Deficientes também têm direito à carícias
Mesmo a deficiência sendo física ou mental, há uma necessidade de serviços relacionados com o sexo para pessoas portadoras de deficiência. Mas ainda falta encontrar a melhor forma de atender a essas necessidades.
“Posso te dar um abraço?”, pergunta um homem alto e loiro. Isso assusta – e até irrita – as mulheres que se aproximam na rua. O jovem é um estranho e parece mentalmente abalado. Será que ele quer mais do que abraços? Ou isso é apenas uma tentativa desajeitada de fazer amigos?
A história é contada em um seminário em Zurique que forma conselheiros sexuais para pessoas portadoras de deficiência. O seminário faz parte de um curso oferecido pelo Instituto para a Autodeterminação das Pessoas Portadoras de Deficiência, na Alemanha.
“Há uma verdadeira necessidade de falar sobre esse assunto, que geralmente é desprezado em casa e para alguns chega até a ser um tabu desagradável”, diz Lothar Sandfort, psicólogo e diretor do instituto. Paraplégico desde um acidente de trânsito em sua juventude, Sandfort é casado e tem três filhos.
AirAmour é um centro de competência para questões de relacionamento e sexo que afetam os portadores de deficiência mental.
Seu foco é a autodeterminação, ajudando os pacientes a responder a perguntas como forma de socializar e fazer amigos, viver de forma independente ou se envolver em um relacionamento. A educação sexual também faz parte da oferta da AirAmour.
Fundado em 2003, o centro realizou cerca de 200 consultas em seu primeiro ano. Em 2012, o número foi de 800. AirAmour fica em Basileia.
Desejos
Participante do curso, Ann- Kathrin iniciou a discussão sobre a sexualidade no seu local de trabalho, um lar em Basileia para pessoas com distúrbios cognitivos, como o autismo.
“Notei que algumas das minhas colegas ficaram aliviadas quando abordei o assunto, outras tentaram ficar como se nada estivesse acontecendo”, conta, destacando que o sexo não sai da cabeça dos cinco pacientes homens (com idades de 18 a 52 anos) sob seus cuidados – alguns dos quais expressam abertamente seus desejos.
“Outros internos, bem como os funcionários, ficam muitas vezes perplexos, porque ninguém realmente sabe como reagir nestas situações”, conta Ann- Kathrin para o site swissinfo.ch.
Hans, que trabalha em um lar para portadores de deficiência mental no cantão da Argóvia, diz que muitos de seus pacientes gostariam de ter uma namorada ou um namorado, e muitos já têm. “Eu queria me especializar em algo em que sou confrontado diariamente”, diz.
Durante uma sessão de brainstorming sobre o suposto rapaz, alguém sugere que ele pudesse fazer uma saída supervisionada em uma boate ou uma festa. Isso exigiria um investimento financeiro extra em termos de pessoal e outras despesas.
Acontece que o jovem em questão encontrou uma solução alternativa menos intimidante. Agora, ele pergunta as horas para as pessoas que passam na rua.
“Ele já aprendeu alguma coisa”, ressalta Sandfort. “Agora, ele precisa aprender a se apresentar e principalmente a paquerar.”
Sem vida noturna e pouca liberdade
A falta do que fazer para se divertir à noite era algo que incomodava Francesco Bertoli na época em que vivia em lares para deficientes físicos. Agora, aos 60 anos, ele tem seu próprio apartamento e é presidente do Behindertenforum, um grupo de defesa dos direitos dos portadores de deficiência.
De acordo com Bertoli, cerca de um terço das pessoas com deficiência na Suíça vivem em instituições que tendem a ser “bem estruturadas demais, sem muita liberdade”. Como Sandfort, ele concorda que há uma relutância em reconhecer a sexualidade dos residentes.
“As pessoas veem os portadores de deficiência como um gênero neutro e não como homem ou mulher”, disse Bertoli a um grupo de estudantes da Universidade de Friburgo em uma palestra sobre o assunto no início deste ano.
Ele é portador de artrogripose múltipla congênita, uma doença rara que afeta seus membros. Durante a apresentação, Bertoli usou sua língua para virar as páginas de suas anotações.
“Meus braços e pernas não funcionam, mas todo o resto está OK. Fiquei animado em saber que poderia ter relações sexuais”, disse Bertoli.
Ensinando toques e carícias
Além do curso para conselheiros sexuais, o instituto alemão também prepara as pessoas a serem “substitutos sexuais”.
O filme americano “As Sessões”, de 2012, abordou o conceito de substituição sexual para portadores de deficiência, onde uma terapeuta ajuda um homem enfraquecido pela poliomielite a explorar sua sexualidade.
“Não aceitamos qualquer um no curso, especialmente aqueles com síndrome de ajudante, que acham que o portador de deficiência está sofrendo e que querem acabar com esse sofrimento”, explica Sandfort à swissinfo.ch.
No primeiro semestre do ano, cinco mulheres e dois homens com idades entre 40 e 60 anos se inscreveram no curso realizado na Suíça.
Questionado sobre a diferença entre uma substituta sexual e uma prostituta, Sandfort disse que não há ilusões com uma substituta. “O cliente pode até mesmo ir para casa triste ou decepcionado porque ela vai lhe dar um feedback crítico sobre o seu desempenho na cama.”
“Ao todo cerca de 20 pessoas na Suíça estão se preparando para ser substituto sexual. Há muito mais mulheres do que homens, porque há mais demanda”, conta o responsável do curso Erich Hassler, explicando que os homens insatisfeitos em instituições podem se tornar agressivos.
Atualmente, responsável da sucursal do instituto em Zurique, Hassler fez o curso de substituto sexual na Alemanha dez anos atrás.
“Não ter medo de contato físico”
Hassler se sentiu inspirado para se tornar um substituto sexual depois de ver um anúncio no jornal pedindo as pessoas para aprender o ofício . Na verdade, foi sua esposa, que lhe mostrou o anúncio. Graças a suas experiências anteriores na organização de atividades esportivas com deficientes, Hassler já se sentia à vontade com o meio: “Eu não tenho nenhum medo de contato físico.”
A formação envolvia oficinas eróticas com cinco ou seis portadoras de deficiência, pelo menos dois substitutos sexuais profissionais e um estagiário. “Em alguns fins de semana o foco era sobre deficiência física, em outros era mental. Depois de seis destes workshops, recebi meu diploma. Mais tarde, fiz também fiz uma formação para ser conselheiro sexual.”
A tarifa de um substituto sexual é de 150 francos suíços (160 dólares) para um encontro de uma hora, independentemente do que acontece.
“Nós não vendemos atos sexuais. Nós vendemos o tempo para um encontro, e o que acontece durante este tempo fica por conta do cliente e do substituto”, explica Hassler, o que significa que estas sessões não resultam necessariamente em relações sexuais.
Ele vê atualmente mais demanda por substitutos do sexo feminino. “A sociedade não aceita muito bem que mulheres contratem os serviços de um homem. Geralmente recebemos pedidos de instituições a respeito de seus clientes do sexo masculino. Se um homem não pode viver sua sexualidade, ele acaba se tornando agressivo e incomoda os demais residentes, bem como o pessoal.”
“Em comparação, as mulheres internadas que não podem viver sua sexualidade tendem a ficar reservadas e deprimidas, um comportamento que não chama tanto a atenção.”
Mesmos direitos
Contratar ou não um substituto “deve ser uma decisão muito individual”, de acordo com o psiquiatra Paulo Hoff, presidente do conselho da Associação Suíça de Psiquiatras.
“Você não pode dizer a um paciente: ‘tenho uma ideia para melhorar sua vida sexual’. Não pode ser como uma receita, o que não seria ético”, disse Hoff.
Segundo o especialista, psiquiatras, psicoterapeutas e as instituições precisam abordar a questão da sexualidade abertamente, observando que as pessoas afetadas fisicamente e mentalmente muitas vezes sofrem de depressão.
“Devemos perguntar aos pacientes se o problema mental deles chegou a ter consequências para a vida sexual”, disse Hoff. “Em termos de sexualidade, as pessoas com transtornos mentais têm absolutamente os mesmos direitos que qualquer outra pessoa.”
Adaptação: Fernando Hirschy
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