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Fazer história para o futuro: historiador Pedro Cerdeira em Genebra

Pedro Cerdeira frente ao prédio da Universidade de Genebra. swissinfo.ch

Após ter sido bolseiro em diversos projetos de investigação em História, em Portugal, Pedro Cerdeira iniciou o seu doutoramento na Universidade de Genebra em outubro de 2015. 

Decorrido sensivelmente um ano a viver e a trabalhar na cidade de Genebra, swissinfo.ch encontrou-se com este jovem historiador português num dos parques da cidade para conversarem sobre a sua experiência pessoal e profissional na Suíça.

Ainda no ensino secundário, Pedro já se imaginava a seguir os seus estudos em história, mesmo sem vislumbrar todas as possibilidades do ofício. Decorridos esses anos, tornou-se mestre em história, com especialização em história contemporânea, pela Universidade Nova de LisboaLink externo. A sua dissertação de mestrado incidiu sobre história do turismo em Portugal no início do século XX. Foi também colaborador do Instituto de História ContemporâneaLink externo da mesma instituição.

Ao longo do seu percurso, Pedro foi bolseiro em diversos projetos de investigação, tendo o último se relacionado com história climática, onde se focou sobretudo na análise da imprensa.

Historiador participativo

Pedro assume que o historiador deve ter um papel social ativo, disponibilizando à população “o trabalho que fazes na tua secretária, com os teus livros e os teus papéis, pores isso cá para fora”. Essa exposição do trabalho do historiador poderia ser apreendida em artigos de jornal, consultoria para cinema e televisão, entre outros, contribuindo para contornar o preconceito que os cientistas sociais e humanos sofrem: “qual é a utilidade destas pessoas?”. Por isso, opõe-se à ideia de “um historiador que fique no seu pequeno mundo e produza para o resto da academia”.

Atualmente, a Universidade de Genebra procura alargar os seus interesses aos estudos africanos. Nesse sentido, o projeto surge integrado nesse desejo da instituição e intitula-se “Decolonization as regional experience and global trend: understanding a global phenomenon through processes from West Africa, 1950-1977”. É financiado pelo Fundo Nacional Suíça da Pesquisa CientíficaLink externo e a Universidade de GenebraLink externo é a instituição de acolhimento. Este projeto é composto por um professor coordenador, dois investigadores postdoc e um doutorando.

Os colegas de Pedro irão concentrar-se nos processos de descolonização das antigas colónias francesas e britânicas na África Ocidental, enquanto Pedro se focará no caso da Guiné-Bissau. O projeto propõe-se estudar a descolonização enquanto fenómeno transnacional, comum a todo o continente africano no século XX.

Guiné-Bissau

O trabalho de Pedro debruça-se sobre a realização de “uma história social da descolonização da Guiné-Bissau”, incidindo no papel das figuras guineenses que pertenciam à administração colonial portuguesa, à luz da lei colonial nomeadas “auxiliares da administração”, e que a historiografia apelida de “intermediários”. Esses elementos poderiam ser desde “guardas nativos” até “chefes nativos”. Esses administradores de circunscrição de concelho e chefes de posto tinham um papel ativo na gestão no dia-a-dia das populações, fazendo a ponte entre a administração colonial e colonizados.

Dessa forma, interessa-lhe compreender o papel que estes agentes tinham na gestão do império português. Este grupo de pessoas ainda se encontra um pouco esquecido pela historiografia, sendo normalmente criadas as narrativas sobre o colonizador e movimentos de libertação.

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Recentemente, a disciplina começou a reconhecer que os povos colonizados não eram apenas figuras passivas que recebiam ordens do poder colonial. Em particular, estes intermediários adotavam por vezes posturas ambíguas, ora alinhados com o poder português ora resistindo-lhe. Dessa forma, houve sempre uma necessidade de adaptação de ambas as partes à realidade no terreno.

Pedro irá analisar o período compreendido entre a década de 50 e o ano de 1977, intervalo de tempo que lhe permite compreender a influência que as descolonizações dos países em redor tiveram nos movimentos de libertação na Guiné-Bissau, a Guerra Colonial e o processo de construção do país independente, particularmente do ponto de vista destes intermediários.

Viagem à África

Durante este ano, o historiador dedicou-se à revisão bibliográfica relativamente à teoria sobre o colonialismo e descolonização. A maioria dessa literatura foi consultada nas bibliotecas de Genebra. Contudo, teve necessidade de se deslocar a Lisboa para consultar arquivos relativamente às antigas colónias portuguesas.

O projeto contempla ainda verbas para visitas ao Arquivo Nacional de Bissau, o que, na sua opinião, é bastante importante, porque permite ter acesso a documentação sobre o quotidiano daquela época e oportunidade de “conhecer esse país africano. Não vou estar a fazer história de África à distância. Isso faz toda a diferença”.

Estar integrado na vida do departamento de História permite-lhe ter uma proximidade maior com os restantes investigadores e poder interagir tanto pessoal como cientificamente, tornando o seu trabalho menos solitário. Para isso também contribui terem o gabinete do projeto inserido no edifício do próprio departamento. Todos os membros são consultados para tomadas de decisão oficiais do departamento, assim como na elaboração dos programas de estudos ou posição conjunta relativamente a cortes orçamentais.

Integração na Suíça

A adaptação à cidade decorreu melhor do que estava à espera. Pedro assume que trazia algumas ideias feitas acerca da Suíça, na maioria fomentadas por outras pessoas, mas que a única que corresponde à realidade é o facto de o nível de vida ser caro.

Mesmo nos momentos em que sente admiração ou estranheza, nunca foi motivo para se sentir deslocado pelo contexto ou hábitos. Agradou-lhe imediatamente o facto de pedir um café e ser servido numa chávena grande, mas confidencia-nos que lhe causa algum desconforto a facilidade com que se denuncia os vizinhos devido ao barulho após as 22h00. Em virtude das suas deslocações frequentes, não consegue ter tempo para o lazer e lamenta não se poder juntar “ao coro da universidade porque eles são muito rígidos com a assiduidade”.

Salienta igualmente a diversidade da oferta cultural da cidade e de como a universidade e também os diversos organismos internacionais aí presentes contribuem para isso, assumindo que “não é uma cidade assim tão monolítica” e que tem uma identidade cultural própria.

Pedro tem um grupo de amigos portugueses com os quais se encontra regularmente. A rede de relações que construiu não segue os moldes das gerações anteriores, que se relacionavam maioritariamente entre Portugueses, e é de opinião que essas tenderão a cair em desuso. No entanto, assume que há “um carinho particular para ir espreitar um café português ou um restaurante português” e que os encontros com os seus amigos têm algo de ritualizado porque sabe que eles partilham um imaginário comum, levando a uma compreensão mútua.

Confidencia-nos que esses encontros são agradáveis porque “dá-te qualquer coisa que cheira a casa”, sorri. Contudo, realça que na maioria dos convívios estão presentes pessoas de diversos países e não há uma tendência de fechamento dos portugueses que conhece porque todos estão abertos ao mundo.

Neste momento, o seu objetivo é “levar o doutoramento a bom porto”. Apesar de ainda não ter explorado as diversas opções profissionais, reconhece que as oportunidades de trabalho em Genebra são várias, tanto nas universidades locais como nos diversos organismos internacionais. Se pretende voltar a Portugal? Diz-nos que não voltará apenas por um regresso “à casa mãe”, tem de haver um projeto que seja interessante. Por isso, os próximos três anos serão passados em Genebra e é nessa certeza que ele pretende aproveitar o tempo passado na cidade suíça.

Anexos:

Nome do projetoLink externo: “Decolonisation as regional experience and global trend: understanding a global phenomenon through processes from West Africa, 1950-1977”

Você decidiu emigrar e veio para a Suíça? Como foi a experiência de se integrar no país? Contem-nos sua história.

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