Cidade suíça quebra o tabu da licença menstrual
No início de 2024, Friburgo se tornou a primeira cidade da Suíça a introduzir uma licença menstrual para suas funcionárias. O país está agora inserido num debate internacional sobre saúde no trabalho que busca quebrar um antigo tabu.
A nova legislação aprovada em Friburgo permitirá que funcionárias municipais com menstruações dolorosas tirem até três dias de licença a cada ciclo menstrual. Não é necessário apresentar um atestado médico. O projeto foi aprovado por uma grande maioria no conselho municipal – equivalente a uma câmara municipal –, com 49 votos a favor, 13 contra e 13 abstenções.
A decisão é inédita na Suíça, que tradicionalmente prefere manter os assuntos “privados”, como o cuidado com os filhos, firmemente no âmbito privado. Além disso, o próprio conceito de licença menstrual só entrou recentemente no vocabulário do país.
Por que uma licença para dor menstrual?
Os políticos de esquerda por trás da proposta de Friburgo afirmam que seu objetivo era trazer visibilidade para o impacto que a dismenorreia, mais conhecida como cólica menstrual, pode ter na vida profissional das pessoas que sofrem com esse problema.
“É essencial que eu possa dizer que estou doente por causa da minha menstruação e que isso seja considerado um motivo legítimo para me ausentar”, disse a vereadora do Partido Verde Laura Zahnd, citada pelo jornal Le MatinLink externo. “Atualmente, as pessoas que menstruam precisam ir trabalhar mesmo quando não estão se sentindo bem”.
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Tempo parcial é faca de dois gumes para mulheres
Algumas pessoas sofrem de fluxos menstruais intensos que podem ser debilitantes, explicou Nicola PluchinoLink externo, ginecologista do Centro Hospitalar Universitário de Vaud, ao Le Temps, no ano passado. “Para elas, a vida profissional pode se tornar inviável. E elas têm muita dificuldade de serem ouvidas pelos colegas e chefes”, disse o médico. Aproximadamente uma em cada dez mulheres em idade reprodutiva sofre de endometrioseLink externo, uma doença que pode causar dor pélvica intensa, especialmente durante a menstruação.
Caso as pessoas se ausentem regularmente por períodos curtos devido a dores menstruais, o empregador pode começar a fazer questionamentos, disse a socióloga Aline Bœuf, autora do livro Briser le tabou des règles (Quebrando o tabu da menstruação), citada no Le Temps. “Uma licença menstrual poderia resolver esse problema”, afirma.
Por que algumas pessoas se opõem à licença menstrual?
Em Friburgo, políticos de direita argumentaram que a licença médica já era suficiente para cobrir a necessidade de dias de folga – os funcionários municipais podem tirar até três dias de licença médica sem um atestado médico. Em vez da licença menstrual, eles defenderam uma campanha de conscientização pública sobre doenças ginecológicas, informouLink externo a rádio pública suíça RTS.
Se a licença menstrual for difundida, ela será “um rótulo adicional” que as mulheres terão de carregar, especialmente no setor privado, alertou a vereadora Océane Gex, do Partido Liberal Radical, de centro-direita. Segundo ela, as mulheres já enfrentam discriminação no local de trabalho pelo fato de terem filhos, por exemplo.
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Mulheres exigem melhores condições de trabalho no setor da construção
Duas mulheres que sofrem de endometriose expressaram preocupações semelhantes ao Le Temps: elas acreditam que a sociedade talvez ainda não esteja pronta para aceitar a licença menstrual. “Tenho medo de que isso faça com que empregadores fiquem ainda mais relutantes em contratar mulheres”, disse uma delas. “Também não se deve forçar certas mulheres a falarem sobre isso se elas não quiserem”, acrescenta.
Qual é a situação na Suíça e em outros países?
Até pouco tempo atrás, a licença menstrual era um assunto restrito a apenas alguns grupos na Suíça, disseLink externo Aline Boeuf à revista suíça Femina. A questão começou a ser discutida de verdade quando o parlamento espanhol estava analisando uma legislação sobre o assunto em 2022. Antes do final do ano, a cidade de Zurique decidiu lançar um projeto piloto que oferecia entre um e cinco dias de licença remunerada para funcionárias municipais que sofriam de dores menstruais “fortes e regulares”.
Esse projeto piloto inspirou uma vereadora da cidade de Lausanne, Audrey Petoud, a submeter uma proposta para uma experiência semelhante em sua cidade.
Os resultados do projeto de Zurique ainda não são conhecidos. Mas Marco Taddei, do sindicato dos empregadores suíços, disse que o projeto ajudaria a avaliar a situação. “Os empregadores, que geralmente são homens, precisam se conscientizar sobre a questão – é bom falar sobre isso”, disse ele ao Le Temps.
Desde então, a Espanha se tornou o primeiro país da Europa a introduzir a licença menstrual. Em fevereiro de 2023, o parlamento aprovouLink externo um projeto de lei que permite que as pessoas que sofrem com menstruações dolorosas tirem até cinco dias de licença remunerada com a apresentação de um atestado médico.
A França está discutindo uma legislação semelhante. No país, algumas empresas privadas, como a gigante do varejo Carrefour, já oferecem licença menstrual. Em 2017, houve uma tentativa de introduzir a licença na Itália, mas a proposta foi rejeitada. No continente africano, desde 2015, as pessoas na Zâmbia podem tirar um dia de folga por ciclo menstrual sem atestado médico.
Na Suíça, disse Boeuf, as pessoas estão agora se questionando sobre o conceito. Será que as mulheres vão querer tirar essa licença?
“Tenho a impressão de que há 10 ou 20 anos estávamos perguntando a mesma coisa sobre a licença-maternidade”, disse ela. “As mulheres tinham medo de prejudicar suas carreiras”, lembra a socióloga. A licença-maternidade remunerada foi introduzida na Suíça em 2005 e, com 14 semanas de duração, é uma das mais curtas entre os países desenvolvidos.
Mas os tempos mudaram: não é mais considerado apropriado que os possíveis empregadores perguntem às mulheres se elas planejam ter filhos. E com o tempo, disse Boeuf, o pensamento sobre a menstruação mudará e será igualmente inapropriado perguntar em uma entrevista de emprego se a candidata precisará tirar folga por causa de menstruações dolorosas.
É interessante notar que o projeto de lei espanhol incluía uma disposição – que acabou sendo eliminada da versão final – para retirar ou reduzir os impostos sobre vendas de produtos de higiene feminina. A chamada “pobreza menstrual” é outra fonte de debate em muitos países, inclusive na Suíça, onde a redução dos impostos sobre esses produtos é objeto de discussões parlamentares.
E no Brasil?
No Brasil, está em andamento um projeto de lei que visa garantir três dias de licença remunerada para pessoas que comprovem sintomas menstruais graves. ApresentadoLink externo pela deputada federal Jandira Feghali (PCdoB), o projeto ainda está tramitando na Câmara dos DeputadosLink externo, onde deve ser apreciado pelas comissões responsáveis.
No Pará, na região Norte do país, um projeto semelhante foi aprovado por unanimidade na assembleia legislativa do estado. Inspirada na legislação espanhola, a proposta foi apresentada pela deputada estadual Lívia Duarte (PSOL) e previa três dias de licença remunerada mediante a apresentação de atestado médico. Apesar da aprovação no legislativo, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), vetou o projeto. Segundo o site de notícias G1Link externo, o governador teria afirmado que o projeto era “inconstitucional”.
No que diz respeito à pobreza menstrual, foi criadoLink externo em 2022 o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, aprovadoLink externo pelo Congresso Nacional no ano anterior. O programa prevê a distribuição gratuita de absorventes para pessoas em situação de vulnerabilidade social, estudantes de baixa renda e pessoas inseridas no sistema prisional. Também está prevista a realização de campanhas educativas sobre dignidade menstrual.
Em 1922, a União Soviética introduziuLink externo uma licença menstrual remunerada de dois ou três dias por mês para as trabalhadoras das fábricas. Essa política foi posteriormente eliminada, mas não se sabe ao certo quando, afirmam pesquisadores da Universidade de Sydney, na Austrália.
Os outros pioneiros podem ser encontrados na Ásia. O Japão tem uma licença menstrual de um dia em vigor desde 1947. A Indonésia e a Coreia do Sul introduziram essa prática na década de 1950 – dois dias pagos por mês no primeiro caso e um dia, pago ou não, no segundo. Em Taiwan, as pessoas podem tirar até três dias por ano, pagos com a metade do salário.
Edição: Balz Rigendinger
(Adaptação: Clarice Dominguez)
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