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“Há algo de suicida na atitude do presidente palestino”

Mahmoud Abbas termina em janeiro sua primeira presidência da Autoridade Palestina. Keystone

O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, sucessor de Yasser Arafat, afirma que não vai disputar um segundo mandato e diz que inclusive está disposto a renunciar.

Trata-se de um lance de pôquer frente ao marasmo político em que se encontram as negociações, julga Pascal de Crousaz, especialista do conflito israelo-palestino.

O ministro francês das Relações Exteriores disse que irá tentar dissuadir Mahmoud Abbas da decisão de não concorrer às eleições presidenciais, previstas para 24 de janeiro de 2010. Como a situação se degenerou a esse ponto?

swissinfo.ch: Por que Mahmoud Abbas anunciou na semana passada que renunciaria a disputar um novo mandato à frente da Autoridade Palestina?

Pascal de Crousaz: Ele não tem mais nada para propor e, sobretudo, não tem mais esperança a oferecer a seu povo. Ele passa a impressão de estar em um impasse.

Os palestinos veem os territórios no qual poderiam estabelecer um Estado encolher cada vez mais, à medida em que a colonização israelense avança. Eles compreenderam há bastante tempo que não há nada a esperar, além das belas declarações do governo Bush. E quando Obama foi eleito, com um programa para o Oriente Médio que parecia promissor, os palestinos voltaram a ter um pouco de esperança, a começar por Mahmoud Abbas.

Eles aguardavam esse plano de paz americano para a primavera, depois para junho, quando o presidente Obama se dirigiu aos muçulmanos no Cairo e depois ainda durante a Assembleia-Geral da ONU, mas nada aconteceu. Como se o presidente Obama, vendo as dificuldades internas com seu programa para a Saúde, quisesse evitar conflito com os defensores de Israel nos Estados Unidos.

Aconteceu também a mudança de posição da secretária de Estado, Hillary Clinton – mesmo se ela tentou depois relativizar – mas, de maneira geral, ela abandonou as exigências americanas de parar a colonização para retomar as negociações de paz. Os palestinos sentiram-se completamente abandonados. E Mahmoud Abbas ficou em uma situação insustentável frente a seu povo para negociar com um governo israelense que, de maneira evidente, apesar de um discurso que parece dar uma esperança de paz, não faz as concessões necessárias.

Além disso, Mahmoud Abbas foi levado a relativizar o relatório das Nações Unidas (Goldstone) sobre a guerra em Gaza. Ademais, todo o processo de paz parece bloqueado. Então ele usa a arma do fraco, deixando de ser o interlocutor moderado que a chancelarias ocidentais apreciam, mas que é incapaz de atender às expectativas mínimas de seu povo. Há algo de suicida na atitude de Mahmoud Abbas. É uma espécie de apelo ao socorro pelo abandono.

swissinfo.ch: Ou seja, o anúncio de Mahmoud Abbas não é uma jogada de pôquer?

P.d.C.: Talvez haja uma parte de jogada. Ele já fez isso e, no mundo árabe, é muito frequente líderes tentarem um lance de pôquer, ameaçando renunciar. Gamal Abdel Nasser (Egito), por exemplo, durante a guerra dos seis dias. Mas também é possível que ela se sinta cansado diante de um processo de paz que aparentemente não leva a nada.

A curto prazo, o tempo é favorável a Israel através da colonização e da construção do muro, sem que os palestinos tenham meio de mudar as coisas. A longo prazo, no entanto, a demografia é favorável aos palestinos.

Entre os próximos de Mahmoud Abbas, alguns dizem que frente aos israelenses totalmente refratários às concessões necessárias para a solução de dois Estados defendida pela comunidade internacional, só resta abandonar. Ficar dentro do “Grande” Israel, exigir a igualdade e o direito de voto. Por trás dessa ideia há a esperança de que o peso dos palestinos vai aumentar. E que, se o direito de voto para os palestinos é instaurado rapidamente, o Estado israelense deixará de ser judeu. Em caso de recusa do ocupante, os palestinos poderiam então “desmascarar” Israel e acusar o país de praticar o apartheid.

swissinfo.ch: Que consequência teria a saída Abbas sobre o que resta do processo de paz?

P.d.C.: Ou ele ganhaa sua aposta e a comunidade internacional decide avançar, ou seja, impulsiona as ideias que existem há anos com a criação de dois Estados nas fronteiras de 1967. As soluções existem desde a Iniciativa de Genebra, desde o plano Clinton. Elas poderiam ser atualizadas pela administração Obama e ser apresentadas como a única solução viável para a comunidade internacional.

Haveria o apoio imediato da União Europeia, da Rússia, do Conselho de Segurança da ONU e, muito provavelmente, da Liga Árabe. Para isso, a administração Obama deve aceitar correr um risco político. Mahmoud Abbas é a favor. Agora, se ele não conseguir isso e realmente partir, teremos um pouco mais de caos e de impasse nos territórios palestinos.

swissinfo.ch: Isso seria o fim da Autoridade Palestina ou outros líderes surgiriam?

P.d.C.: Existem líderes como Mohamed Darlan ou Jibril Rajoub, que têm boas relações com os países ocidentais e, às vezes, até com Israel. Essas pessoas estariam sem dúvida interessadas em exercer o poder e a ocupar o lugar de Mahmoud Abbas. Fala-se também de Marwan Barghouti, preso em Israel. E é claro que também tem o Hamas.

Nessa situação, o Hamas pode afirmar que sua tese era correta. Ele sempre disse que negociar com Israel não leva a lugar nenhum. Quando Mahmoud Abbas anunciou que saía, quando ele diz, como outro dia em Hebron, que não sabe o que vale Israel, indiretamente ele afirma que a negociação com Israel não leva a lugar algum. É o triunfo das teses do Hamas.

Pierre-François Besson, swissinfo.ch
(Adaptação: Claudinê Gonçalves)

Também conhecido com o nome de Abou Mazen, nasceu em 1935 na Galileia, na época sob mandato britânico.

Estudou direito e história no Egito e em Moscou.

É um dos membros fundadores do Fatah (1959), com Yasser Arafat, do qual foi um dos próximos.

Abbas é um dos arquitetos dos acordos de paz de Oslo em 1993.

Depois da morte de Yasser Arafat, em 2004, ele assumiu a liderança da OLO e depois venceu as eleições para a presidência da Autoridade Palestina
no início de 2005.

Nas terras conquistadas por Israel na guerra de 1967, o Estado hebreu reconhece cerca de 120 colônias. Acrescenta-se pontos de colonização considerados ilegais.

Cerca de 300 mil colonos está estabelecidos na Cisjordânia, segundo Israel, e cerca de 200 mil em Jerusalém Leste.

Segundo a organização israelense A Paz Agora, a construção de novas residências aumentou 57% no ano passado. E a taxa de crescimento demográfico nas colônias é de 5%, em média.

Em setembro, o governo Netanyahu autorizou a construção de 455 novas casas na Cisjordânia, além das 2.500 anteriormente autorizadas.

Formado em história na Escola de Altos Estudos Internacionais da Universidade de Genera, com uma tese sobre os acordos de Oslo entre israelenses e palestinos.

Formado em Ciências Políticas pela Universidade de Lausanne.

Estudou história do Oriente Médio na Universidade de Haifa, em Israel. Fala árabe e hebreu.

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