Cem anos para adaptar todos os prédios na Suíça às exigências ecológicas
Os edifícios são responsáveis por mais de um quarto de todas as emissões de CO2 na Suíça. Apesar dos incentivos governamentais e da necessidade de reduzir o impacto sobre o clima, reformas visando a melhoria da eficiência energética de casas e edifícios avançam lentamente. Por quê?
“No início tinha planejado substituir apenas portas e janelas. Mas quando ouvi falar da possibilidade de apoio financeiro, decidi fazer uma reforma completa”, diz Luca Berini. Ele possui uma casa construída em 1964 no município de Insone, em Lugano, no cantão suíço do Ticino. “Acho que é importante cuidar especialmente do meio ambiente”, diz ele.
Um revestimento de lã mineral com 24 centímetros de espessura, vidros triplos, um sistema de ventilação automática e a substituição do boiler a óleo por uma bomba de calor transformaram a antiga casa numa construção moderna. Ela precisa de menos energia, e nela se vive muito melhor. Segundo a mãe de Berini, de 80 anos, “a temperatura é a mesma em todas as salas, e não há mais correntes de ar”.
Graças às reformas, Berini estima que o valor do imóvel também aumentou de 30 a 40%. Ele ficou espantado quando lhe mostramos que, na Suíça, sua história é uma exceção.
Um milhão de casas com isolamento térmico ruim ou inexistente
Na Suíça, os edifícios são responsáveis por cerca de 40% do consumo de energia e por mais de um quarto de todas as emissões. Como mostra o gráfico abaixo, os edifícios produzem mais gases com efeito estufa do que a indústria.
As emissões dos edifícios não são uma surpresa. Cerca de dois entre três edifícios foram construídos antes de 1980, e a Suíça é o país da Europa que mais usa aquecimento com óleo combustível. A isto soma-se o fato de que de um total de cerca de 1,7 milhões de lares, mais de um milhão está mal ou totalmente sem isolamento térmico, resultando em consideráveis perdas de calor.
Apesar de um declínio acentuado desde 1990, as emissões dos edifícios na Suíça permanecem acima da média em comparação com a Europa. De acordo com os últimos números da Associação Europeia de Fabricantes de Isolamentos (Eurima) para 2014, as emissões de CO2 no sector da construção civil na Suíça foram de cerca de 1,2 toneladas per capita.
(Em comparação: Alemanha: 0,6, Reino Unido e Portugal: 0,8, França: 1,1. Apenas Espanha (1,8), Finlândia (1,6), Itália (1,5), Bélgica e Áustria (1,4) tinham valores mais elevados).
Apenas um em cada cem edifícios foi reformado
Desde 2010, o programa federal suíço de saneamento de edifícios tem apoiado proprietários que querem melhorar a eficiência energética de suas propriedades. O programa, financiado pela Confederação através da taxa CO2 e pelos cantões, forneceu subsídios de CHF 211 milhões em 2018.
“Observamos um interesse crescente. Enquanto há quatro ou cinco anos tínhamos entre 200 e 300 consultas por ano, agora temos mil”, diz Luca Pampuri, da companhia Ticino Energia. Esta companhia também opera o Certificado Cantonal de Desempenho Energético para Edifícios (GEAK) da Suíça de língua italiana. O GEAK é reconhecido por todos os cantões como um instrumento que permite determinar a condição de um edifício a partir de seu perfil energético e avaliar se ele pode se beneficiar de possíveis subsídios.
No entanto, apesar das boas intenções e dos incentivos governamentais, que podem representar entre 10 e 30% dos investimentos, a modernização dos edifícios na Suíça está progredindo apenas lentamente.
De acordo com a Fundação Suíça para a Ciência, a taxa de reformas visando a eficiência energética dos edifícios existentes é de apenas 1% ao ano. Segundo ela, “isto significa que as metas da Estratégia Energética 2050 não podem ser alcançadas dentro do cronograma”. Esta quota deve ser pelo menos duplicada, caso contrário vai ser necessário um século para que os edifícios alcancem um padrão que atenda aos requisitos do desenvolvimento sustentável.
A situação é diferente para edifícios novos que, em 2017, constituíam 12.315 novos imóveis. Embora não exista uma proibição geral de instalação de sistemas de aquecimento a óleo na Suíça, tem havido desde os anos 2000 um forte aumento de instalações com bombas de calor.
E cada vez mais proprietários estão a optar por uma casa com certificação “Minergie”, o mais alto padrão de eficiência energética e qualidade para edifícios. “Dependendo da região, isto representa entre 10% e 25% das novas construções”, diz Andreas Meyer Primavesi, diretor da Minergie Suíça.
Pouca informação e lacunas na lei
As razões para a baixa taxa de reformas podem ser de vários tipos, diz Pampuri, da Ticino Energia. “A geração de proprietários tem na sua maioria entre 50 e 60 anos de idade. Talvez eles não estejam tão interessados em fazer um grande investimento que se amortize apenas depois de cerca de trinta anos. Também deve ser dito que os proprietários frequentemente substituem um velho sistema de aquecimento a óleo por um mais eficiente em termos energéticos, mas do mesmo tipo.
“Quem sabe da possibilidade de se obter subsídios estará mais inclinado a agir, a investir.”
Massimo Filippini, professor de economia
Massimo Filippini é Professor de Economia no Instituto Federal Suíço de Tecnologia de Zurique e na Universidade da Suíça Italiana. Ele enfatiza outros fatores que tendem a dificultar os investimentos em eficiência energética.
“Estudos recentes em nível suíço e europeu mostram que muitos consumidores não estão informados sobre possíveis soluções tecnológicas e incentivos financeiros do Estado para promover investimentos em eficiência energética. Quem sabe da possibilidade de se obter subsídios estará mais inclinado a agir, a investir”, disse ele à swissinfo.ch.
Os estudos também mostraram que uma parte da população não possui conhecimentos suficientes para avaliar os investimentos em eficiência energética do ponto de vista econômico e financeiro. “Finalmente, é muitas vezes esquecido que, além da economia de energia, a renovação energeticamente eficiente também traz mais conforto e melhor qualidade do ar no edifício. Estes são benefícios que também têm um valor financeiro importante”.
Hans Rudolf Schalcher, chefe do Programa Nacional de Pesquisa “Transformação do sistema energético”, menciona lacunas na lei: “Bombas de calor, aquecimento com lenha, calor residual industrial e coletores solares poderiam fornecer aquecimento e água quente de forma renovável ou neutra em CO2”, escreve ele em um comunicado de imprensa.
Mas “as leis e regulamentos vigentes não atendem mais aos requisitos e possibilidades de hoje”, diz Schalcher. “Os cantões devem centrar suas leis de planejamento, construção e energia na implementação rápida e econômica da Estratégia Energética 2050 e simplificar os procedimentos de licenciamento e aprovação”.
Neste verão, a ONG ambiental WWF declarou a política energética dos cantões no sector da construção civil como “um fracasso”.
“Substituir um sistema de aquecimento a óleo por uma bomba de calor sem otimizar o isolamento do edifício não é suficiente.”
Christian Zeyer, Diretor, Swisscleantech
Como fazer a mudança de curso?
Aumentar a taxa de CO2 sobre combustíveis ou substituir um sistema de aquecimento a óleo por uma bomba de calor sem otimizar o isolamento do edifício não é suficiente, diz Christian Zeyer, diretor da Swisscleantech. No jornal Neue Zürcher Zeitung, ele sugere a ideia de um fundo para a modernização de edifícios, que seria alimentado por companhias de seguros, fundos de pensão e bancos.
“Ao contrário do programa estatal existente, que cobre apenas uma pequena parte dos custos da renovação relacionada com a energia, o novo fundo pode cobrir até 100% dos custos para tornar uma propriedade eficiente do ponto de vista do clima”, escreve Zeyer. O empréstimo seria reembolsado ao longo de todo o ciclo de vida do investimento.
Segundo Zeyer, todos se beneficiariam deste sistema. “A fim de minimizar os riscos para os investidores, o Estado assume o risco de inadimplência que decorre do prazo mais longo do empréstimo. Em troca, o Estado se beneficia porque consegue cumprir as obrigações do Acordo Climático de Paris no setor da construção civil”, escreve ele.
O governo suíço reconhece que os esforços feitos até agora não são suficientes para atingir os objetivos da estratégia energética e do Acordo de Paris. No final de novembro, o Conselho Federal aprovou uma moção parlamentar pedindo uma redução drástica nas perdas de energia no setor da construção civil.
Além dos transportes, os edifícios estarão no centro dos futuros debates sobre o clima na Suíça, onde os limites de emissão serão discutidos como parte da nova lei de CO2, e também na Europa, onde a renovação de edifícios será uma das prioridades do próximo “Green Deal”.
+ Assim se vive na casa do futuro
O setor imobiliário suíço em números
– Existem cerca de 1,7 milhões de edifícios residenciais na Suíça.
– Quase 4 em cada 5 edifícios foram construídos antes de 1990 (correspondendo à média europeia).
– Mais de 1 milhão de casas têm isolamento insuficiente ou incompleto.
– Quase 2 a cada 3 edifícios são aquecidos com óleo combustível ou gás natural (metano).
– Em 2018, 7.500 edifícios foram isolados termicamente e 3.000 sistemas de aquecimento foram substituídos.
– A taxa de renovação dos edifícios é de cerca de 1% ao ano.
(Fontes: Programa Federal de Construção, Credit Suisse)
Adaptação: DvSperling
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