Diferenças entre homens e mulheres também existem na saúde
Um estudo recém-publicado mostra como as desigualdades entre mulheres e homens afetam sua saúde. Compreender a influência do gênero pode melhorar a qualidade do atendimento, argumentam os autores.
A perspectiva de vida das mulheres vítimas de infarto é menor do que a dos homens. Os homens cometem suicídio com mais frequência quando sofrem de depressão. São apenas alguns exemplos que mostram que mulheres e homens podem enfrentar diferentes realidades ao lidar com a sua saúde.
Se essa realidade já foi constatada há várias décadas, a medicina só recentemente começou a explorar a importância das diferenças de gênero, ou seja, a totalidade dos comportamentos sociais que vão além das diferenças biológicas relacionadas ao sexo. A ideia é que as disparidades observadas muitas vezes derivam de uma combinação de fatores.
As doenças cardiovasculares estão são bem documentadasLink externo. Consideradas pela maioria como patologias tipicamente masculinas, elas têm sido estudadas principalmente nos homens. Entretanto, os sintomas “típicos” resultantes dessas observações são menos observados nas mulheres.
Vários estereótipos adotados por médicos também podem influenciar o diagnóstico. Estes tendem e recomendar menos as mulheres a procurarem especialistas ou passarem por testes físicos. “Dores no tórax são mais facilmente interpretadas como outro problema, por exemplo ansiedade”, afirma Carole ClairLink externo, professora e médica do Centro Universitário de Medicina Geral e Saúde Pública (Unisanté) em Lausanne e diretora da Unidade de Medicina e GêneroLink externo.
No caso da depressão, mais difundida entre as mulheres, se observa um fenômeno inverso na questão das diferenças de gênero: os médicos tendem a não a identificar nos homens. Todos estes fatores podem levar a uma detecção tardia ou a um diagnóstico incorreto.
Vida mais longa e menor qualidade de vida
Joëlle SchwarzLink externo, doutora em epidemiologia, socióloga e chefe da Unidade Medicina e Gênero, trabalharam juntamente com especialistas do Departamento Federal das Estatísticas (BfS, na sigla em alemão) para produzir um estudo sobre o tema, publicadoLink externo em dezembro de 2020.
Segundo o estudo, as mulheres na Suíça vivem em média quatro anos a mais do que os homens. Porém seus indicadores gerais de saúde são pioresLink externo.
Mais mulheres vivem com uma doença crônica do que homens. Elas também afirmam ter mais problemas de saúde a longo prazo, fraqueza, insônia ou sofrem de angústia psicológica, do que seus pares masculinos.
A diferença na expectativa de vida entre homens e mulheres no país tende a diminuir. O fenômeno, observado em muitos países, é resultado de uma convergência dos estilos de vida “masculino” e “feminino”.
Desigualdades frente à dor
O estudo também mostra que as mulheres costumam relatar mais problemas de dores crônicas e são maiores usuárias de analgésicos. AnálisesLink externo realizadas nos países da União Europeia (UE) apontam a mesma direção.
Biologicamente, alguns analgésicos podem ser menos eficazes com as mulheres. Além do fato de os testes clínicos serem realizados em grande parte com voluntários masculinos, foi recentemente demonstrado que diferentes circuitos nos homens e mulheres podem ser ativados para produzir e controlar a dor
A hipótese do fator social também foi apresentada. “As mulheres aprenderam a expressar sua dor mais facilmente do que os homens, facilitando o trabalho dos médicos em consultas para tratar a dor”, observa o estudo. Porém as mulheres tendem a receber doses mais baixas de analgésicos do que os homens, ou até de medicação contra ansiedade.
Uma última possibilidade poderia estar ligada às desigualdades de gênero na sociedade: as mulheres sofrem mais estresse psicossocial e dor crônica devido a sua situação financeira, em grande parte, pior do que seus pares masculinos.
Outros determinantes
O gênero é um determinante social entre outros, tais como etnia, a situação socioeconômica ou nível de educação”, explica a socióloga Joëlle Schwarz.
Ser ativo ou não parece também ter influência na saúde. Os homens costumam sofrer mais quando estão desempregados. O estudo observa que a dor – ou certas enfermidades físicas – podem atingir o mesmo nível entre homens inativos ou desempregados que entre as mulheres.
“O fenômeno poderia ser explicado pelo aumento da pressão social relacionada ao papel masculino de gerador de renda, pois os homens se definem muito mais pelo seu trabalho do que as mulheres”, diz o estudo.
Questão do peso
O peso físico também explica algumas disparidades do quadro de saúde de homens e mulheres. Na Suíça, como na União EuropeiaLink externo, mais homens do que mulheres têm problemas de excesso de peso. Ou são obesos. O peso pode estar relacionado a predisposições genéticas, mas também como resultado da falta de atividade física, problemas de dieta e de comportamento social.
As mulheres geralmente prestam mais atenção ao que comemLink externo. Também estão geralmente mais insatisfeitas com seu peso do que os homens. A discrepância poderia ser interpretada como resultado da pressão social, observa Joëlle Schwarz.
«Por um lado, poderíamos dizer que essa pressão ajuda a combatê-las a obesidade. Porém também provoca efeitos nocivos em termos de mal-estar (…) e, no extremo, problemas de desordem alimentar, muito mais comuns entre as mulheres do que homens”, analisa a especialista.
Melhor atendimento
O problema está longe de se limitar aos indicadores apresentados no estudo. “Se você analisar os dados, verá diferenças em todos os lugares”, diz Carole Clair.
Ao avaliar com profundidade os dados recolhidos na análise das diferenças de gênero levou à descoberta que algumas quimioterapias causavam mais efeitos colaterais nas mulheres – ou que elas tinham um risco maior de rejeição em transplantes renais. Além disso, as duas especialistas descobriram até que existem diferenças entre homens e mulheres ao tratar do próprio corpo. “As mulheres doam muito mais órgãos, mas os recebem com menos frequência”.
A osteoporose, uma doença que afeta principalmente as mulheres, é uma das poucas áreas onde a pesquisa tem incluído principalmente as mulheres e onde o prognóstico é pior para os homens, acrescenta a médica.
Carole Clair e Joëlle Schwarz trabalham desde março de 2020 no desenvolvimento de um índice para medir as diferenças de gênero e suas consequênciasLink externo. O objetivo: “Compreender melhor o fenômeno e poder corrigir as desigualdades para, finalmente, melhorar o atendimento ao paciente”.
Adaptação: Alexander Thoele
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