro antes de operar ou fazer qualquer intervenção. Isso está sendo feito com mais frequência do que nunca”, diz, acrescentando que a cura de reza tem provado ser muito eficaz contra as verrugas, em particular.

Mas Sträuli também adverte que o método pode se tornar perigoso, e até ilegal, quando os curandeiros dizem aos pacientes para não procurar os médicos convencionais.

A interseção entre curas tradicionais pela fé e a medicina moderna é geralmente harmoniosa na Suíça. A Associação Suíça de Pacientes defende que os curandeiros são responsáveis e trabalham em conjunto com práticas médicas convencionais.

“É importante que os curandeiros conheçam seus limites e que as doenças e lesões também sejam tratadas por médicos tradicionais”, disse o porta-voz da organização à swissinfo.ch. “Curandeiros sérios devem dizer a seus pacientes de procurar o aconselhamento de um médico também.”

O Hospital de Sion, no Valais, oferece uma mistura da medicina moderna e da cura pela fé, se um paciente assim o desejar.

A Secretaria Federal de Saúde disse à swissinfo.ch que não tem uma posição oficial sobre a cura pela fé.

Adaptação: Fernando Hirschy

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