Dilema em torno da ajuda ao suicídio na Suíça
Após a absolvição de uma médica acusada de eutanásia, a Suíça relança o debate sobre o suicídio assistido no país.
A nova ministra da Justiça, Simonetta Sommaruga, decidiu retomar a questão antes das votações cantonais que serão realizadas em breve.
Em dezembro de 2010, uma médica do cantão de Neuchatel (oeste) foi absolvida das acusações de eutanásia ativa por ter ajudado a morrer uma paciente de 40 anos, que sofria de uma doença incurável.
O Tribunal da cidadezinha de Boudry, no cantão de Neuchatel, julgou que a médica não podia ser culpada de “assassinato a pedido da vítima”, conforme determina o artigo 114 do Código Penal, nem de assistência ao suicídio com motivo egoísta (Artigo 115). Segundo o Tribunal, o desejo muito claro da paciente não deixou outra alternativa à médica senão a de agir como o fez, por compaixão.
O veredito, que ainda não é definitivo, provocou muitas reações, na maioria positivas. A Conferência dos Bispos da Suíça (CES, na sigla em francês), que manifestou sua inquietude, é uma das exceções.
“Convencidos de que não há situações da vida humana que, por definição, seria indigna de ser vivida”, a CES “rejeita categoricamente a ideia de que haveria, em determinadas circunstâncias, a necessidade de ajudar a morrer, e mais ainda a ideia de que isso seria uma tarefa para os médicos”.
Intervenções parlamentares
O veredito também teve consequências políticas. Dois senadores entregaram propostas complementares ao Conselho Federal (governo).
Assim, o senador Didier Berberat, do cantão de Neuchatel, pede que o governo suíço “considere, em um estudo, as diferentes possibilidades de encontrar soluções aos problemas criados pela aplicação do artigo 114 do Código Penal”.
“Meu objetivo não é autorizar a eutanásia ativa direta”, explica o autor do texto. “Este também é um caso relativamente raro. Não se trata, de modo algum, de uma eutanásia de conforto ou de deixar um médico agir quando alguém está com o coração partido…”
Condições rigorosas
Didier Berberat enumera as restrições possíveis, que já são mencionadas nas orientações para as comissões de ética: a pessoa disposta a morrer deve estar sofrendo de uma doença incurável, em fase terminal, com dores insuportáveis e ser capaz de discernimento.
Essas condições já são consideradas como motivos que justifiquem o recurso ao suicídio assistido, de acordo com pesquisas de opinião realizadas na Suíça. “Ao longo dos anos, a proporção de pessoas favoráveis quase não muda: 3 contra 1, os suíços são a favor da ajuda ao suicídio”, lembra o doutor Jean Martin, médico e membro da Comissão Nacional de Ética no campo da medicina humana (CNE).
O dossiê em novas mãos
A ex-ministra da Justiça, Eveline Widmer-Schlumpf, atual ministra das Finanças, quiz, no entanto, acertar a situação propondo duas opções – a proibição das organizações de assistência ao suicídio ou um controle rigoroso da eutanásia. A questão está agora nas mãos da nova ministra da Justiça, Simonetta Sommaruga.
Segundo o porta-voz da Secretaria Federal de Justiça, Folco Galli, ainda é cedo para comentar as futuras mudanças na questão do suicídio assistido. “O trabalho é contínuo”, diz.
Em outra proposta, o senador Luc Recordon também quer maior controle das organizações e exige soluções impedindo que a ajuda ao suicídio se torne uma atividade comercial.
Não fechar a porta aos estrangeiros
Mas o senador também causou espanto propondo a abertura do suicídio assistido aos estrangeiros, como já é praticado pela organização Dignitas, em Zurique, amplamente criticada. “Quando o aborto era proibido na Suíça, nós estávamos bem contentes de poder praticá-lo no estrangeiro”, lembra Luc Recordon.
Se ele acredita que o suicídio assistido é abordado “geralmente de forma adequada”, o senador do cantão de Vaud, acha, porém, que seria mais sensato “implementar a necessária ausência de motivos egoístas, da forma que é formulada pelo artigo 115”. Para muitos magistrados do Ministério Público suíço, este artigo não é preciso o suficiente para prevenir abusos.
Jean Martin, coautor da obra “Não há morte natural”, uma atualização sobre o assunto, não é a priori contra um melhor controle da movimentação financeira relacionada à eutanásia. ” Por exemplo, as doações de pessoas que utilizam esse tipo de serviço devem ser proibidas”, disse.
“Mas isso também não deve representar um aumento excessivo de controles minuciosos e burocráticos que impedem os cidadãos de exercerem seu direito de determinar sua morte. Não se deve diluir as responsabilidades, que no caso recaem sobre o paciente e seu médico e não a um juiz ou qualquer comissão!”.
Em 06 de dezembro de 2010, o Tribunal Correcional de Boudry absolveu uma médica por ter prestado auxílio ao suicídio de uma paciente. A doutora foi acusada de ato fatal feito contra uma pessoa com esclerose lateral amiotrófica, uma doença incurável, que implorava a morte.
O tribunal declarou a prevenção de homicídio, na acepção do artigo 111 do Código Penal. Mas, como não havia dúvida possível sobre o consentimento da paciente, o tribunal admitiu a legalidade do gesto cometido pela acusada.
Segundo a sentença, o Tribunal Federal (TF, suprema corte da Suíça) já havia reconhecido no passado o caráter justificável de um homicídio se ele responde à necessidade de acabar com um martírio.
No caso analisado pelo tribunal, a paciente estava paralisada a ponto de ser incapaz de cometer sozinha o ato.
A ministra da Justiça da Suíça, Simonetta Sommaruga, deverá apresentar, em breve, um projeto de regulamentação das atividades das organizações que prestam assistência ao suicídio.
O Parlamento suíço debaterá também várias intervenções. O cantão da Basileia apresentou uma iniciativa cantonal propondo um controle melhor dessas organizações.
Os senadores Didier Berberat e Luc Recordon entregaram duas propostas na sessão parlamentar de dezembro do ano passado. A primeira exige um estudo sobre a possibilidade da eutanásia ativa e a segunda o controle, pelo menos financeiro, das organizações de assistência ao suicídio.
A população do cantão de Zurique irá votar dia 15 de maio duas iniciativas populares destinadas a restringir ou proibir o suicídio assistido.
No cantão de Vaud, os cidadãos irão decidir sobre uma iniciativa a favor da ação das organizações de ajuda ao suicídio em asilos e sobre um contra-projeto do executivo cantonal. A data do referendo ainda não foi decidida.
Adaptação: Fernando Hirschy
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