De volta há 20 anos, o lobo provoca divergências
Na Suíça, defensores e adversários do lobo formam dois campos irreconciliáveis. Duas décadas depois do retorno do predador – protegido por uma Convenção Internacional – as frentes continuam acirradas. Reportagem e balanço.
Os anúncios de nascimento estavam prontos e só faltava uma pequena foto. Depois elas chegaram em agosto. A Suíça descobriu três dos lobinhos nascidos em 2015 na única alcateia, até então, de lobos a viver no vale do Calanda, no cantão dos Grisões (leste). “Nascem filhotes desde 2012, não havia razão para não ter uma ninhada este ano”, declarou o responsável cantonal (estadual) da fauna”.
A quarta ninhada depois de 2012 foi confirmada através das fotos dos lobinhos realizada por câmaras dispersas no maciço. Não se exclui que o número de animais seja três vezes maior. Em anos anteriores, o nascimento de cinco a seis animais pode ser confirmado no outono.
A atenção dos defensores do animal também se dirigem à região de Augstbord, no cantão do Valais (sudoeste). Se lobo batizado M46 e a loba F14 tiveram filhotes, estaria formada a segunda alcateia da Suíça. A resposta deverá ser conhecida até o final do atual verão.
Essa maneira alegre de apresentar o lobo na Suíça provoca evidentemente receios e descontentamento de uma parte da população frente ao predador. O cantão do Valais acaba de autorizar a morte um lobo – não ainda identificado – por tiro. Este havia matado 38 ovelhas entre 19 de junho e 8 de agosto. Desde seu retorno em julho de 1995, o lobo causa grandes divergências.
Hoje
Estima-se que entre 800 e 1.000 lobos vivam entre a Calábria (sul da Itália), e os Alpes, onde eles seriam entre 200 e 300.
Lobos são vistos regularmente em todas as regiões da Suíça: em 2001 no Ticino (sul) e nos Grisões (leste), em 2006 no Cantão de Berna, 2007 Vaud, 2008 Obwald, 2009 em Lucerna e Schwyz. No final de 2014 no cantão de Zurique, o mais populoso da Suíça, teve a primeira passagem de um lobo; este morreu acidentalmente, atropelado por um trem. Em junho, carneiros foram mortos nos cantões de Obwald e Uri, na Suíça central. Criadores do Valais também perderam animais. Atualmente, o número atestado de lobos é de 27, em um balanço “muito modesto” para as associações de defesa do predador. Segundo o Grupo Lobo Suíça, “tem espaço para 200 lobos na Suíça”.
Ainda não se sabe quantos filhotes nasceram em 2015 na alcateia de Calanda (cantões de Grisões e St-Gallen). “Uma fêmea com tetas bem visíveis foi fotografada dia 14 de junho de 2015 acima do vilarejo de
Vättis (St-Gallen) pela associação de caçadores da região”, explica Fridolin Zimmermann, da KORALink externo, (associação “Ecologia dos Carnívoros e Gestão da Fauna Selvagem”, mandatada pela Confederação para observar a evolução dos predadores. “Os filhotes de lobo podem ser fotografados a partir de junho”, prossegue o especialista. “Eles também podem ser detectados pelo método do uivo a partir de meados de julho. Esse método deu certo na Itália e na França, mas foi aplicado apenas esporadicamente na Suíça.”
No total, desde 1998, a KORA contou 57 lobos machos (de M01 a M17) e 15 fêmeas (de FO1 a F15), ou seja, 72 no total, na Suíça. A morte de 15 deles também foi atestada. Os outros são mortos sem que se saiba onde ou abandonaram o território suíço. A certeza da presença do mesmo lobo em outro país só é possível se esse país faz as análises com o mesmo marcador genético, o que não é o caso da Itália, por exemplo.
“Papel regulador”
Neste mês de julho de 2015, os defensores do lobo fazem um balanço não muito otimista da evolução da população de lobos no país. Somente o WWFLink externo marcou o aniversário saudando a utilidade do lobo. Explicação: o lobo regula a população de animais da floresta que, pelos estragos que provoca nas árvores, retarda o rejuvenescimento da floresta, escreve o WWF.
O lobo também obrigou os criadores de ovelhas a melhor proteger as tropas que pastam nas montanhas no verão. “A pastagem livre em que os carneiros pastam nas montanhas em total liberdade é, historicamente, uma novidade e não uma vantagem para os animais. Das cerca de 200.000 ovelhas, 4.000 morrem por a ano, geralmente de doenças ou quedas. Menos de 10% das mortes são devidas a predadores”, segundo a organização ecológica.
O lobo, portanto, obrigou os criadores a ter cães de proteção das tropas. Tradicionalmente o Patou dos Pireneus ou o pastor de Maremme. “Mesmo se parece bizarro, o lobo salvou a vida de centenas de ovelhas”, estima o WWF.
“Instinto de matador”
Essas afirmações provocam a ojeriza dos criadores que perderam ovelhas, como Daniel Imholz e Werner Herger, criadores em Isenthal, no cantão de Uri (centro). É possível fazer uma parte do trajeto de carro, depois um teleférico e caminhas duas horas para chegar às pastagens onde os criadores do vilarejo levam seus carneiros no verão. Veja um pequeno filmLink externoe no YouTube.
“Levavam”, porque os criadores desceram suas tropas em junho, depois da passagem de um lobo que matou 50 carneiros na região, 20 deles pertencentes a Daniel Imholz e a Werner Herger.
“Esse lobo tem um instinto matador” se insurge Werner Herger. “Ele não cassa por fome porque atacou tantas ovelhas”, acrescenta. “Depois da passagem do lobo, especialistas vieram falar conosco para ver como proteger nossas tropas. Eles admitiram que era difícil colocar cães”, explica seu colega.
“Proteger as ovelhas é possível praticamente em todo lugar”, nota Cristina Steiner, veterinária e presidente da associação CHWolfLink externo que apoia os criadores com medidas de proteção. “É verdade que integrar cães na tropa, para os carneiros não tenham medo, leva tempo. Se o investimento é muito grande, por exemplo porque o terreno é muito irregular, é possível que certas zonas alpinas devam ser abandonadas como pastagem”.
Salvar o vale
Daniel Imholz discordam. “Nós somos responsáveis pela salvaguarda do vale. Ora, as ovelhas são uma fonte de renda importante. Sem nós, a escola vai fechar e o vale perderá sua população. O lince já faz estragos. O número de veados galheiros diminuiu consideravelmente. O lobo pode acabar de matar nosso vale”.
“É verdade que o lobo é só uma parte do problema e que devemos de toda maneira lutar para manter a agricultura aqui. Se ele for morto, o problema não será resolvido”, relativiza Daniel Imholz, consciente que “não haverá outra escolha” e terá de colocar cães de proteção.
No cantão dos Grisões, onde vive a única alcateia da Suíça, os cães protetores são generalizados nos últimos anos e a situação é “bem calma”, afirma Georg Brosi, diretor da Secretaria Estadual da Caça e Pesca. “A alcateia causa poucos problemas, mas temos a sorte de ter uma topografia bem simples”.
No Valais, onde o lobo reapareceu em 1995, o tom é diferente. Os cães de proteção são raros e as ovelhas mortas são muito comentadas. Criadores, caçadores e políticos reclamam autorizações de tiro – dadas em condições muito restritas, pois o lobo é protegido por uma Convenção Internacional assinada em Berna, capital suíça, em 1979.
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Sangue nas pastagens
Regulação possível
Ora, desde meados de julho, os cantões têm novas possibilidades de regular o lobo. O decreto relativo foi revisado. Certas condições devem ser preenchidas – como estragos importantes ou perigo para os humanos.
“Os lobos não em si perigosos para os seres humanos”, explica Cristina Steiner. Eles nos evitam. Em contrapartida, eles nem sempre evitam as habitações. Um logo pode tornar-se perigoso se ele perde sua timidez do ser humano porque recebe comida, por exemplo”.
Com o novo decreto, até a metade dos jovens de uma cria, a última, poderá ser abatida, se a Secretaria Federal do Meio Ambiente (OFEV), der seu aval. Em contrapartida, em caso de lobos isolados, os cantões tornam-se competentes para autorizar tiros- aí também sob certas condições. Até aqui, eles deveriam pedir autorização a uma comissão intercantonal.
“O decreto deixa uma liberdade muito grande aos cantões”, critica Christina Steiner. “Nem sempre é fácil distinguir os animais jovens dos adultos. Ora, se os adultos são abatidos, a alcateia pode se dispersar. Os jovens vão procurar presas fáceis, o que pode provocar um aumento dos estragos”.
O decreto “prevê explicitamente que os genitores devem ser poupados”, responde Rebekka Reichlin, porta-voz da l’OFEV. Em caso de dúvida, o guarda-caça não tem o direito de atirar. No Valais, ao contrário, lamenta-se que o novo texto seja limitado. Peter Scheibler, chefe do Serviço estadual de Caça e Pesca, estima que “teria sido melhor facilitar os procedimentos para autorizar os tiros”.
O lobo certamente simboliza na Suíça uma ruptura “cidade-campo” muito clara – os citadinos são mais inclinados a “gostar do lobo”. Para Georg Brosi, dos Grisões, as emoções e medos iniciais com o tempo diminuem.
Em Isenthal, Daniel Imholz continua tenso. ”É fácil dizer que o retorno do lobo é uma coisa boa para quem mora na cidade. Que é preciso fazer algo contra as raposas. Nós não temos problemas com a raposa!”
Adaptação: Claudinê Gonçalves
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