“Dream” como sonhar
Para quem visita Moçambique e acha que os problemas na área de saúde são quase insolúveis, descobre que são exatamente as pequenas iniciativas, localizadas no seu raio de ação e efetiva pela concentração dos recursos em questões específicas, que dão a direção. Ao lado do Hospital Geral da Machava, um subúrbio distante nove quilômetros do centro de Maputo, encontra-se uma casa discreta, onde há diariamente um grande movimento de pessoas a partir das sete horas da manhã.
“A maioria das pessoas vem aqui mesmo de Maputo, mas temos alguns clientes que saem das províncias vizinhas como Gaza e até Inhambane para ser atendidos por nós”, explica Neusa Tembe, coordenadora do centro “Dream”. A abreviatura de “Drug Resources Enhancement against AIDS and MalnutritionLink externo” (Reforço através de Medicamentos contra AIDS e Má-nutrição), programa criado pela Comunidade de Santo Egídio, uma organização da Igreja católica para combater a SIDA na África subsaariana e atuante em Moçambique desde 2002. Ele é financiado por doadores internacionais, dos quais fazem parte também a Suíça.
Machava é um dos 11 centros Dream em funcionamento no país. O público-alvo é qualquer pessoa que queira fazer o teste de HIV e aquelas que já são portadores do vírus e necessitam de tratamento. “Muitos já sabem reconhecer através das campanhas os sintomas da doença e vem para tirar a dúvida”, diz Neusa, formada há pouco mais de um ano como técnica de enfermagem. A grande maioria dos pacientes são mulheres que descobriram durante uma gravidez que são soropositivas, já que os testes são obrigatórios nesse caso no país. O centro acompanha também muitas crianças soropositivas desde o nascimento. “Porém quando as mulheres chegam a tempo, nós conseguimos fazer o tratamento para impedir a contaminação. Pelos menos na Machava não tivemos até hoje um caso”, conta orgulhosa.
Desde 2002, os centros Dream já atenderam mais de 30 mil pacientes, dos quais 11 mil são crianças, que nasceram soronegativas, apesar de as mães serem portadoras do HIV/Sida. Uma delas é Adélia Muiambo, 37 anos. “Venho desde 2003. Eu estava com tosse e cuspia sangue. O médico me mandou para cá. Quando soube que era soropositiva, comecei a tomar os remédios”, conta a mãe divorciada. Seu marido abandonou-a ao saber do diagnóstico, mas se recusou a fazer os testes. “Muitos homens acham que se a mulher for soronegativa, eles também não estão com o HIV. Porém na nossa cultura a promiscuidade é muito comum. Se o homem estiver doente, ele vai contaminar muitas pessoas”, diz Neusa, ao escutar o caso de Adélia.
O tratamento é gratuito. Em uma sociedade onde o preconceito contra soropositivos ainda é muito forte, a discrição é um ponto forte. “Muitos vem de longe para não serem reconhecidos pelos seus vizinhos. Porém já tivemos o caso como o de uma criança que brincava com os frascos vazios dos antirretrovirais e depois as pessoas do bairro passavam a evitar a lojinha da família”, lembra-se a coordenadora do centro. E para as crianças soropositivas, a regra é o silêncio. “Os pais dizem a elas que se trata se um segredo de família. Nessas horas a solidariedade africana não funciona”, lamenta Neusa.
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Santos Tembe, soropositivo e voluntário do Dream, explica como aconselha os doentes
Obviamente projetos como Dream são apenas uma gota de água em um país com aproximadamente 2,4 milhões de habitantes infectados com o HIV. Porém os números do centro mostram que custam apenas 500 euros para fazer nascer sã uma criança de uma mãe soropositiva. Além disso, o projeto envolve também um grande número de voluntários que trabalham diariamente em um das 11 unidades para ajudar no aconselhamento e até acompanhamento nas residências dos soropositivos. “Quando nosso sistema indica que alguém não está mais tomando os medicamentos antirretrovirais ou não vem mais nas nossas consultas, elas vão visitá-los diretamente. E para os que alegam não estarem se sentindo bem por falta de comida, temos também cestas básicas”, ressalta Neusa.
Se os ODMsLink externo estão longe de serem alcançados, mudanças em pequena escala fazem efeito. Santos Tembe, 51 anos, é um dos voluntários do Dream no centro em Machava. Casado, três filhos e três netas, o moçambicano descobriu ser soropositivo em 2000. Quando sua esposa fez o teste, descobriu que estava infectada também. A família viveu o ostracismo. Santos perdeu o emprego e hoje vive com um pequeno salário de pouco mais de cem dólares pago pelo trabalho de voluntário. Apesar de não ter mais forças para visitar outros doentes, ele comparece todos os dias e senta-se a uma mesa no jardim frente à varanda de espera e aconselha as pessoas. “Quando descobrimos que ela é soropositiva, explico que se trata de uma doença sem cura, mas que é possível viver com ela”, diz. Se antes algumas choravam ou pensavam até em se matar, hoje voluntários como Santos ensinam o caminho para o tratamento. Mas questionado se ainda tem um sonho de vida, sua resposta se assemelha a de muitos outros. “Meu sonho é que se encontre um dia uma cura para a AIDS.”
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