No Valais as vinhas também falam português
A primeira vez que Luís Tenreiro pisou terras suíças foi no ano de 2008. Um ano mais tarde voltava para se estabelecer no cantão do Valais a fim de trabalhar nas vinhas. Em 2012 adquiriu as suas primeiras vinhas e no ano de 2017 foram produzidos 120 mil litros de vinho dos 30 hectares que gere. Passados 10 anos, Luís está estabelecido como viticultor e esteve a partilhar com a swissinfo.ch o seu caminho pelos vinhedos do Valais e os seus objetivos futuros.
O cantão do Valais é a maior área vinícola da Confederação Helvética. A área de vinhas no ano de 2016 era de 4842 hectares, segundo dados oficiais do Cantão. Contudo, desde 2006 que a área tem diminuído a um ritmo anual entre 0,4% e 0,8%. As três principais castas da região são o pinot noir, chasselas e gamay. Em 2016 foram entregues 56 milhões de quilos nas diversas adegas do Valais que deram origem a cerca de cinco milhões de litros de vinho. O negócio vitivinícola no Cantão gerou, aproximadamente, 186 milhões de francos de volume de negócios. A exportação de vinho regista-se entre 0,5-1% e ainda existe necessidade de importar 30% do consumo total de vinho. Estes dados demonstram o quão apreciado é o néctar dos deuses pela região.
Pela estrada de Portugal à Suíça
Aos 18 anos, Luís apanhou uma carrinha em Aguiar da Beira cheia de portugueses para trabalhem na colheita de frutas e vegetais no Valais. “A minha mãe perguntou a um senhor, que era chefe de equipas aqui, se eu podia vir trabalhar para cá”, e essa pessoa conseguiu colocá-lo numa equipa de trabalhadores para a segunda metade do ano de 2008. No Natal regressou a Aguiar da Beira e por lá permaneceu alguns meses até que em meados de junho de 2009 voltou, novamente, de carrinha para o Valais, “mas essa viagem eu não trouxe dinheiro e pedi ao motorista para lhe pagar quando regressasse para Portugal”. Para dificultar a sua vida, não encontrou de imediato trabalho no mesmo local e teve de encontrar uma solução.
Algum tempo mais tarde, Luís Tenreiro acabou por voltar à anterior empresa, que se dedicada maioritariamente às vinhas, e por lá se estabeleceu por um período de tempo. Inicialmente assinou um contrato de três meses, mas como demonstrou qualidades, assinou um contrato anual e outro no ano seguinte. No entanto, à terceira vez conseguiu o contrato por tempo indeterminado e com isso, pode iniciar o pedido para obter o visto de residência “B”, “porque, em 2012, a minha primeira filha nasceu e era difícil registrá-la sem a autorização de residência. Também nessa altura já tinha algumas vinhas e não conseguia entregar as uvas nas cooperativas”. O visto “C” (permanência) chegou em janeiro deste ano, após 5 anos de estar na posse do B.
Cada hectare é importante para continuar a crescer
Dos sete mil litros produzidos em 2012 para os 120 mil litros de 2017, Luís Tenreiro conseguiu dar enormes passos em apenas cinco anos. Durante dois anos, Luís não teve férias, acordava às cinco horas da manhã para regressar pela hora de jantar, “Todos os dias assim. O sábado era igual. Cheguei a trabalhar domingos. Sair com os amigos, esquece. Não tive férias durante dois anos”. Contudo, assume, “não estou arrependido de nada. Todo o dinheiro que tinha investia”. Este esforço foi feito em conjunto com a sua companheira e irmã, formando os três uma equipa.
Para os seus primeiros passos, o nosso entrevistado socorreu-se dos contatos que o seu anterior patrão tinha junto das adegas, “porque as adegas já têm os clientes regulares. Quando nos tornamos conhecidos, os nossos serviços começam a ser requisitados. Mas, ao início, é complicado, tive de fazer diversos trabalhos e poucas pessoas confiam num rapaz de 21 anos”, partilha conosco.
Neste momento, Luís tem seis funcionários durante todo o ano e a partir de maio é que contrata as restantes pessoas que ficarão até ao final da vindima, em outubro. Esse grupo que chega para tratar das vinhas, sulfatar e podar, assim como outros serviços para clientes, entre os quais a jardinagem, reconstrução de muros, cuidar de vinhas, é constituído por cerca de 35 pessoas, de várias nacionalidades.
Luís explora 30 hectares, dos quais 15 são propriedade sua e os restantes 15 de outras empresas que lhe contratam os serviços, incluindo a vindima, “o que faz com que consigamos produzir entre 260 a 300 mil litros de vinho”. Deste volume de produção são gerados cerca de 500 mil francos anualmente, provenientes da vindima. Apesar de ser um volume de negócio relativamente elevado, quando tem de pagar salários, durante alguns meses, a 35 pessoas e durante todo o ano a seis, adicionando as contribuições sociais e investimentos necessários, o copo já não parece tão cheio, infelizmente, diria. O nosso entrevistado conta-nos que todo o dinheiro que recebia, dos clientes e das adegas, investia em máquinas para sulfatar, carrinhas, tubos, equipamentos vários, terrenos, “nunca me interessou ter economias, e agora continuo igual porque se não investimos, o dinheiro que está no banco acaba”.
O presente a olhar o futuro
Luís refere-se a um amigo seu italiano que lhe dizia que ele deveria iniciar-se como empresário, porque trabalhava de forma responsável, mesmo na ausência do patrão, “uma pessoa quando tem um patrão ou se dá bem ou mal [com o patrão] e assim sou um bocado mais livre”.
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Luís Tenreiro: A motivação para começar uma ideia de negócio.
Por isso, encarou o desafio e inscreveu-se como trabalhador independente, condição que ainda mantem, porque ainda não terminou a formação para obter o certificado profissional, o CFC. Esta formação tem a duração de três anos e termina em maio de 2018, “tem sido muito interessante porque me tem permitido aprender muitas matérias. São rigorosos na formação e isso, também é bom para nos aplicarmos”. Quando tiver o diploma, poderá habilitar-se a receber alguns subsídios agrícolas do estado suíço, que têm como interesse principal preservar a biodiversidade e proteger o meio ambiente, “a Suíça está bastante atenta a estas questões. Há alguns produtos químicos que temos de deixar de utilizar, mas o subsídio acaba por compensar a baixa de produção”. Luís exemplifica as exigências das autoridades, através da utilização de cobre, que está limitada a quatro quilos por hectare. Do mesmo modo, não podem realizar a cura das vinhas próximo de habitações porque há risco de exposição das pessoas, alimentos, entre outros, aos produtos químicos utilizados.
No mês de vindima, entre 15 de setembro e 15 de outubro, as adegas disponibilizam calendários de vindimas para cada casta, o que obriga Luís a ter as equipas perfeitamente organizadas para corresponder aos dias exigidos pelas adegas. No ano anterior, colaborou com seis, mas para este ano serão cinco. No futuro o seu plano é fornecer apenas duas adegas porque, “são adegas mais pequenas, têm entre 15 a 20 fornecedores, e é mais fácil agendar com eles os dias para vindimar cada casta”.
Para além das vinhas, que lhe ocupam a maior parte do seu negócio, Luís Tenreiro ainda se ocupa de sete mil metros de terreno com damasqueiros, de onde colhe aproximadamente 10 mil quilos de damascos anualmente. A colheita dos frutos decorre no mês de julho e para que consiga escoar o produto de imediato, disponibiliza os frutos a clientes particulares. O preço por quilo varia entre quatro e um franco, consoante a qualidade e o calibre.
Os próximos passos no caminho
Quando começou a construir o seu caminho na Suíça, Luís Tenreiro sentiu saudades da sua família e teve algumas dificuldades. Presentemente, a estranheza inicial se dissipou e tornou-se parte integrante do seu modo de viver. Quando lhe perguntamos se gostaria de voltar a Portugal, reflete um pouco, e assume que “estou bem aqui. Uma pessoa desliga-se de Portugal, estou cá há 10 anos. Por enquanto, não penso em voltar”.
No Valais continuará a investir nas vinhas para que se torne num dos 10 maiores produtores da região. Mas o seu maior projeto é, “investir numa adega em sociedade, mas é complicado porque requer um grande investimento. Esse é o meu grande objetivo”.
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