Perspectivas suíças em 10 idiomas

Município mais pobre da Itália é vizinho à Suíça

De longe, Valsolda não parece pobre. swissinfo.ch

Valsolda é a última cidade italiana antes da fronteira suíça de Gandria, a menos de 10 quilômetros da rica Lugano, no cantão do Ticino. Ela também é o município mais pobre da Itália, segundo os técnicos do Ministério do Tesouro. A renda anual média de seus moradores não supera os 12 mil euros anuais. Mas as contas enganam.

De manhã cedo, a fila de carros se estende pela estreita e sinuosa rodovia estadual, à beira do lago de Ceresio, como é chamado o lago de Lugano nesta parte italiana. A bela estradinha de mão dupla, escavada nos rochedos, serpenteia pelo penhasco e é preciso muita atenção para o motorista não se distrair diante de tanta beleza paisagística.

Nesta época do ano, os Alpes estão bem ali, com os cumes nevados, em contraste com as árvores com as folhas douradas e vermelhas dos bosques em pleno outono. Em dias de sol, com o lago azul e os picos brancos, descobre-se porque esta região é invadida por turistas de todo o mundo, principalmente os alemães, os holandeses e os americanos, atraídos pelas proximidades da presença de vizinhos ilustres como o ator cinematográfico George Clooney, proprietário de uma casa em Laglio, nas redondezas.

Os guardas da fronteira italiana dão as costas para o cenário cinematográfico e controlam os motoristas de um constante e intenso movimento do trânsito. Eles até cumprimentam alguns, velhos conhecidos.

Crise e oportunidade

Então surge a pergunta: como este lugar, numa das zonas mais ricas da Europa, pode ser considerado o mais pobre do país? Debruçados nas pranchetas e nas tabelas de cálculos, os técnicos econômicos analisaram a declaração dos impostos pagos pelos 1.961 residentes. Mas eles não levaram em conta que a grande maioria trabalha em Lugano, ou nos arredores suíços, onde ganham um salário cerca de três vezes superior ao de seus pares na Itália, claro, desde que encontrem um emprego no país, fato cada vez mais raro.

Descontados na fonte, na folha de pagamento, não faz sentido declarar os impostos duas vezes, naquele e do outro lado da fronteira. Estes trabalhadores são conhecidos como “transfrontalieri”. Eles fazem parte de uma categoria especial de empregados: aqueles que vivem na Itália, mas ganham a vida na Suíça. 

O “problema” é quando quase 90% da população de uma cidade, no caso de Valsolda, migram diariamente para o outro lado da fronteira. Depois da hora do rush, em dias normais, as ruas medievais do antigo burgo permanecem vazias. E impressiona o número de janelas fechadas das casas debruçadas sobre o centro ou ao lago. A bela cidade turística parece habitada por fantasmas e o que foi abandonada às pressas, na iminência de um cataclismo natural. Aqui, fora da época das férias, o silêncio é de casa. Toc, toc, toc…tem alguém aí?

Nada disso. É que havendo uma média etária de 42 anos, os moradores passam o dia e a tarde em seus locais de trabalho, ou seja, no comércio, nos bancos, nas empresas do cantão Ticino. No retrovisor, eles deixam seus lares para trás, em busca da sobrevivência.

Como no passado

Exatamente como faziam, na década de 1960, os italianos do sul pobre do país que, escapando da miséria, imigravam para trabalhar nas minas e nos canteiros de obras da Suíça.  “Achei um emprego de enfermeira uma idosa na casa de uma família de Lugano. O salário era muito maior, passo o dia e volto para casa no começo da noite”, diz a italiana Paola Soraia à swissinfo, que trabalha na Suíça num setor ocupado também por estrangeiras na Itália.

Mas ao contrário do passado, hoje, a diferença é que são os italianos do rico norte do país – mas paralisado pela crise econômica – que vendem a sua força de trabalho, mas continuam a viver deste lado da fronteira. O dono de um bar no centro de Valsolda comenta:  “Olhe ao redor…te parece uma cidade pobre? O problema é que os moradores saem pela manhã e voltam de noite. Naturalmente, gastam mais no lá do que aqui. Tentamos compensar com o período turístico”, diz Massimo Ignazio.

Esta decisão – morar em Valsolda e trabalhar na Suíça – mantém ainda viva uma tênue, mas vital linfa para a sobrevivência da cidade.  Mesmo assim, ela provoca um efeito colateral nas contas públicas do município. Os custos sociais exigem do administrador uma habilidade de equilibrista e malabarista.

Os serviços gratuitos como a assistência hospitalar e a escola, apenas para citar alguns, acabam sendo usados por quem não contribui para estes benefícios, ou melhor, contribui pouco e indiretamente. “Não é fácil. No começo de cada ano tentamos, com o nosso balanço, garantir o mínimo indispensável”, afirma o prefeito de Valsolda, Giuseppe Farina, consciente da importância de um acordo entre o vizinho e rico cantão suíço e o governo da Itália para a devolução de um percentual das taxas.

Impostos internacionais

Uma convenção assinada pelos dois governos em 1974, garante que parte do imposto pago na Suíça pelo “transfrontaliero” volte para o seu município de residência.  Esta é uma forma de compensação paga pelo cantão Ticino ao governo de Roma que, depois, distribui o fluxo em função da origem do trabalhador. No ano passado, esta contribuição foi de 370 mil euros, apenas para Valsolda. “Este acordo com o cantão Ticino permite que o governo italiano receba de volta 38% do imposto total descontado na fonte pelo” transfrontaliero”. Para cada mil euros ganhos lá fora recebemos aproximadamente nove por cento para o caixa da cidade. E isso representa uma vantagem a uma eventual cobrança de taxa local”, afirma com um sorriso no rosto, o prefeito de Valsolda, Giuseppe Farina.

E se engana quem pensa que o “transfrontaliero” é apenas um empregado do outro lado da fronteira. Muitos decidem abrir uma atividade econômica na Suíça. Mas esta conta “positiva”, sob um determinado aspecto esconde um problema real: a falta de criação de novos empregos e empresas em solo italiano, no caso, “valsoldino”. “Na Itália, como sabemos, os procedimentos são longos, a burocracia é grande e as taxas são altas. Por isso, a escolha é descontada se um jovem prefere ir ao mercado de trabalho suíço em vez de abrir uma atividade aqui. De certa forma, esta dinâmica provoca um empobrecimento da nossa atividade comercial, uma vez que o nosso território é voltado para o turismo, principalmente”, afirma o prefeito.

As contas não estão no vermelho e o município, virtuoso, é obrigado a contribuir para o Fundo de Solidariedade, programa oficial do governo italiano para distribuir renda. “Este ano demos 300 mil euros”, diz o prefeito.

Mas ele sonha com a união de outras prefeituras. Elas já dividem entre si, por exemplo, alguns serviços públicos, como o policiamento. E junto à outras cinco cidadezinhas da região, que sofrem o mesmo tipo de fenômeno, Valdolsa vai promover um plebiscito local – fruto de uma lei que obriga à partilha de atividades entre prefeituras com menos de três mil habitantes a partir de 2014 – em 1° de dezembro, para criar apenas um único município. “Devemos nos agregar para termos um peso político e econômico maior e nos defender da crise, além melhorar a qualidade da vida e dar mais recursos sociais à nossa população. Os cortes ocorreram apenas nos pequenos municípios, mas não na capital, Roma”, provoca Giuseppe Farina, em plena campanha eleitoral.

Futuro e passado

E sem nenhum medo de paradoxo, o futuro de Valsolda está bem atrelado àquele de Lugano. As duas cidades vizinhas, separadas pelas regras da geopolítica, unem-se para promover o bem comum. “Temos uma ótima relação com Lugano. No ano passado, apresentamos um projeto de pista para ciclistas e pedestres. Temos a cultura que nos une o lago não tem barreira, não nos divide”, diz o prefeito, arquiteto de formação, mas que nunca trabalhou na Suíça.

Recentemente, ele participou de um encontro em Lugano. E voltou de lá com boas perspectivas. “Até o ano de 2025 a cidade de Lugano prevê um incremento na criação de vagas no mercado de trabalho e que tocam o nosso território e, por isso mesmo, teremos, juntos, que potencializar medidas que facilitem o deslocamento das pessoas, estudar as conexões. Mas se tiver uma crise maior do que a nossa em Lugano os nossos cidadãos podem sofrer problemas…”, afirma o prefeito.

Os destinos entrelaçados de Lugano e Valsolda continuam fortes como nos séculos 15 e 16. Na época, artistas das duas cidades, famosos pelo talento e pela cultura, trabalhavam em toda a Europa. Depois, quando voltavam para casa enriqueciam os vilarejos e povoados com monumentais obras que ainda hoje podem ser admiradas nas igrejas, por exemplo. Todos vinham do lago de Lugano. Não é um caso que a Suíça tenha a sua Itália.

Segundo a convenção de dupla imposição em vigor, o cantão do Ticino, Grisões e Valais transferem à Itália 38,8% do imposto retido na fonte incidente sobre os chamados “transfrontalieri”, trabalhadores italianos que vivem nas regiões de fronteira. O dinheiro é distribuído depois às comunas de residência destas pessoas.

Os transfronteiriços franceses não pagam impostos na Suíça. O desconto fiscal feito sobre as atividades salariais exercidas na Suíça são determinadas através de uma declaração. Nesse procedimento, as autoridades fiscais suíças comunicam os salários brutos às autoridades francesas, que então têm a renda descontada na própria França.

Os transfronteiriços alemães pagam imposto na fonte na Suíça sobre a renda obtida através de uma atividade salarial na Suíça a uma taxa fixa de 4,5 dos salários brutos. Essa parte é descontada diretamente do salário e depois transferida à Alemanha.

A Itália tem 8.092 municípios, segundo o censo oficial de 2011.

Valsolda foi eleita a cidade com a menor renda anual média, com 11.998 euros. A com maior renda é Basiglio, com 53.589 euros.

Valsolda é cortada pelo rio Soldo que, em português, significa “dinheiro”. Este rio não seca nunca e abastece o lago de Lugano com suas águas alpinas.

A prefeitura de Valsolda tem 1.622 residentes (mas a população chega a mais de três mil durante as férias de verão) e a cidade italiana mais próxima e importante é Como, distante 50 quilômetros.

Valsolda tem 31,68 km quadrados de área e fica a cerca de 10 quilômetros de Lugano, na Suíça.

Lugano tem 65 mil habitantes distribuídos em 75,81 quilômetros quadrados de superfície

O cantão Ticino, segundo dados do Departamento federal de Estatística, recebeu 59.310 trabalhadores “transfrontalieri”, no terceiro trimestre de 2013. Isso representa um aumento de 4,6% em relação ao mesmo período do ano passado e um aumento de 1,2% sobre o trimestre anterior.

A Suíça tem 277.356 “transfrontalieri”, sendo 145.393 franceses, 65.658 italianos, 56.921 alemães e 8.119 austríacos. O setor terciário emprega o maior número de pessoas, com 167.974, seguido da indústria, com 107.371.

O produto interno bruto italiano deve chegar, ao fim do ano, negativo de 1,8%.

A economia italiana está em recessão.    

Mais lidos

Os mais discutidos

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!

Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR