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Deixar de ser máquina, aprender a ser gente

Sabina Petrilli
Sabina Petrilli na recepção da sua pousada. swissinfo.ch

Sabina Petrilli nasceu em Chur, mudou-se para Zurique com 21 anos e, em 2013, deixou a Confederação Helvética para refazer sua vida no Tarrafal, em Cabo Verde. A swissinfo.ch encontrou-se com ela no seu local de trabalho, a Casa Strela.

Em Chur, Sabina fez os seus estudos regulares e trabalhou em serviços diversos. Com um diploma de formação para adultos, Sabina decidiu mudar-se para Zurique e colaborar com uma empresa de cosméticos onde tinha a seu cargo a formação dos vendedores e clientes. Nessas ações de formação, explicava as características dos produtos e modos de aplicação. No seu trabalho, precisava ir a diversas feiras do ramo e eventos de empresas. “Eu viajava muito na Suíça pois tínhamos clientes e eventos em vários lugares. Essa era a melhor parte do trabalho”.

Contando 4 anos nessa atividade e após umas férias em Cabo Verde, Sabina Petrilli decidiu mudar de vida. “Estivemos duas semanas de férias e gostei mesmo do lugar porque era tão diferente, e descobri que havia outra forma de viver. Percebi que na Suíça eu era apenas parte de uma máquina, e nessas férias concluí que tinha de mudar algo na minha vida”.

Sabina reservou três meses no alojamento em que tinha estado em sua primeira visita, mas acabou ficando seis meses, principalmente no Tarrafal. Durante esse tempo foi conhecendo pessoas e decidiu que era o momento certo para a mudança.

Tarrafal: a terra adotada

Antes de ir de férias a Cabo Verde, ela nunca tinha conhecido nenhum cabo-verdiano nem sabia onde era Cabo Verde. “Eu acho que foi por isso que quis me mudar para cá”. Uma das suas amigas conhecia o proprietário da pousada onde ficaram hospedadas e isso foi uma ponte de ligação. Agora, ela trabalha para a Casa StrelaLink externo, propriedade de um suíço que vive também no Tarrafal. 

Inicialmente custou-lhe adaptar-se ao ritmo cabo-verdiano. “Tudo era calmo e nada organizado. Para quem vem da Suíça, onde tudo é organizado e rápido, estranha-se, mas agora estou praticamente habituada”.

A Casa Strela acabou por ser determinante na sua vida em Cabo Verde: foi lá que se hospedou, onde conheceu o seu marido, e onde trabalha. Quando comunicou à família e amigos na Suíça que queria se mudar, todos acharam que ela estava louca mas deram-lhe todo o apoio. Agora, todos lucram com a sua mudança. “Às vezes eu não sei bem como gerir porque tem gente vindo o tempo todo e eu não posso tirar férias todos os meses”, diz.

O papel da mulher

Sabina Petrilli não hesita em dizer-nos que o fato de ser mulher e europeia não facilitou sua adaptação ao país, nem com os processos de legalização. Contudo, ressalva igualmente que o seu companheiro a ajudou nesses processos burocráticos. Do ponto de vista do papel social da mulher, Sabina admite que, no início, sentiu algumas dificuldades de integração porque era sempre vista como a branca que tem dinheiro.

De uma forma geral, o papel da mulher na sociedade cabo-verdiana é determinante para o equilíbrio social. Infelizmente, ainda são necessários muitos passos para que haja uma maior igualdade entre homens e mulheres. Na opinião de Sabina, a mulher trabalhadora cabo-verdiana é o elo mais forte daquela sociedade, pois são elas que “fazem os trabalhos mais duros, educam as crianças, cozinham”.

Contudo, sendo o Tarrafal uma zona tendencialmente rural, notam-se diferenças para a Cidade da Praia, onde alguns casais já têm estilos de vida associados à Europa. “Trabalham durante a semana e no fim de semana vão ao Tarrafal descansar. Assim, é mais o estilo de vida da cidade que eu conheço”, ao contrário dos pescadores ou agricultores no Tarrafal que não têm dinheiro para gastar em lazer.

As rotinas e os novos hábitos

Na Casa Strela, Sabina desempenha funções administrativas, responde a pedidos de reservas e dúvidas dos hóspedes, e também trata da contabilidade da empresa, o que lhe permite realizar o seu trabalho a partir de casa. No entanto, faz o serviço de recepção na pousada dois dias por semana.

O ritmo semanal que Sabina encontrou em Cabo Verde é bastante diferente daquele que tinha na Suíça, onde o fim-de-semana estava habitualmente reservado para programas especiais entre amigos, ou o drink depois do trabalho durante a semana. Porém, no Tarrafal, “não há diferença de dias e é interessante não sentir falta desse ritmo”. A única coisa a que ela gostaria de ter mais acesso era a programas culturais, em particular a concertos mais diversificados. “Mas está tudo bem assim”.

A nossa entrevistada tem o lado italiano do seu pai, por essa razão o domínio do idioma latino facilitou-lhe a aprendizagem do crioulo, para além das explicações do seu marido. “Não sei como aprendi. Eu não falo português e o crioulo lembra-me o suíço alemão: não há gramática, podes falar da forma que achares melhor”.

Talvez devido a esse lado latino, usar o Skype para falar com a família e amigos na Suíça tornou-se também uma parte importante dos seus dias. “Tenho amizades de mais de 20 anos. São uma parte importante da minha vida. Por isso, preciso saber como eles estão”.

O turismo em Cabo Verde

O turismo converteu-se no grande projeto nacional e muda consoante a ilha. Os grandes resorts encontram-se apenas nas ilhas do Sal e Boavista. Nesses locais os turistas chegam aos milhares com o pacote “tudo incluído”. Pela experiência de Sabina na Casa Strela, os turistas que procuram o Tarrafal estão mais interessados na cultura e natureza, e vão geralmente sozinhos ou em pequenos grupos de amigos. “Por isso eu gosto mais deste tipo de turismo”.

Essa área é importante para o país porque gera também novos postos de trabalho. “Apesar dos grandes resorts serem maus para Natureza, geram emprego que a população necessita, pois não há praticamente mais nada em Cabo Verde”. Essa discussão é sempre delicada, mas terão de ser pesados os pratos na balança. Quando lhe perguntamos que locais visitar na ilha de Santiago, não hesita em sugerir a praia de areia preta da Ribeira da Prata e os caminhos na natureza do parque natural da Serra da Malagueta.

A forma como suíços e cabo-verdianos se veem nos respetivos países, acaba por ser semelhante. Na sua opinião, “se os cabo-verdianos não confundirem a Suíça com a Suécia, vão falar dos relógios, chocolates e que se ganha bem. Se os suíços souberem onde é Cabo-Verde, talvez conheçam alguma música”, apesar dos seus amigos estarem muito mais atentos, e sempre lhe contam quando assistem reportagens na televisão.

Os próximos passos

Sabina Petrilli assume que não tem planos para o futuro. O fato de estar em Cabo-Verde é resultado disso mesmo. Após um ano de casada com um local, finalmente obteve a nacionalidade cabo-verdiana e ambos têm uma filha de dois anos.

Na sua visão, pretende simplesmente estar aberta para aquilo que a vida lhe trouxer. Como a sua filha ainda é pequena, talvez acabe por voltar à Suíça quando ela estiver em idade de frequentar a escola, mas até isso é uma incógnita, “A escola é melhor na Suíça e as oportunidades futuras também, claro. Mas a vida aqui é mais fácil, é mais saudável, mais feliz. Por isso, não sei”.

Um país de ilhas

Cabo VerdeLink externo é um arquipélago localizado ao largo da costa da África Ocidental. As ilhas vulcânicas que o compõem são pequenas e montanhosas. Existe um vulcão ativo, na ilha do Fogo, que é igualmente o ponto mais elevado do arquipélago, com 2829 metros acima do nível do mar. O país é constituído por 10 ilhas, das quais 9 habitadas, e vários ilhéus desabitados.

Relações bilaterais entre Suíça e Cabo Verde

A Suíça reconheceuLink externo a República de Cabo Verde em 5 de julho de 1975, no dia da sua independência. Em 1980 os dois países passaram a ter relações diplomáticas.

Entre 1987 e 1991, Suíça e Cabo Verde assinaram um tratado de cooperação técnica, proteção de investimentos e tráfego aéreo. As relações econômicas mantiveram-se em baixo nível.

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