Um concurso para eleger a Miss portuguesa
Voz doce, sorriso meigo, um brilho alegre no olhar, maquilhagem cuidada, cabelos compridos, vestido vermelho e botas altas de couro. Eis a Miss Friburgo 2017, uma portuguesa de 20 anos.
Entrevistada pela swissinfo.ch, Lígia Ferreira fala dos seus planos para o futuro, do apego à família e da importância deste títuloLink externo, uma vitória que é fruto de teimosia. “Tinha concorrido em concursos anteriores e não ganhei, mas voltei a insistir. Ter vencido, é para mim a confirmação de que na vida é importante não desistir.”
De sorriso fácil, Lígia comove-se com a mesma espontaneidade. Vêm-lhe as lágrimas aos olhos quando fala do amor que tem aos avós, com quem vivia no Distrito de Viseu, Conselho de S. Pedro do Sul, até que, aos nove anos de idade, se veio juntar aos pais na Suíça.
“Foi quando a minha mãe ficou grávida do meu irmão que os meus pais decidiram que não podíamos continuar separados”, recorda. “Nessa altura estavam na Suíça alemã e decidiram mudar para a zona francófona para que eu me adaptasse mais facilmente. Escolheram Friburgo, porque vivem lá parentes nossos.” Diz que não a afetou mudar de país, porque queria muito estar com os pais. O enorme carinho que sente pelos avós leva-a a visitá-los com frequência, três ou quatro vezes por ano.
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“Sou Miss dos suíços e Miss dos portugueses”
Tem o visto “C” (residência permanente) e diz-se estrangeira na Suíça, mas gostaria de pedir a nacionalidade helvética. Gostaria de ter as duas. E de ficar por cá, até porque o namorado português, o Diogo, está cá e “o nosso futuro pode ser melhor aqui.”
Sente muitas saudades de Portugal, mas principalmente porque tem lá os avós. Os pais, que pensam um dia regressar para habitar a casa que têm em Portugal, talvez não estejam ainda conscientes do que os espera: “Se lhes der netos, isso pode fazê-los ficar”, diz Lígia com um sorriso conspiratório.
A Suíça? “No fundo depois destes anos todos aqui, acho que já tenho em mim um pedaço da Suíça também. Já não tenho só a mentalidade portuguesa: sou uma mistura das duas. Sinto-me aqui em casa.” Frisa que se entende muito bem com os amigos suíços e que nunca foi tratada de forma diferente por ter uma origem estrangeira. Com tantas nacionalidades na Suíça, os jovens já não dão muita importância a esse detalhe: “Posso ter uma relação muito boa com um suíço, um português ou um albanês, pois o que conta é a pessoa.”
“Uma batalha comigo própria”
Porquê essa insistência em concorrer a este título? Lígia não hesita: “Questionei-me sempre muito sobre a minha aparência física, era uma questão que tocava o meu equilíbrio psicológico. Precisava de conquistar a autoconfiança, de dar valor a mim própria.”
Quando fez o casting para um desfile no “Friburg Centre”, o organizador do Miss Friburgo e Miss Suíça Francófona reparou nela: “Vamos voltar a fazer o Miss Friburgo, que te parece?” Pensou: “Ok, é desta.” Inscreveu-se convencida de que não iria ganhar, “até porque havia concorrentes muito fortes”, mas o resultado mostrou-lhe que é possível vencer quando se é perseverante, que não devemos abandonar os nossos sonhos. Considera que esta sua experiência serve para todos, pois “é preciso acreditar nas nossas capacidades e perseverar, na vida privada como na vida profissional.”
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O apoio da família
O namorado Diogo já estava habituado e para ele não foi complicado. Tal como os pais: “Tenho a sorte de a minha família e o meu namorado aceitarem tudo isto muito bem, porque nem sempre é fácil. A mãe, Célia, acompanha-a sempre em tudo e nesta aventura também. José Paulo, o irmão de 11 anos foi um dos seus apoiantes mais entusiastas neste concurso: “Na escola dele, durante a votação aberta ao público, pedia votos a toda a gente. No dia quando se soube que ganhei o concurso Miss Friburgo gritou: ‘Que fixe! Vou poder dizer a toda a gente que a minha irmã ganhou!’, ficou muito orgulhoso.” Os pais ficaram também muito felizes – finalmente a filha conseguira aquilo por que se tinha esforçado tanto: “O meu pai chorou, o que não é muito comum. Chorou de alegria, claro!” Rendido aos encantos da filha, João Paulo revela-lhe outros talentos: “Ela canta lindamente!”
Pés na terra
A jovem Miss Friburgo garante que o título não veio alterar a sua vida. Tem o tempo mais preenchido, e por enquanto não consegue estar com a família tanto tempo quanto desejaria, mas quanto ao resto, diz que mudou apenas “o olhar com que me vejo, porque tenho mais confiança em mim própria.”
Os concursos de Miss são por vezes associados a uma imagem de futilidade, há quem considere que promovem o preconceito da “mulher objeto”. Lígia contesta. Defende que um concurso de Miss não é só um concurso de beleza: “Nunca deixei de estar consciente de que não é porque estou aqui maquilhada e me tiram fotografias que deixo de ser quem sou. Dou mais importância à pessoa que sou por dentro do que a minha aparência exterior. Por isso quis sempre mostrar a minha personalidade, a minha maneira de ser.” Diz que as mentalidades mudaram e que hoje em dia nos afastamos cada vez mais da ideia de mulher objeto “que está ali só para mostrar o corpo e um vestido”. Explica que nas várias etapas do concurso, são tidos em conta “os nossos valores humanos e a nossa personalidade”. E que foi avaliada também pela motivação interior, pela pessoa que é, pela postura humana, não apenas pela aparência física.
A coroa não pesa? Tem a resposta pronta: “Fui sempre alguém com os pés bem assentes na terra e a minha prioridade continua a ser acabar os meus estudos, que serão a base do meu futuro profissional, o título de Miss é um episódio passageiro na minha vida.” Frequenta a Escola Superior de Serviço Social e Saúde (EESP, na sigla em francês) em Lausanne, e deseja se tornar assistente social. Depois da licenciatura pretende até fazer um mestrado. “Um mestrado é sempre um valor seguro. O concurso de Miss é para mim um passatempo, não será a minha vida.”
Lígia considera importante ter uma carreira profissional. Não só como objetivo no plano individual, mas também porque é sensível às injustiças que ainda afetam a população feminina: “A mulher não tem ainda no campo profissional o reconhecimento que lhe é devido”, diz a jovem Miss.
Escolheu licenciatura em serviço social porque sente que estão de acordo com a sua personalidade e com os valores que considera importantes, diz que foi sempre uma pessoa que se preocupa muito com o próximo. Consciente de que “não há trabalhos fáceis”, receia apenas uma dificuldade no trabalho de assistente social: gerir as emoções quando confrontada com situações de desespero.
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