Mercenários: um mercado de nicho bastante lucrativo
Ao reduzir os efetivos e os orçamentos militares, os países europeus terceirizam inúmeras tarefas a empresas militares privadas. Segundo o especialista Alexandre Vautravers, essas companhias, principalmente as americanas, recebem fortunas pelo seu trabalho.
Desde os anos 1990, os exércitos europeus e dos Estados Unidos são apoiados por empresas militares privadas para cumprir tarefas que não são mais capazes de executar, especialmente na Europa.
Diretor do departamento de Relações Internacionais na Universidade Webster de Genebra, redator-chefe da Revista Militar Suíça, Alexandre Vautravers explica as razões.
swissinfo.ch: Como explicar o crescimento das empresas militares privadas?
A.V.: As empresas militares privadas trabalham essencialmente nos mercados de nicho, seja as atividades que as forças armadas convencionais não querem ou não podem assumir. Militares custeados durante anos não são forçosamente rentáveis, segundo os responsáveis da defesa, que preferem então confiar a essas empresas toda uma série de tarefas de intendência e logística. Durante a guerra do Iraque, contratos extremamente lucrativos na área de lavanderias, higiene e limpeza foram assinados pelo Exército americano.
Essas empresas obtêm igualmente muitos contratos para a proteção de pessoas ou de construções, onde o engajamento de militares profissionais, treinados e fortemente equipados, nem sempre se justifica.
Enfim, elas ocupam as lacunas e a falta de pessoal qualificado. É o caso, por exemplo, dos pilotos de helicóptero. As forças armadas formam pilotos, mas eles não ficam muito tempo nos seus postos já que os salários na iniciativa privada são muito melhores. Então, para cumprir determinadas missões, os exércitos são obrigados a suprir suas carências através dessas empresas, contratando pilotos formados por elas próprias.
swissinfo.ch: Mas é realmente mais barato terceirizar esses serviços através de empresas militares privadas?
A.V.: Suas tarifas são bastante elevadas. Como ressalta Joseph Stieglitz no seu livro “Three trillions dollars war” (“Guerra de três milhões de euros”, 2008), seus custos são de duas a quatro vezes mais elevados do que nos exércitos regulares. Para algumas atividades bastante específicas no Iraque, essa proporção pode ir de um a dez.
Mas é preciso levar em conta que os contratos firmados com as empresas privadas podem ter uma duração bastante limitada, o que é difícil com um exército profissional, como nos Estados Unidos, França ou Alemanha, onde os contratos duram geralmente de três a cinco anos. A isso é necessário acrescentar a pressão política em todos esses países para reduzir os efetivo e, sobretudo, os custos. Nas forças armadas profissionais na Europa, de 60 a 70% do orçamento da defesa são gastos em salários.
swissinfo.ch: Estamos vivendo então uma forma de privatização da guerra?
A.V.: De certa forma, sim. Porém essa privatização não é necessariamente apreciada por esses exércitos. Ela resulta da redução dos orçamentos de defesa dos países europeus. Um exemplo: desde 2010, o orçamento de defesa do Reino Unido sofre cortes bastante importantes. Assim o reabastecimento em voo está sendo operado, em parte, por uma sociedade militar privada. O mesmo acontece na guerra eletrônica: são empresas privadas que apoiam o exército britânico e lhe permite de conduzir a chamada “cyber-guerra”.
Mesmo as operações de salvamento em mar, efetuadas até então pelos helicópteros da Royal Air Force, serão abandonadas por serem caras demais e assumidas por quatro empresas civis.
swissinfo.ch: O que ocorre nos Estados Unidos, o primeiro mercado dessas empresas militares?
A.V.: O mercado americano é muito diferente. O orçamento para defesa dobrou entre 1997 e 2007 para chegar ao recorde, fazendo com que os EUA respondessem por 52% das despesas militares mundiais antes de primeira eleição de Barack Obama. A administração do presidente Bush fez um uso massivo das empresas privadas nas guerras do Afeganistão e do Iraque para preencher o fosso entre os objetivos fixados e a realidade do terreno.
A administração Obama tentou várias vezes de contrapor a essa tendência, participando notadamente da iniciativa de Montreux ou através do seu código de conduta para as empresas militares privadas. A partir de 2010 houve fortes pressões da administração para reduzir o número de empresas militares privadas, particularmente no Afeganistão. Isso irritou especialmente o governo afegão, que utilizava essas companhias para a proteção do presidente Karzaï, especialmente em época em que estavam reconstruindo o exército e a polícia afegã.
Uma série de atividades continua sendo terceirizada: infraestrutura, logística, guerra eletrônica, espionagem, pilotagem de aviões teleguiados, dentre outros. Os Estados Unidos continuam sendo o principal fornecedor de companhias militares privadas. Muitos antigos militares americanos criam a suas próprias companhias ou procuram trabalha nelas.
E muitas empresas estabelecidas na África e nos países do Golfo são, em sua grande maioria, americanas mais ou menos disfarçadas, interessadas em não ter a sua sede nos Estados Unidos.
swissinfo.ch: Os países emergentes também utilizam serviços dessas empresas privadas?
A.V.: A tendência é diferente nesses países pela simples e boa razão que os países emergentes dão uma importância muito grande ao princípio de soberania do Estado, em particular do seu monopólio de força legítima, ao contrário dos países ocidentais.
Com essa concepção mais clássica da defesa e das forças armadas, esses países estão em uma lógica de reforço das forças armadas nacionais, não na de terceirização para empresas militares privadas.
As empresas militares privadas estão assim presentes paradoxalmente nos dois extremos do espectro da defesa: nos países pós-industriais, ricos, mas onde a estrutura da defesa diminui – e nos países em via de desenvolvimento, pobres, e que dependem do apoio exterior.
Em janeiro de 2013, o governo suíço colocou em consulta um projeto de lei visando proibir às empresas de segurança estabelecidas na Suíça de participar diretamente em hostilidade no contexto de um conflito armado no exterior.
No fim de 2005, o governo suíço adotou um relatório sobre as empresas militares e empresas militares privadas (EMP). Ele encarregou o ministério das Relações Exteriores (DFAE) de lançar um processo em nível internacional para promover o respeito do direito internacional humanitário e dos direitos humanos pelas empresas militares e de segurança privadas operando em zonas de conflitos.
A publicação do que foi conhecido como “Documento de Montreux” é o primeiro resultado obtido conjuntamente pelo DFAE e o Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICR).
Em nove de novembro de 2010, 58 empresas de segurança privadas se reuniram para assinar um código de conduta internacional na qual elas se engajam em respeitar os direitos humanos e o direito internacional humanitário.
Em janeiro de 2013, 592 dessas empresas privadas haviam assinado o código de conduta. O faturamento da indústria militar privada está avaliado em 100 bilhões de dólares por ano.
Fontes: DFAE e swissinfo.ch
Adaptação: Alexander Thoele
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