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Coral brasileiro é abrigo espiritual para imigrantes

Uma capela na frente de uma rua
A "Kapellehof" da diocese de Baden é o local dos ensaios. swissinfo.ch

Abraçando brasileiros de todas as origens, o coral Canta Brasil procura atingir o timbre certo quando o tema é integração. Proporcionando um oásis de apoio emocional, amizade e educação, o grupo completa 15 anos de valorização e intercâmbio cultural. A swissinfo.ch aproveita para conferir um ensaio e descobrir as histórias humanas por trás das partituras.

É com aquele arrepio de excitação que eu escuto de longe os versos de Aquarela do Brasil ecoando numa capela nos arredores de Baden: “É o meu Brasil brasileiro, terra de samba e pandeiro”. Logo me aproximo e ao abrir a porta me deparo com as donas das vozes. São as intensas e calorosas coristas do grupo Canta Brasil alinhadas em um semicírculo no altar. 

Sinto-me em casa com a euforia dos amplos gestos de afeto com que sou saudada. É um excedente de carinho tão tipicamente brasileiro que até parece exagerado, mas sente-se muito autêntico no coração. A coordenadora Sandra Rodrigues Urech caminha ao meu encontro e promete conversar depois do ensaio.

Há quinze anos que semanalmente é assim: cantoras das mais diversas origens se reúnem para aprofundar através da música a experiência da integração. Ensaiando, trocam relatos de vivência dos diferentes “Brasis” que deixaram e das “Suíças” onde habitam. Sob a batuta de Sandra, buscam e encontram respostas para compreenderem a si mesmas e o país que adotaram como lar.  

Imbuída da determinação necessária para comandar o irrequieto grupo, Sandra não abre mão do bom humor enquanto rege clássicos como “Maria, Maria” de Milton Nascimento. Há uma teatralidade nos gestos que mantém todos atentos. “Olha a boca do bêbado! Tá caindo a nota. Ó, levanta essa boca aí”, protesta. “Ei, quem pisou no rabo do gato? Deixa o bicho em paz” reclama dos eventuais desafinos. É nesse tom professoral alegre que o ensaio se estende por quase duas horas e termina pontuado com uma festinha no salão paroquial.

Canto para integrar

Quando a missão de Sandra se encerra, ela vem me contar a história do grupo. “A ideia não foi minha, mas eu abracei e chegamos até aqui”, diz. Tudo começou em 2003, com reuniões na casa de Anna e Leon Charlier na Argóvia. Depois de crescer e alternar endereços, o coral encontrou um abrigo definitivo em 2014 graças ao padre Marquiano Petez, que o acolheu na Kapellehof da diocese de Baden.  

Em 2011 a demanda da comunidade de Zurique fez nascer um segundo núcleo, que se reúne às sextas-feiras no CEBRAC, Centro Brasil Cultural, até abril de 2016. Nas apresentações os dois grupos se unem chegando a totalizar cerca de 30 pessoas. “É que todo ano entra e sai muita gente”, explica Sandra. Esse trânsito faz parte da dinâmica fluída no exercício de integração desempenhado pelo projeto. “As pessoas chegam aqui às vezes emocionalmente dilaceradas e no processo de cantar se descobrem, se empoderam, se fortalecem e voam novamente”. 
   
Embora os ensaios sejam somente às segundas e sextas, Sandra está disponível a semana inteira 24 horas por dia. Veterana do Conselho Brasileiro na Suíça, ela conta que seu papel é justamente de dar suporte, ajudar e confortar os brasileiros. É nas conversas com Sandra que muitos encontram o encorajamento de que precisam. Prover apoio emocional é o diferencial fundamental do grupo. Na Suíça existem mais de 1480 corais que juntos engajam 44 mil cantores*, mas só o Canta Brasil proporciona o que a regente chama de “terapia de integração”. 

Crise de identidade

Amazonense de ascendência indígena, a bióloga Delci Franzi é uma das beneficiadas pelo projeto. Chegada à Suíça em 2012 ela tem dois filhos, mora na região de Olten e juntou-se ao coral por recomendação. A ex-pesquisadora explica que viveu uma “crise de identidade” ao desembarcar na Europa e o canto tem a ajudado a se redescobrir. “Eu engravidei logo que cheguei. Não consegui estudar o alemão e fui muito desrespeitada pela família do meu esposo. Senti o trator passar por cima de mim me atropelando. As cobranças foram muito grandes então eu me bloqueei. Foi muito doloroso. Até entrei em depressão”, diz.   

Por meio da música e dos relacionamentos que desenvolveu no coral Delci reencontrou a autoconfiança para superar esse bloqueio e valorizar sua identidade. “Estou me redescobrindo como uma mulher brasileira com potencial para desabrochar à vida. O coral tem feito isso comigo e é muito gratificante”. “Agora pretendo estudar, desenvolver uma nova atividade financeira e explorar outras oportunidades”, planeja.

Foto de uma mulher
A bióloga Delci Franzi é uma das brasileiras que participa do projeto. swissinfo.ch

A carioca naturalizada suíça Beth Vila questiona se a palavra integração não anda muito “inflacionada”. “Admito que tem momentos que fico pensando isso, porque até eu não falo perfeitamente o dialeto”, diz a tradutora de alto alemão que trabalha para os órgãos do governo e chegou à Suíça em 1983. “Fato é que me sinto em casa e sou muito feliz aqui”, completa, enquanto afaga a cachorrinha mini-poddle Glória, que é a mascote do grupo.    

Só conversar com o filho em suíço-alemão, fazer cara feia quando escuta português na rua, falar mal do Brasil. Esses são tropeços comuns elencados por Sandra e que dificultam na genuína adaptação. “Em algum momento quem faz isso sofre, porque está negando a si mesmo”, avalia a regente. “O nosso objetivo é trabalhar essa energia. Se não tivermos cuidado, nós brasileiros nos perdemos, porque é um choque cultural imenso”, acredita. 

“Me afastei da minha cultura”

A economista pernambucana Paula Studer reconhece ter “pecado” na educação das filhas de onze e nove anos. Hoje as meninas sabem português, mas se expressam predominantemente em suíço-alemão. “Elas não querem falar comigo em português e dizem que eu canto mal. O idioma lá em casa é o suíço-alemão”, conta. 

Paula está há 17 anos no país e trabalha com finanças em Zurique. Ela tem um círculo de amigos locais e conquistou o desafio da integração. “Se inserir é a chave para estar bem, mas eu acho que passei muito tempo longe da minha comunidade, me afastei demais da minha cultura”, avalia, ponderando que o processo de adaptação é uma via de duas mãos, onde nenhuma das identidades deve ser negligenciada. “Para mim, vir ao coral é justamente importante porque é onde eu resgato o meu Brasil”. 

Morando há 14 anos no país e frequentando há onze anos os ensaios, a avó sexagenária e dona de casa Maria Bruggmann resume a essência do coral com um sorriso no rosto: “Esse grupo é a família brasileira que falta a muitos de nós aqui na Suíça. O ensaio é o lar da gente, onde a gente chega triste e sai contente”.    

Onde encontrar

Ensaio em Baden

Horário: às segundas-feiras de 19:30 a 21:00 horas.
Endereço: Kapellenhof, Bruggerstrasse 143, 5400 Baden

Ensaio em Zurique

Horário: às sextas-feiras de 19:30 a 21:00 horas.
Endereço: Regensbergstrasse 101, 8050 Zurique

Contato:

Sandra Rodrigues Urech 
Cantabrasil@gmx.ch 
+41 76 572 03 13  

*= Dados da União Suíça de Corais (Schweizerische Chorvereinigung). 

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