A política falha sem uma visão a longo prazo
Nascido na Azambuja, vila portuguesa do distrito de Lisboa, Flávio Borda d’Água vive na Suíça desde os nove anos de idade. Presidente do Conselho Municipal da comuna de Chêne-Bougeries, no Cantão de Genebra, até o fim de maio, o luso-suíço defende o regresso da política ao diálogo com a sociedade civil. Como antídoto a tentações populistas e clivagens identitárias.
Crítico de uma atuação política ao ritmo do imediatismo, considera que “a política falha frequentemente por não olhar as questões numa perspectiva de longo prazo.” Em entrevista à swissinfo.ch, frisou que não é possível dar as respostas necessárias com uma política que privilegia a resposta de urgência: “Os efeitos de uma política social ou de saúde não serão nunca imediatos, só darão fruto numa perspectiva de longo termo e em articulação com a sociedade civil.”
Depois de 28 anos em terras helvéticas, Flávio Borda d’Água faz o balanço do seu percurso político e profissional. À mesa de um café em Genebra, numa conversa cortada de quando em quando pelos latidos de um cão minúsculo, enquanto os raios de um sol tímido douravam o ar. Antes, conta que os pais, emigrados na Suíça desde 1982, decidiram ir buscá-lo a casa dos avós em Portugal em 1989, depois de a irmã ter nascido. Casado há oito anos, tem dois filhos, de dois e seis anos de idade.
Tem dupla cidadania e uma dupla identidade cultural: “Em certos aspectos sou mais português, noutros mais suíço. Sou seguramente mais suíço no rigor administrativo e talvez mais português numa certa impaciência de agir.” Não se sente estrangeiro em nenhum dos dois países. Da Suíça, diz ter uma experiência muito inclusiva.
Depois de concluir o 13° ano em Genebra, pensou fazer a universidade em Portugal, mas desistiu, porque se viu confrontado ao abismo administrativo, nem sequer havia ainda o acordo de Bolonha e teria de repetir tudo na Suíça.
Tem ainda em Portugal o avô e os tios. A mulher, que conheceu num curso de Verão na Universidade do Algarve, tinha vivido em França até aos 17 anos. Quando terminou o curso, veio ter com ele a Genebra.
Historiador e político
Flávio é mestre em História pela Universidade de Genebra, com o grau académico de Master of Arts. A par da actividade política, vive com paixão uma vida profissional dividida entre as áreas académica e institucional: “Estou a terminar uma tese de doutoramento sobre o governo urbano no séc. XVIII em Lisboa, que depois do terramoto de 1755 reorganizou a cidade através de medidas que na altura eram chamadas ‘policiais’. Como curador-adjunto do Museu Voltaire, a Casa-Museu onde residiu Voltaire em Genebra, ocupo-me ali de investigação, planeamento de exposições, organização de visitas guiadas, valorização do espólio do séc. XVIII.”
Porquê a política e porquê o Partido Liberal Radical (PLR)? “Sou muito metódico, na vida pessoal e profissional. Tenho as minhas ideias políticas em Portugal e quando me naturalizei, com 27 anos, decidi sondar todos os partidos existentes no hemiciclo em Genebra para perceber com qual me identificava mais.” Depois de encontros com militantes de todo o espectro partidário, diz ter sentido uma maior proximidade ideológica com o Partido Radical, “ao nível dos princípios humanistas e duma presença forte do Estado aliada a uma economia livre.”
Quando ingressou no PR, em 2007, já sabia que ia acontecer o “casamento de razão” com o Partido Liberal. “Talvez por isso tenha vivido o processo de fusão em 2011 de forma menos emocional que a velha guarda de cada um dos dois partidos.
Flávio defende que, embora o PLR mantenha posições em defesa dos interesses do meio empresarial, tem igualmente um grande componente social. No exemplo de Chêne-Bougeries, vê uma prova de que os eleitores reconhecem esse aspecto: “Tivemos o apoio de quase 50% do eleitorado nas últimas eleições.”
Política local
Eleito Conselheiro Municipal para um mandato de quatro anos, em 2011, e reeleito para a legislatura de 2015-2020, assumiu em Junho de 2016 a presidência anual rotativa, por ser o líder no município de um dos partidos com representação no Conselho.
O político luso-suíço frisa que aquilo que lhe agrada na actividade política é estar em contacto com a população e que o mandato autárquico corresponde perfeitamente a essa escolha. Reconhecendo que a classe política funciona, em certos casos, alienada da realidade vivida pelos cidadãos, acredita que “quanto mais profundamente um assunto for discutido na sociedade civil e no interior dos partidos, maior será a adesão da população às soluções propostas.”
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Imigrantes portugueses festejam em toda a Suíça
Na política suíça é interessante a particularidade de serem possíveis alianças entre forças políticas ideologicamente distantes, mas o diálogo não é sempre facilitado, afirma, apontando o dedo à UDC: “Dizer que o estrangeiro não é bem-vindo em Genebra, cuja população é composta por mais de 40% de estrangeiros, é sabotar o diálogo.”
Posições como esta fazerem má publicidade à Suíça na Europa, mas Flávio Borda D’Água considera que é uma ideia errada: “A vaga de populismo que observamos no espaço político europeu, não é exclusiva da Suíça, pertence a um fenómeno mais vasto ligado à crise de identidade”. Faz questão de sublinhar que “a Suíça não é um país fechado, é um país que procura respeitar todos os acordos internacionais e convenções que assinou.” Acrescenta que a questão migratória é muito complexa e por isso difícil de explicar à população. Para mais, a margem de manobra ao nível cantonal é muito reduzida, pois os cantões limitam-se a aplicar aquilo que a federação manda implementar.
Demasiado divididos
O antigo Presidente do Conselho Municipal de Chêne-Bougeries ressalva que o seu compromisso é para com a população que reside no município, mas isso não o impede de estar atento àquilo que se passa na comunidade portuguesa. Está consciente dos valores e das fraquezas: “A comunidade portuguesa é uma das mais unidas, especialmente quando um dos seus membros necessita de apoio. Quando acontecem calamidades em Portugal, a comunidade portuguesa na Suíça não fica indiferente. Várias associações mantêm parcerias com instituições caritativas no país. Ao mesmo tempo, falta um maior sentido de união de esforços, apesar de existirem tantas associações. Custa ver a comunidade tão fraccionada, no meio associativo. Até porque existe um grande défice de informação sobre certas coisas que na sociedade suíça estariam disponíveis para a comunidade portuguesa. Unindo esforços, seríamos mais fortes.”
Flávio Borda D’Água acredita que a geração mais jovem estará provavelmente mais consciente deste problema. O seu sonho? A criação de um verdadeiro centro cultural português. “Porque é positivo termos um Cristiano Ronaldo, mas não é suficiente.”
Flávio Borda D’Água
Nascido na Azambuja em 1980.
Desde 2005, adjunto científico no Museu Voltaire da Biblioteca de Genebra.
Entre 2010 e 2013, assistente de investigação na unidade de história moderna da faculdade de Letras da Universidade de Genebra.
Presidente do Conselho Municipal (2016-2017), presidente da comissão para os assuntos culturais, presidente da associação inter-municipal “3 Chêne Culture” e do jornal “Le Chênois”, que existe desde 1915.
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