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“O consulado podia ter um papel mais importante se houvesse trocas”

Vista do Consulado Suíço para a Praia
Vista do Consulado Suíço na Cidade da Praia, a capital de Cabo Verde, onde vivem aproximadamente 130 mil pessoas. swissinfo.ch

O que faz um cônsul honorário tantos quilômetros distantes da pátria? Paulo Lima exerceu esse cargo para a Suíça em Cabo Verde por oito anos. Entrevistado pela swissinfo.ch em Praia, a capital, ele fala sobre os turistas sem documentos que ajudou, e a esperança de ver as relações econômicas entre os dois países melhorarem.

swissinfo.ch: Como surgiu a possibilidade de ser cônsul honorário da Suíça em Cabo Verde? Tem ligações próximas com o país?

Paulo Lima: O antigo cônsul foi exercer funções no governo e um dos nomes que ele indicou foi o meu. Por acaso, havíamos estudado juntos na França. Ele indicou o meu nome e, depois das entrevistas com as autoridades suíças, acabaram por me escolher. Na época eu era presidente da Câmara de Comércio de Sotavento, das ilhas do sul, e também presidente de uma farmacêutica. O meu perfil, conjugado com as entrevistas, conduziu a que escolhessem o meu nome para ser cônsul aqui na Praia.

swissinfo.ch: Foi cônsul durante quanto tempo?

P.L.: Comecei o meu mandato em 2009 e terminei em maio de 2017. As autoridades suíças pediram que eu renovasse, mas como assumi novas funções profissionais que me impedem de poder continuar a prestar esse serviço à Suíça, porque tenho o tempo completamente preenchido, pedi escusa. Neste momento estou a aguardar essa substituição. Também devido à mudança de embaixadora em Dakar, vai entrar uma nova aqui agora que ainda não apresentou suas credenciais em Cabo Verde. Só depois desse processo é que se vai avançar para a substituição.

swissinfo.ch: Tinha tido alguma experiência consular anterior?

P.L.: Não, foi a primeira vez.

swissinfo.ch: Como é que descreve essa experiência? Que tipo de funções desempenha o cônsul?

P.L.: O nosso consulado é um pouco particular. A função do cônsul suíço é trabalhar no sentido de aproximar os dois países e dar apoio aos cidadãos suíços em Cabo Verde. Para além dessas questões, uma grande parte daquilo que nós fazemos é tentar ajudar as pessoas a constituírem os seus processos de vistos, de identificação civil, ou questões referentes à morte e substituição de documentos. Enfim, toda essa parte de identificação civil, que apoiamos, mas tudo é feito em Dakar. Nós damos algum apoio porque temos muitos cidadãos com dupla nacionalidade, que residem lá ou cá, e que têm familiares, e há uma troca intensa de documentação. Isso é, de fato, aquilo que ocupa mais o cônsul honorário, por isso necessito de alguém para me apoiar exclusivamente nessas questões. Depois tem todo o apoio aos suíços que perdem os documentos ou são roubados, e emitir um laissez-passez ou qualquer outro documento que lhes permita voltar à Suíça.

swissinfo.ch: Na cooperação econômica, sente que o fato de haver consulado na Cidade da Praia facilita a relação entre os dois países?

P.L.: O consulado podia ter um papel mais importante se houvesse trocas. Incentivar trocas é mais complicado. Já houve duas ou três empresas que vieram visitar Cabo Verde e nós facilitamos os contatos com as autoridades, com as câmaras de comércio, com outros operadores, fazemos esse trabalho.

Outra relação em que pensei ajudar um bocadinho, mas também não se proporcionou, é a cooperação no ensino superior. Tentei que as universidades cabo-verdianas pudessem entrar em contacto com as universidades suíças para estabelecerem alguma ligação, mas não consegui. Há algumas bolsas que são oferecidas pela Suíça anualmente a diversos países e nós costumamos ajudar os candidatos a montarem os dossiês para concorrerem, mas ainda não há uma ligação entre as universidades porque trata-se de bolsas de doutorado que necessitam de um projeto e um orientador numa universidade suíça, e sem contatos fica muito mais complicado. Mas são áreas que eu acho que nos próximos tempos poderão se desenvolver mais, ao nível da educação, do ensino superior.

swissinfo.ch: Qual o papel que a Suíça está a ocupar aqui enquanto fornecedora de bens e serviços?

P.L.: As relações comerciais com a Suíça não são muito importantes. Há algumas empresas que têm uma presença através de suas filiais noutros países, como Portugal e Espanha, quer de farmacêuticos, quer dos laticínios, dos chocolates.

Consulado Suíça na cidade da Praia
A bandeira suíça tremulando ao lado do consulado honorário na cidade de Praia. swissinfo.ch

swissinfo.ch: Porque é que a Suíça não se posicionou de forma mais relevante enquanto fornecedora para Cabo Verde?

P.L.: Pelo que ouvi dizer dos países vizinhos, tive a oportunidade de participar de duas reuniões consulares, e a sensação que ficou é que o interesse da Suíça é nos países onde há matéria-prima, como cacau, por exemplo. Mas aqui em Cabo Verde os maiores investidores vêm de Portugal, ou espanhóis via Ilhas Canárias, mas não temos assim uma tradição de ter muitos investidores. Mas acho que haveria espaço aqui, até porque a minha sensação é que há muitos suíços que vêm a Cabo Verde a turismo, pelo menos um turismo diferente. Isso é só que tenho visto, é a minha sensação pessoal, não tenho números.

swissinfo.ch: Mas pensa que poderá haver uma estratégia dos dois países…

P.L.: Sim, julgo que seja uma coisa a se pensar, para as autoridades cabo-verdianas, também direcionar a promoção do país para a Suíça. Houve uma promoção de Cabo Verde nos países anglófonos. Penso que há aqui também um déficit de comunicação, para  direcionar a comunicação das oportunidades turísticas.

swissinfo.ch: Porque do ponto de vista alfandegário, há a isenção de taxas de todos os materiais para fins turísticos….

P.L.: A política de atração de investimento é o que se faz de melhor para atrair. As empresas têm todas as facilidades e consegue-se até negociar ainda mais benefícios fiscais para projetos de alguma dimensão.

swissinfo.ch: O governo suíço apoia, de alguma forma, Cabo Verde?

P.L.: Anualmente, há uma oferta do governo Suíço para o instituto que gere a ação social nas escolas de uma quantidade de leite para as crianças. É a única relação que eu conheço a nível da cooperação do estado suíço com Cabo Verde.

Cônsul Paulo Lima
Paulo Lima, na porta do Consulado da Suíça. swissinfo.ch

swissinfo.ch: Na sua opinião qual é a característica mais reconhecida pelo turista suíço?

P.L.: Por aquilo que eu conheci, é a cultura e a natureza. Não estou nas ilhas turísticas e não acompanho o fluxo, mas tenho cruzado muitas vezes com esse tipo de suíço que vai ao Fogo, vai a Santo Antão, para fazer caminhadas. Portanto, a questão cultural, de poder assistir a concertos em lugares pequenos, e essa possibilidade de estar na natureza, acho que pode ser uma das atrações, não só para os suíços, mas também para os franceses e alemães.

swissinfo.ch: Há uma certa noção de que os cabo-verdianos estão mais na parte francesa, confirma isso?

P.L.: Eu tinha essa sensação, mas já me cruzei aqui no consulado com muitos cabo-verdianos/suíços de outros cantões. É uma sensação que nós todos temos, que na zona francesa há mais, mas eu tenho me encontrado muitas vezes com pessoas que estão em Basileia ou Zurique, por exemplo.

swissinfo.ch: Tem noção em que áreas estão mais empregados?

P.L.: Construção civil é uma delas. Também ao nível das cantinas, em cozinhas.

swissinfo.ch: Locais a visitar na ilha de Santiago? E noutras ilhas?

P.L.: Na ilha de Santiago, o Tarrafal. A praia está sempre calma e há piscinas naturais perto. O vulcão do Fogo, que transmite uma sensação lunar. A ilha de Santo Antão, que é uma ilha medonha porque tem montanhas íngremes e parece que se está num labirinto, no fundo dos vales.

swissinfo.ch: Para terminar: que autor costuma acompanhá-lo com frequência e que gostaria de dar a conhecer?

P.L.: Em música, a Mayra Andrade, atualmente. Nos romances, Germano Almeida é um dos nossos escritores, traduzido em várias línguas, é um romancista interessante. Muitos escritores cabo-verdianos escreveram muito pouco, escreveram um ou dois livros. Mas o Germano tem produzido livros de qualidade.

Um país de ilhas

Cabo VerdeLink externo é um arquipélago localizado ao largo da costa da África Ocidental. As ilhas vulcânicas que o compõem são pequenas e montanhosas. Existe um vulcão ativo, na ilha do Fogo, que é igualmente o ponto mais elevado do arquipélago, com 2829 metros acima do nível do mar. O país é constituído por 10 ilhas, das quais 9 habitadas, e vários ilhéus desabitados.

Relações bilaterais entre Suíça e Cabo Verde

A Suíça reconheceuLink externo a República de Cabo Verde em 5 de julho de 1975, no dia da sua independência. Em 1980 os dois países passaram a ter relações diplomáticas.

Entre 1987 e 1991, Suíça e Cabo Verde assinaram um tratado de cooperação técnica, proteção de investimentos e tráfego aéreo. As relações econômicas mantiveram-se em baixo nível.

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