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A falta de mar que o Lago Léman compensa

Momento de reflexão: Jóni Vaz na praia de Preveranges. swissinfo.ch

A primeira vez que aterrou na Suíça foi em maio de 2014. Contudo, as oportunidades de trabalho não surgiam e passados dois meses, decidiu regressar a Portugal para recarregar baterias no verão. No entanto, regressaria em setembro do mesmo ano para em outubro encontrar o seu espaço junto dos técnicos de próteses em Lausanne, cidade onde vive.

Jóni Vaz partilhou com a swissinfo.ch um pouco do seu percurso em Portugal, que levava oito anos de experiência profissional, e da sua adaptação ao país helvético, que foi algo inesperado no seu projeto de vida mas que, contudo, está para durar.

Desde cedo que a sua vontade era de se formar em medicina dentária porque dizia que gostava de fazer as pessoas sorrir, “esta é uma forma de também fazer as pessoas sorrirem. Com um bocadinho com mais dentes”, partilha este seu pensamento de juventude. No entanto, acabaria por frequentar a licenciatura em prótese dentária na Escola Superior de Saúde Egas MonizLink externo, em Almada. Quando terminou o seu curso, Jóni voltou para a sua terra natal, próxima da Nazaré, para procurar trabalho. Esteve os oito anos seguintes em dois laboratórios naquela região onde adquiriu experiência profissional que foi essencial para encontrar colocação na Suíça.

Chegar à Suíça sem perspetivas profissionais

Devido à namorada de Jóni se encontrar a viver no país, isso facilitou-lhe a integração, pois ela indicou-lhe os locais onde tinha de se deslocar para tratar de questões legais, tais como as comunas. Contudo, ele deu um salto no vazio porque deixava para trás uma situação estável em Portugal e chegava sem contactos à Confederação Helvética. Curiosamente, a organização da sua área profissional acaba por ter algumas semelhanças com Portugal. A primeira das quais, é o facto de ser restrita, “a minha área já em Portugal é restrita, existem poucos locais onde se faça prótese dentária. Aqui, o país ainda é mais pequeno e como é só a zona francesa, ainda menos laboratórios existem”, sendo que vários desses laboratórios funcionam com equipas de duas ou três pessoas. Outra semelhança reside no facto de não estar claramente regulada a profissão, no que concerne a salários, direitos e deveres.

Quando regressou em setembro de 2014, no mês seguinte iniciava um estágio num laboratório em Genebra, juntamente com outro técnico. Infelizmente, o facto de, naquela altura, não dominar a língua francesa, sentiu que foi o factor principal para ser preterido pelo outro candidato. Contudo, presentemente, reconhece que o “ facto de ter melhorado o meu francês, de ter conversas banais e conseguir responder na hora àquilo que me é solicitado, fez-me conquistar o meu lugar e isso melhorou também a convivência entre a equipa”.

A profissão

Jóni Vaz encontra-se a trabalhar há cerca de três anos no mesmo laboratório de próteses dentárias. Em Portugal, estava a trabalhar na área da prótese fixa, que são os implantes, coroas, facetas, entre outras, e estava responsável por algumas áreas desse departamento. Na Suíça mudou um pouco a sua área para próteses acrílicas e esqueléticas e deixou de ter funções de decisão, o que, assume, “foi um pouco difícil chegar aqui e ter de estar a prestar contas constantemente. Não estar encarregue de nada especificamente”.

Para Jóni, apesar de ter sido sempre uma pessoa madrugadora, acordar todos os dias às seis da manhã foi um lado um pouco duro da rotina. Contudo, reconhece que sair do trabalho dois dias por semana às 15h00 e os restantes às 18h00 é bastante positivo.

Jóni Vaz swissinfo.ch

As suas funções consistem em efetuar a preparação de tudo o que é próteses acrílicas, também alguns na área das próteses fixas, e trabalhar com um sistema CAD/CAM, que é um scâner 3D, porque já tinha formação desse equipamento em Portugal. Esse scâner realiza a leitura tridimensional para que o dente seja esculpido na fresa, que pertence à área dos moldes. Habitualmente, quando não utiliza o scâner, o dentista envia os moldes da boca e transformam-nos em modelos de gesso para depois fazerem as próteses, sejam acrílicas, esqueléticas ou fixas, a partir desses modelos. Quando o trabalho está terminado, entregam ao dentista para ele colocá-la em boca.

Na opinião de Jóni, o trabalho efetuado na Suíça tem qualidade mas as novas técnicas necessitam de um pouco mais de tempo para serem adquiridas do que em Portugal porque existe uma maior resistência até confirmarem, efetivamente, que é uma técnica funcional. Do ponto de vista da sua carreira, parece-lhe que entre os dois países há diversas semelhanças, que são fruto da área ser restrita, e que por isso, a progressão acaba por ser semelhante, exceção feita à progressão financeira que pode ser mais aliciante no país helvético.

A habituação à vida na Suíça

Habituar-se à vida acabou por ser um pouco duro para Jóni. Primeiramente, destaca a falta que sentiu do mar, que sempre foi a sua segunda casa, “felizmente vivo muito perto do lago. Levas um quilo de sal no bolso e podes imaginar que estás ao pé do mar”, sorri. Para colmatar essa ausência, comprou um standup paddleboard para começar a fazer umas viagens pelo Lago Léman e, através dessa atividade, adaptar-se ao país. Seguindo essa ideia, Jóni conta-nos que procura aproveitar o máximo e ter diversas experiências, por isso, pratica igualmente, esqui e faz as caminhadas na montanha.

Do ponto de vista mais prático, causou-lhe algum desconforto as lojas, de forma geral, fecharem muito cedo e a vida acabar. Assim como ao domingo o comércio se encontrar fechado, e por isso, obriga a uma grande planificação da vida. Esse confronto com a realidade foi mais decisivo quando se questionou “então mas eu saiu do trabalho e vou para casa?”. Daí em diante, começou a remar contra a maré e começou a organizar a sua vida para que pudesse fazer algum desporto e encontrar-se com os amigos porque, “quase ninguém tem essa motivação e tu começas a acomodar-te a ficar em casa e não fazes mais nada”.

As possibilidades que encontrou na Suíça

Estar a trabalhar na Confederação Helvética permitiu-lhe alcançar alguns sonhos que nunca tinha tido grande possibilidade em Portugal, um deles foi: viajar. Mesmo abdicando de alguns bens materiais, Jóni diz-nos que para si tem sido algo importante que a condição salarial suíça lhe tem permitido realizar. Admite que tem sido uma surpresa viajar dentro da Suíça, “tenho andado a ter um particular gozo em andar a conhecer estas regiões aqui à volta e de facto o país é lindíssimo!”, partilha.

Jóni rapidamente assume que a organização suíça lhe causou um duplo sentimento de conforto e desconforto. Reconhece que é ótimo saber que os serviços funcionam muito bem e que tudo está limpo e arranjado. Contudo, sente que depois desaparece um pouco a espontaneidade das pessoas e da sociedade.

A página em branco

Para Jóni Vaz, os suíços começam a estar mais conscientes de que esta nova vaga de emigração portuguesa é composta por pessoas com qualificações elevadas, apesar de nem sempre ser reconhecido esse conhecimento trazido porque, “tens de andar sempre a provar que sabes, e isso, às vezes, é cansativo”.

Através desta experiência, Jóni procura aumentar os seus conhecimentos acerca da Suíça. Por isso, raramente procura produtos portugueses salvo algumas exceções em que é invadido por alguma saudade. Pelo contrário, diz-nos que procura experimentar o maior número de sabores possíveis e no país, para além da gastronomia suíça, pode encontrar produtos de diversos pontos de globo. Devido a essa postura, sente-se distante das diversas associações e comunidades portuguesas existentes na Suíça.

Sente que não quer criar, para já, raízes no país. Está a desfrutar da experiência e a aproveitá-la da melhor forma para que quando tiver de partir, não pensar que não conheceu minimamente o país. Por isso, não sabe por quanto tempo permanecerá na Suíça, mas sabe que continuará a vivê-la. 

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