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‘Devemos ter a liberdade de escolher como morrer’

Dignitas clinic
O suicídio assistido é legal na Suíça desde a década de 1940. Keystone / Gaetan Bally

Aqueles que escolhem o centro Dignitas como destino final da sua viagem precisam de várias coisas: registros médicos, dinheiro, coragem. Para fazer esta reportagem, antes de visitar o centro, eu recebi apenas uma condição: não revelar o endereço. Isso porque pessoas desesperadas às vezes aparecem nos escritórios do Dignitas sem avisar.

A equipe do Dignitas parece preocupada que os leitores do Financial Times possam aparecer em Zurique, exigindo sumir do mundo imediatamente. Para os profissionais que trabalham no centro, o ideal é que os interessados no atendimento de morte assistida façam contato por telefone – o que muita gente faz, especialmente depois dos fins de semana e feriados e, segundo me disseram, de luas cheias.

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Para muitas pessoas do Reino Unido e de outros países, Dignitas é sinônimo de morte assistida. Neste ano, o centro completa 25 anos desde que abriu suas portas na Suíça, sendo uma das poucas jurisdições em todo o mundo que permite que não residentes busquem ajuda para o suicídio. Nesta trajetória, o Dignitas já facilitou a morte de mais de 3.700 pessoas. Em média, a cada quinzena um britânico faz sua última viagem para o centro.

Ludwig Minelli
Ludwig A. Minelli, fundador do Dignitas. Keystone / Alessandro Della Bella

Mas o Dignitas não se mede apenas, nem principalmente, por essas mortes. Em sua essência, é um grupo que deseja o reconhecimento mundial do que seu fundador, Ludwig Minelli, descreveu anteriormente como “o último direito humano”. Neste quarto de século, a ideia se espalhou: a morte assistida agora é legal em 10 países, assim como em vários estados dos EUA. O presidente francês, Emmanuel Macron, prometeu apresentar um projeto de lei sobre o assunto até o outono. O Reino Unido ficou para trás, embora três quartos da população apoiasse uma legislação sobre a prática – agora as autoridades da Escócia e de Jersey prometeram mudanças.

Minelli, fundador do Dignitas, porém, é mais controverso do que sua causa. Ele chama a morte assistida de “uma possibilidade maravilhosa”. Ele diz que essa modalidade de morte deveria estar disponível para quase todos, assim como a eutanásia, onde um médico administra o veneno. Cinco anos atrás, ele foi processado por forçar demais as leis liberais de suicídio da Suíça. Ele foi absolvido, mas os ativistas estrangeiros costumam manter distância, enfatizando que buscam uma provisão muito mais restrita.

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Há também uma ironia. Ao contrário daqueles que ajuda, Minelli segue em frente. Ele tem 90 anos. Quando entrei nos escritórios indefinidos da Dignitas nos arredores de Zurique, ele caminhou ao meu encontro – uma gravata laranja e azul em volta do pescoço, uma barba por fazer em volta do queixo. Ele exibia uma postura focada, alegre, ativa. “Três vezes por semana, tenho duas horas de ginástica!” me disse, mostrando alegremente que ainda consegue tocar cada cotovelo no joelho oposto. “Estou trabalhando o dia todo e metade da noite.” Logo percebi que estava de frente com um garoto-propaganda tanto para a morte precoce quanto para a vida longa.

O suicídio assistido é uma prática legal segundo o código penal da Suíça, que entrou em vigor em 1942. Na década de 1980 surgiram grupos para aconselhar as pessoas sobre as opções de fim de vida.

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É nesse contexto que o suíço, originalmente jornalista, se formou como advogado com quase 50 anos de idade e foi cativado pelo potencial da Convenção Europeia de Direitos Humanos. Minelli, advogando para um grupo, iniciou uma luta por poder e mudanças. Segundo conta, em um certo sábado foi frustrado em uma reunião interna e resolveu preparar a papelada para fundar uma organização dissidente chamada Dignitas no dia seguinte. “Na segunda-feira, já estávamos operando”

O que ele considera como uma boa morte? Ele cita sua avó paterna: “Ela estava em seu jardim, olhando suas flores, então caiu morta. Sem dor, sem medo, apenas a vida e depois a morte. Minha outra avó teve grandes dificuldades quando estava morrendo. Eu ouvi o que ela disse ao médico: ‘Você não poderia fazer alguma coisa para que passe mais rápido?’ O médico disse: ‘Ah, não, não temos permissão. Mas não farei algo que o torne mais longo.’” Dignitas é “a segunda melhor forma de morte. O jardim é o melhor!”, diz.

O modelo suíço permite que os médicos prescrevam medicamentos que acabem com a vida de um adulto com capacidade para tomar a decisão, desde que não ajam por motivos egoístas. Minelli iria muito mais longe. Ele permitiria que crianças de nove anos escolhessem a morte. Ele tem duas filhas – uma conselheira matrimonial e a outra é escritora – e quatro netos. “Eu sei que crianças muito doentes têm capacidade de decisão a partir dos nove ou 10 anos”. Ele também permitiria que as pessoas ordenassem sua morte com antecedência caso perdessem a capacidade de decisão: os com Alzheimer deveriam poder dizer: “se eu não puder mais conhecer minha esposa ou meus filhos, quero que o médico conceda-me a minha morte”.

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Em tal mundo, quantas pessoas escolheriam uma morte assistida? 5%? “Menos do que isso”, diz. A análise da Dignitas mostra que menos de 2% das mortes são assistidas. Na Holanda, que tem leis mais liberais, o número gira em torno de 4%.

A mudança em alguns países foi conquistada nos tribunais, com juízes determinando que a proibição da morte assistida viola os direitos humanos. “A situação na Alemanha agora é ainda melhor [do que na Suíça], porque na Alemanha você também pode agir por motivos egoístas!” ri Minelli, seu senso de humor beirando o macabro não pela única vez. “Esta não é a nossa ideia”, acrescenta apressadamente.

No Reino Unido, os juízes determinaram que o parlamento deve decidir, enquanto o governo se recusou a dar tempo parlamentar à questão. Desde uma decisão de 2009 do então diretor do Ministério Público, Keir Starmer, é improvável que as pessoas que acompanham seus entes queridos doentes sejam processadas. Mas alguns ainda enfrentam investigação policial.

Os críticos dizem que pessoas vulneráveis podem ser pressionadas a escolher o suicídio e que a legalização da morte assistida remove o incentivo para melhores cuidados paliativos. “Bobagem”, diz Minelli. “Muitas pessoas optam pela morte assistida após um longo período de cuidados paliativos”. No Oregon, que restringe as mortes assistidas àqueles diagnosticados com menos de seis meses de vida, 89% dos pacientes citaram a qualidade de vida como uma preocupação, enquanto apenas 6% mencionaram o custo da continuação do tratamento. Os pacientes da Dignitas tendem a ser bem educados, acostumados a uma vida independente, diz.

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Um estudo de 2008 descobriu que uma minoria significativa daqueles que escolheram o suicídio assistido não eram doentes terminais e podiam estar simplesmente cansados da vida. Isso não incomoda Minelli. “Respeito a liberdade deles e respeito que tenham outras ideias diferentes das minhas.”

Ele é movido por uma “indignação” com as restrições ao suicídio, de origem religiosa, que prolongam o sofrimento e tornam as pessoas “neuróticas” e não “felizes”. Para ele, a morte assistida é o corolário lógico dos avanços médicos que permitem manter as pessoas vivas. “Devemos ter a liberdade de escolher no final da vida como queremos morrer – onde, com quem.”

Os eleitores concordaram. Em 2011, 78% dos eleitores de Zurique se opuseram à proibição do suicídio assistido para estrangeiros. No ano passado, 76% dos eleitores do cantão de Valais votaram para permitir o suicídio assistido em hospitais e casas de repouso.

Minelli é menos popular, mas afirma não se importar. O processo judicial de 2018 contra ele foi aberto para investigar a acusação de que ele teria ajudado a planejar a morte de uma mulher que estava propondo deixar Dignitas CHF 100.000 (US$ 112.000) em seu testamento, agindo em benefício próprio. Três médicos se recusaram a ajudá-la a morrer, mas Dignitas encontrou um quarto que aceitou. Questionável, mas legal. “Eu conheço os limites”, diz Minelli.

Mas ele respeita os limites? Uma década atrás, Minelli foi acusado de carregar seu carro cheio de urnas com cinzas de membros da Dignitas e despejá-las sem cerimônia no Lago Zurique; e ele teria admitido isso. Nesse ponto da entrevista, o colega de Minelli, Silvan Luley, interveio: “Primeiro, ele não fez isso – não era ele.” A negação de Minelli, contudo, foi menos conclusiva. “Estávamos apenas seguindo seus desejos.” Então despejou as urnas?, perguntei. “Eu não respondo a essas perguntas”, ele riu.

Como pensar sobre a morte afetou a vida de Minelli? “A morte faz parte da vida e acho essencial que todos pensem que um dia vão morrer. E as pessoas precisam organizar seus negócios”, completa.

Ele quer viver até os 100? “Se permanecer na condição em que estou agora, gostaria de ter meus 100, meus 110. Estou trabalhando, estou interessado no que está acontecendo no mundo, estou interessado no que está acontecendo na Dignitas. Eu vejo todos os e-mails entrando e saindo. Ainda estou rindo sobre parlamentos fazendo leis [limitando a morte assistida para aqueles cuja expectativa de vida é] apenas seis meses: que estupidez. Eu conheço meu Mark Twain: os prognósticos são difíceis, especialmente sobre o futuro.”

Pergunto se ele já teve um momento em que quis morrer. “Não, nunca.” Ele gostaria de morrer como sua avó, desmaiando no jardim. E se ele teve todas as conversas que deseja? “Estou preparado, sei que todos os dias posso morrer.” Mas quando o pressionei insistindo na pergunta, sua resposta ilustrou uma visão totalmente prática. Ele me disse que na noite anterior, depois da meia-noite, ele verificou seus extratos bancários e atualizou seus registros. No dia seguinte, sua filha mais nova deveria passar o dia inteiro lidando com o computador e a contabilidade.

No dia em que nos encontramos, um homem que o contatou pela primeira vez em 2011 iria morrer no Dignitas. A organização, com seus cerca de 30 funcionários de meio período, sobreviverá a Minelli. Quase 12.000 pessoas integram o grupo de membros, que pagam uma taxa única de adesão de cerca de CHF 220 e uma assinatura anual de pelo menos CHF 80, embora a maioria provavelmente nunca aceite essa opção.

Minelli é uma pessoa jovial para conversar, mas não emocional. “Se eu tivesse minha vida mais uma vez–” ele começou, em certo momento. Eu prendi a respiração esperando, finalmente, um momento de vulnerabilidade. “Eu tentaria comprar uma casa mais cedo. Aluguei uma por muitos anos.”

Depois de duas horas, seus aparelhos auditivos começaram a falhar e ele achou mais fácil falar em alemão. Mas sua determinação permaneceu inabalável. “Estou convencido de que em toda a Europa, mesmo além, a maioria das pessoas está pronta e deseja – morte assistida e eutanásia. . . Ontem eu soube que a [Suprema] Corte da Índia disse que existe o direito de morrer!”

Deixei Zurique, depois de entender que fazer mudanças nem sempre é um concurso de popularidade. Em um mundo cinza, Minelli sabe o valor de encontrar algo que você vê como preto e branco – e se apegar a isso para salvar sua vida.

Este artigo foi alterado desde a primeira publicação, incluindo o esclarecimento do status legal do suicídio assistido na Suíça.

Copyright The Financial Times Limited 2023
(Adaptação: Clarissa Levy)

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