Crendices populares, falta de medicamentos
Firosa Morgado, 34 anos, trabalha no posto de saúde de Nakoto, um povoado de pouco mais de oito mil habitantes em uma zona rural distante 12 quilômetros de Chiúre. A enfermeira de nível básico, o que significa que estudou um ano e meio, afirma que não tem hora certa de trabalho. “Moro ao lado do centro e sempre tem alguém precisando de ajuda”, diz. Divorciada, ela precisa da ajuda da irmã para cuidar dos três filhos que vivem em Chiúre e só vê uma vez por semana. Hoje o centro está repleto, pois um grande número de mães veio para vacinar os filhos e registrá-los, o que permite também de obter uma carteira de identidade, muito importante para a inscrição na escola.
Uma das pacientes nesse dia é uma mulher de aproximadamente vinte anos. Ela veio buscar os seus medicamentos antirretrovirais. Um sistema de fichas criadas com ajuda da SolidarmedLink externo permite acompanhar o tratamento das pessoas soropositivas na região. Ela descobriu apenas há um mês que está infectada, mas não sabe como isso ocorreu. “Foi através do marido ou das escarificações (n.r.: incisões feitas na pele) feitas pelo curandeiro para o tratamento de outra doença. Muitas vezes eles cortam várias pessoas com a mesma lâmina sem desinfetá-la”, explica ao seu lado o enfermeiro responsável. A prática é comum na região e um motivo de dor de cabeça para os funcionários da área de saúde.
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As tradições são tão fortes, que muitas vezes as infraestruturas criadas para beneficiar a população deixam de ser usadas. Ao lado do posto de saúde, está a “casa mãe-espera”, um barracão de pau-a-pique, coberto com folhas de zinco. Construída com financiamento da SolidarMed – em uma colaboração entre a ONG, a direcão distrital de saúde e a população – seu objetivo é permitir que as mulheres grávidas passem alguns dias antes do parto nas proximidades do posto de saúde, o que garante um melhor acompanhamento. Porém em Nakoto ela está vazia. A explicação é dada por Firosa. “Nossa sociedade é muito machista. Os homens não deixam as mulheres vir, porque elas precisam ficar em casa para trabalhar nas machambas e preparar a comida da família”, diz. Além disso, o posto não oferece comida e distancia a futura mãe do controle social na aldeia. “As famílias querem garantir que a criança é realmente do marido e assim é melhor que ela fique mesmo na aldeia”, conta Firosa, que ganha 4.100 meticais por mês (129 dólares) pelo trabalho de enfermeira.
O posto de saúde de Nakoto é monitorado constantemente por Anita Huxley. Como funcionária da ONG Solidarmed, sua função é dar apoio ao sistema local de saúde. “Damos consultoria às enfermeiras, cuja formação é por vezes deficiente, ajudamos nas saídas de brigadas móveis para coleta voluntária de sangue, oferecemos equipamento ou no fornecimento de medicamentos essenciais quando há falta destes”, explica. No pequeno depósito de medicamentos, os enfermeiros apontam orgulhosos para as prateleiras repletas. Porém a médica brasileira lembra-se de situações dramáticas. “No final de 2013 e no começo do ano de 2014 tivemos ruptura de estoques de vários medicamentos essenciais incluindo antibióticos, antimaláricos e bolsas para coleta de sangue. Coincidiu durante o período de insegurança no centro do país, mas nunca soubemos exatamente o porquê da falta. No segundo semestre deste ano a situação se normalizou”, declara, referindo-se aos violentos conflitos entre o governo federal e as tropas das antigas forças de oposição que eclodiram em abril de 2013 e só terminaram com a assinatura de um acordo de cessação de hostilidades militares no início de setembro de 2014.
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