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Balas suíças para o Brasil

O fabricante suíço de armamentos RUAG, com apoio do governo suíço, tem um projeto de construção de uma fábrica no Nordeste do Brasil.

A RuagLink externo, fabricante de armamentos de propriedade a 100% da Confederação Suíça, vai construir uma fábrica de munições de pequeno calibre no Brasil. Essas balas vão equipar as armas leves do Exército e da polícia brasileiras. Ruag AmmotecLink externo, subsidiária do grupo que produz munições de pequeno calibre, será encarregada da construção. Ela emprega 2.218 funcionários em 13 países com faturamento de 385 milhões de francos em 2016, representando 20% do volume de negócios total da holding Ruag, que chega a 1,858 bilhão de francos.

Os negócios do grupo suíço no Brasil ficaram rapidamente mais claros. Em 5 de setembro de 2017, após nove meses de debates intensos no Congresso em Brasília, as autoridades brasileiras decidiram abrir o setor de fabricação de armas à concorrência estrangeira. Essa decisão quebrou assim um monopólio de 90 anos detido pela Taurus, uma empresa 100% brasileira. A justificação do governo: é necessário melhorar a qualidade das armas que equipam as forças armadas e a polícia, e baixar também os seus custos.

Grande investimento

Em 12 de setembro, a Ruag obteve a primeira autorização para uma empresa estrangeira de operar no país. Ela vai construir uma fábrica de balas de pequeno calibre: o modelo 9×19 mm, assim como p .40 S&W, que são munições usadas em particular pelas forças norte-americanas. A fábrica deverá ser construída em Pernambuco, estado de onde se origina o ministro brasileiro da Defesa, Raul Jungmann.

A Ruag pretende investir 140 milhões de francos nesse projeto. Um montante que a direção do grupo não confirma (ler quadro abaixo). Outros especialistas do setor de armamentos queriam imitar a empresa suíça: a austríaca Glock e a tcheca CZ também apresentaram ofertas.

Segundo Maria Vasconcelos, diretora da filial brasileira da RUAG, “a empresa quer propor uma nova opção ao Brasil, pois o monopólio atual prejudica o treinamento das tropas de segurança e o controle de qualidade das munições em circulação.”

O lobby dos defensores do porte de armas aplaude com as duas mãos “essa abertura que vai levar, ao mesmo tempo, a uma redução bem-vinda dos preços das munições para as armas que equipam os civis”. Ele luta no Congresso pela abolição do estatuto do desarmamento adotado em 2003. É por isso que os defensores do desarmamento temem essa nova diretriz governamental.

O sociólogo Ignácio Cano, professor do Laboratório de Análise da ViolênciaLink externo da UERJ, faz parte dele. “A concorrência diminuiria os preços. Se isso é positivo para o mercado, não o é necessariamente para a segurança pública”. Vale lembrar o número elevado de mortes violentas por ano no Brasil: 61.619 em 2016, um acréscimo de 3,8% em relação aos números de 2015, o que corresponde a uma taxa de mortalidade de 29,9 por 100 mil habitantes. É a 11ª taxa mais elevada mais elevada no mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), ela supera a média mundial de 6,7 homicídios por 100 mil habitantes.

O Brasil não é o único país no qual a Ruag opera. Se o Exército suíço continua sendo o maior cliente dessa empresa estatal intrinsecamente vinculada ao Ministério suíço da Defesa (VBSLink externo, na sigla em alemão), ele só representa pouco mais de um terço das receitas da holding.

É, portanto, principalmente fora das fronteiras helvéticas que a RUAG mais se desenvolveu nos últimos anos. Ela está presente em 14 países. No final de 2016 abriu, com toda discrição, uma filial nos Emirados Árabes Unidos, apesar do envolvimento desse país na guerra do Iêmen. A empresa pretende desenvolver a partir dessa subsidiária suas atividades no Oriente Médio.

Proximidade inconveniente

Ainda assim, a proximidade do Estado suíço com a Ruag – cujas atividades se estendem a países considerados “críticos” – incomoda. Há uma dezena de anos, o Grupo por uma Suíça sem Exército (GSsALink externo) liderou uma campanha contra a exportação de material de guerra. Oficialmente a Suíça não vende armas a países que violam os direitos humanos.

Além disso, ainda há o problema da falta de transparência. A lista de países para os quais a Suíça exporta é conhecida, mas os detalhes dos contratos são mantidos sob sigilo. A GSsA questiona o fato de os contribuintes estarem financiando indiretamente uma parte da indústria suíça de exportação de armas, já que a Ruag é de propriedade do Estado suíço.

Othmar Wyss, na época vice chefe de Relações Bilaterais no SecoLink externo (Secretaria de Estado para Economia), deu o contra-argumento. Para ele, os cidadãos não financiam o comércio de armamento, pois a Ruag dá lucro… Em 2016, a empresa pagou à Confederação ainda mais dividendos (47 milhões de francos) do que no ano fiscal anterior (21 milhões de francos). A campanha lançada há dez anos pela coalizão contra a exportação de material de guerra não modificou, naquela época, a política da RUAG.


A indústria suíça de exportação reclama das barreiras impostas à exportação

Aproximadamente 411,9 milhões de francos em 2016, 446 em 2015 e 568 em 2014: as exportações das armas suíças estão em baixa. A causa seria a política cada vez mais rígida da Suíça e os procedimentos de autorização que se tornaram mais complicados? Em uma carta endereçada recentemente ao Conselho de Estados (Senado), o Grupo Francófono pelo Material de Defesa e Segurança (GRPMLink externo), assim como a Swiss ASD (seção da Federação de Indústrias de Máquinas, Elétricas e Metalúrgicas – SwissmemLink externo – que agrupa os produtores de material de defesa e segurança) reclamaram veementemente.

Essas duas organizações desejam que as Comissões de política de segurança das duas Câmeras tratem do problema com rapidez. Até então, não obtiveram uma resposta.

No Conselho Nacional (Câmara dos Deputados), o deputado-federal Roger GolayLink externo (Movimento de Cidadãos Genebrinos) também transmitiu essas preocupações através da apresentação de um postulado, cuja resposta do governo ainda não foi dada. “Eu peço que o Conselho Federal elabore um breve relatório comparativo entre as nossas práticas de exportação de armas e as da União Europeia”, diz.

“É claro que a União Europeia tem um código de procedimento, mas cada país tem a sua própria pratica. Tenho impressão que a França ou a Alemanha estão principalmente preocupadas em vender o seu material de guerra. Nós vemos isso com o avião Rafale e outros equipamentos vendidos ao Catar”. O genebrino ainda acrescenta: “Mais especificadamente, a legislação suíça relativa aos componentes de uso duplo – civil e militar – se tornou muito mais rígida. Ela sufoca o savoir-faire nesse setor, sob o risco até de fazê-lo desaparecer completamente.”

Roger Golay admite que a Suíça é neutra e que não devemos entregar o material a países em guerra, mas estima que não é necessário ser mais papista que o Papa. “Penso em particular nas pistolas, cuja venda foi proibida por nós à Guarda Real da Arábia Saudita”, comenta. “A consequência é uma deslocalização das nossas empresas com a perda de savoir-faire. Eu não sou o único a me preocupar. Meu postulado recebeu assinaturas de outros deputados federais do Partido do Povo Suíço (SVP), do Partido Liberal, mas também do Partido Democrata-Cristão.”

Pierre-André Sieber

A RUAG ressalta que a fábrica de munições no Brasil ainda se encontra na fase de projeto. O grupo não confirma nem o calendário de construção ou o montante que será investido. Porém, em 15 de dezembro do ano passado, a Ruag Industria e Comércio de Munições Ltda – a filial brasileira do grupo suíço – recebeu a autorização do governo brasileiro e assinou uma carta de intenções com o objetivo de construir em 2018 uma unidade de produção de munição nesse país.

“Até agora, vários cenários foram examinados e, nessa base, será decidido se, como e quando a Ruag implementará seus planos”, escreveu a assessoria de comunicação. Os números sobre os volumes de investimento, prazos, dimensões e local de produção não podem ainda ser publicados. A empresa suíça ainda afirma que aplica, no projeto, tolerância zero com relação à corrupção, assim como os padrões elevados de conformidade social.

Em caso de problemas, a filial brasileira Ruag responderia às leis do país anfitrião? Ou ela também seria responsabilizada frente à justiça suíça? A instalação de uma unidade fora da Suíça “significa cumprir as leis do país, seja sobre o meio ambiente, segurança no local de trabalho ou responsabilidade civil”, diz a Ruag. “Os regulamentos internos do grupo também são válidos no exterior”. A munição fabricada no Brasil pode ser vendida fora desse país? “Também no exterior, a RUAG adere estritamente à legislação suíça sobre material de guerra”, responde a assessoria de comunicação. “Em termos concretos, isso significa que, se alguma munição produzida no Brasil fosse exportada, a Ruag só as entregaria a países para os quais a Suíça permite a exportação de equipamentos militares ou de defesa”. PAS

Artigo publicadoLink externo em 05 de janeiro de 2018 no jornal La Liberté, Friburgo.

Adaptação: Alexander Thoele

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