Casais biculturais são ajudados a lidar com dificuldades conjugais
Com o alto índice de casamentos entre suíços e estrangeiros, que bate à porta dos 50% de todas as uniões no país, há no mercado um aliado dos casais nesse tipo de relacionamento: os aconselhadores de mulheres e homens em relações binacionais. Eles são psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais com perfil específico que os torna aptos a entender o papel das diferenças culturais em um matrimônio.
Os desafios desses especialistas são enormes, assim como os dessas uniões, que têm em sua composição adversidades mais complexas que as encontradas em um relacionamento comum, cujos parceiros têm origem em uma mesma sociedade. Surpreendentemente, as taxas de divórcio atingem proporções menores, se em comparação com os casamentos entre suíços. Segundo o Instituto de Estatísticas Suíço, dos 16.542 divórcios em 2018, 42% se deram entre casais suíços. Em casamentos binacionais (um dos cônjuges suíço), o percentual foi de 35%.
Artigo do blog “Suíça de portas abertas” da jornalista Liliana Tinoco Baeckert.
Para saber como funciona o Serviço de Aconselhamento, quais seriam os problemas mais comuns enfrentados por brasileiros e estrangeiros que se unem a cidadãos suíços ou até como atenuar as inúmeras diferenças e conflitos, a reportagem da swissinfo.ch foi à Berna conversar com Esther Hubacher, a líder do Fabrina, um dos Centros de Aconselhamento para Mulheres e Homens em Relacionamentos Binacionais na Suíça.
swissinfo.ch: Como é o trabalho de vocês no Fabrina?
Esther Hubacher: Quando alguém nos procura, por exemplo, já pensando em passar para o próximo estágio da falência do relacionamento, que é o divórcio, sinto uma certa frustração. É uma pena que as pessoas deixem para procurar ajuda quando a situação já esteja nessa fase.
Somos um time de cinco pessoas, prestamos consultoria em idiomas variados, como francês, árabe, espanhol etc. E quando não temos alguém que fale determinada língua, solicitamos tradutores. Atendemos pessoalmente e pelo telefone. Mas nós atendemos basicamente a comunidade de Berna e Solothurn, existem outros grupos espalhados pelo país. É só se informar no site Binational.chLink externo.
As orientações se dão nas áreas psicológicas, claro, mas também nos temas financeiros, legais e interculturais.
Em questões financeiras, por exemplo, orientamos casais nos quais, um dos cônjuges, não consegue entender como funciona um orçamento na Suíça. Tem casal que chega aqui com brigas geradas por essa incompreensão. Se o homem, por exemplo, ganha um salário X, explicamos que desse montante precisa sair Y para o aluguel, para refeições, plano de saúde, etc. Então, o restante estará disponível para gastos extras.
Muitas mulheres ou homens, que se casam com estrangeiros de países de Primeiro Mundo, se iludem. Acham que arrumaram maridos ou esposas ricas, com condições de gastos ilimitadas e se frustram ao perceberem que, na Suíça, onde os custos são altos, não dá para esbanjar como gostariam.
Em contrapartida, outro problema que eu vejo com frequência é maridos suíços, por exemplo, que acham que a mulher tem que se subjugar a eles e viver praticamente sem dinheiro. Eles trazem suas namoradas para viver no país e não querem pagar os custos básicos, isso sem falar nos que se recusam a custear um curso de idioma. Explicamos que não é assim e que os ganhos pertencem ao casal, e não somente a um dos dois.
O ideal é procurar saber como se pode viver com esse parceiro ou parceira antes de formalizar a união. Informar-se sobre as leis que envolvem migração e casamento deveria ser uma obrigação pré-nupcial. Trata-se de prevenção de futuros problemas.
E dialogar, claro. O casal pensou sobre a responsabilidade de ter filhos? Levou em consideração que esse cônjuge irá necessitar de sua ajuda financeira nos primeiros anos, que ele terá que arcar com as despesas sozinho? Essa pessoa que sai do seu país e migra para a Suíça para um casamento precisará aprender a língua do lugar onde vive. E isso tem um custo, além de não haver contribuição financeira em casa de uma das partes.
swissinfo.ch: O que a Senhora atribui ao fato de que alguns maridos suíços não quererem que a parceira aprenda a língua, se integre, por exemplo? Falo sobre o sexo masculino porque a maioria das uniões se dá entre homens locais e mulheres estrangeiras.
E.H.: Exercício do poder. O cônjuge que sai do seu país para seguir o outro em sua terra traz uma série de desvantagens na mala. Geralmente não fala o idioma, não tem família por perto, o diploma pode não ser válido, ou seja, precisa recomeçar do zero. Pode acontecer de algumas pessoas se utilizarem dessa prerrogativa para exercer esse poder, ou simplesmente se frustrarem com o “eventual peso” no orçamento ou com a lenta evolução do parceiro.
Essas barreiras, inclusive, geram desencantamento por parte desse estrangeiro, que é um adulto que talvez tivesse independência financeira em seu país de origem e se vê dependente, de uma hora para outra. O aprendizado da nova língua ou um novo emprego satisfatório nem sempre vêm tão rapidamente. Aqui também informamos sobre os direitos conjugais.
swissinfo.ch: Questões que provavelmente não foram discutidas ou pensadas anteriormente, exatamente conforme a Senhora explicou sobre a importância de atitudes preventivas de conflito.
E.H.: Exatamente. Vou dar um outro exemplo. Talvez essa esposa seja católica e o marido protestante. Foi discutido entre o casal a importância da religião na vida deles, como irão lidar com isso? Dependendo da diferença de pontos de vista, pode ter forte influência na relação, na criação dos filhos.
Aqui no Fabrina, nós oferecemos Terapia de Casais também. Durante essas sessões, trazemos esses temas para a conversa.
swissinfo.ch: Mesmo com todas as dificuldades, há menos divórcio entre casais binacionais. Como a Senhora explica esse fenômeno?
E.H.: Acho que justamente devido a todos os inconvenientes, luta-se mais pelo relacionamento. Acredito, inclusive, que as diferenças não sejam um problema, mas um fator de sucesso. Depende de como se lida com esses descompassos. Talvez esses casais se divirtam mais, a vida tenha mais emoção, mais cor.
swissinfo.ch: Quais seriam os tipos mais comuns de conflitos em casos de casamentos entre suíços e brasileiros?
E.H.: Criação de filhos é tema clássico. Tem casal que discute sobre o horário de dormir da criança, por exemplo. O suíço acredita que o filho precise ir para a cama às 19 horas e o brasileiro acha que 21 horas é bom o suficiente. Vemos questões sensíveis também em temas como envio de dinheiro para família no Brasil.
Outro ponto conflituoso, por incrível que pareça, pode ser o destino de férias. Há muitos brasileiros, que por saudade da família, querem voltar ao país sempre que possível e por lá ficar cinco semanas. O marido ou esposa suíça, por exemplo, pode não querer permanecer muito tempo e visitar outros destinos também. Aí tem início um impasse.
No início de um relacionamento intercultural, tudo é lindo e exótico. A mulher suíça, casada com um estrangeiro, pode pensar: eu não tenho um suíço chato em casa, meu marido brasileiro cozinha comidas diferentes. Mas com o tempo, os pontos positivos são atenuados com a rotina. E têm início as reclamações ou desapontamentos. Ele ou ela não gostam de fondue, ou não querem fazer caminhada, coisas típicas da cultura helvética. Já os meus conterrâneos podem reclamar: a minha esposa ou marido fala tão alto, os brasileiros têm mania de querer ficar juntos. E por aí vai.
swissinfo.ch: E como atenuar essas diferenças, como lidar com a desarmonia?
E.H.: Essas diferenças culturais advêm justamente da forma diferente que cada cultura tem de ver o mundo, com seus valores distintos. Dessa maneira, talvez a chave para o sucesso esteja em assumir um compromisso de entendimento mútuo. Dois dias por semana fondue, dois dias comida brasileira e outros para cardápios internacionais. Se a questão é religião, eu indico que cada um abrace a sua e dê espaço individual para o outro. Se houver filhos, deixem que a criança escolha sua crença.
Casamento binacional significa criar uma terceira cultura, que é a da família ou do casal, e não escolher entre a suíça ou brasileira.
O adeus do blog “Suíça de Portas Abertas”
É com alegria que venho encerrar o projeto da coluna quinzenal Suíça de Portas Abertas, que mantive aqui na swissinfo.ch desde novembro de 2016. Durante três anos, duas vezes por mês, trouxe matérias sobre adaptação, integração e diferenças culturais na Suíça, escritas especialmente para a comunidade de língua portuguesa no país.
Como o próprio nome diz, projeto tem começo, meio e precisa terminar. Passo a régua com a sensação de dever cumprido: ouvi e recebi tantos relatos de que meu texto fez algum sentido para alguém que eu nem conhecia, de que eu ajudei algum brasileiro perdido por aí, alguém que se sentia um estranho e passou a entender melhor o processo migratório e suas dores e alegrias.
O blog foi o resultado prático da minha dissertação de mestrado na Universidade da Suíça Italiana. Foram exatamente 77 matérias, que passearam por temas como casamentos binacionais, criação de filhos no exterior, solidão, a relação da migração e comida, a importância da valorização da cultura do país de origem e do local onde se vive, tráfico de seres humanos – tema para o qual fiz uma série de reportagens -, saudades de casa, mercado de trabalho e outros tantos.
O objetivo da coluna sempre foi o de informar sobre questões migratórias, que às vezes nos tiram do eixo. Como jornalista e especialista em Comunicação Intercultural, acredito que conhecimento tem o poder de desatar nós e mostrar um rumo. Se o resultado diminuiu o sentimento de solidão de quem deixou sua terra natal, já valeu a pauta.
Não vou sumir, continuo como jornalista colaboradora da swissinfo.ch e tocando meus mil e um outros projetos como aconselhadora de migrantes e expatriados. Para quem quiser ler meus textos, pode ir no meu site pessoalLink externo ou me procurar no meu mais novo desafio: o Histórias de Longe, página no Facebook onde irei contar histórias de gente que foi embora do seu país.
Um muito obrigada: ao país, por tudo que aprendi. Agradeço também à redação swissinfo.ch, que me deu esse importante espaço, e a vocês que leram meus textos, compartilharam e me mandaram mensagens encorajadoras. O jornalista não é nada sem seus leitores e as portas seguem abertas para novos caminhos.
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