Nova lei gera controvérsias na Suíça
A partir de 1° de outubro, um adulto pego fumando maconha na Suíça pode escapar da justiça penal, pagando apenas uma multa. A nova lei, que alinha a Suíça com outras nações ocidentais, divide a população.
Grossas espirais de fumaça com cheiro adocicado sobem lentamente em um pátio isolado no bairro Les Grottes, não muito longe da estação ferroviária de Genebra.
“Claro que essa mudança é uma coisa boa”, diz Dani*, um jovem fumante de maconha. “Eu fui pego pela polícia antes e tinha cinco gramas comigo – eles acharam que eu era traficante. Conheço muita gente que passou pelo mesmo problema.”
Plantar, consumir e comercializar maconha na Suíça é proibido. Mas a partir de terça-feira, 1° de outubro, qualquer pessoa com mais de 18 anos apanhada com até dez gramas de cânhamo receberá uma multa de cem francos, como uma simples infração de trânsito, e não terá o nome colocado na ficha de antecedentes criminais.
Os defensores da revisão da lei, que foi aprovada pelo Parlamento suíço há um ano, argumentam que a liberalização da legislação, que muda de crime para contravenção, é um pequeno passo, mas um grande progresso na abordagem do consumo da maconha no país.
A mudança coloca a Suíça no mesmo nível que outros países europeus que toleram o consumo da maconha em pequenas quantidades. Acredita-se que 500 mil pessoas na Suíça, que conta oito milhões de habitantes, sejam fumantes ocasionais de maconha, um número que vem diminuindo nos últimos dez anos, segundo os dados oficiais.
Dani, no entanto, não está totalmente contente com a notícia. “Francamente, eu acho que ela deveria ter sido legalizada e controlada pelo Estado. Pelo menos, com isso haveria muito menos delinquência”.
Cerca de 180 milhões de pessoas fumam maconha como droga, de acordo com o Relatório Mundial sobre Drogas da ONU (junho de 2013).
Na Suíça, 28% dos habitantes com mais de 15 anos disseram ter fumado maconha pelo menos uma vez em suas vidas (contra 25% para a média da UE). Outros 5,1% de maiores de 15 anos disseram ter consumido maconha nos últimos 12 meses. O consumo é maior entre 15 e 24 anos: 17% disseram ter fumado maconha nos últimos 12 meses.
De acordo com um relatório do Unicef publicado em abril de 2013, 24% dos jovens com 15 anos disseram ter usado maconha nos últimos 12 meses para o período 2009-2010. Este valor foi o segundo maior depois do Canadá, mas abaixo dos 38% do período 2001-2002.
Banalização das drogas
Os adversários, no entanto, dizem que a descriminalização da maconha é contrária à vontade do povo suíço. Cinco anos atrás, os eleitores suíços rejeitaram uma proposta do governo de legalizar a posse, o consumo e o comércio da droga. Quatro anos antes, o Parlamento do país já havia se recusado a discutir o assunto.
Não é difícil encontrar opiniões contrárias à maconha e à nova lei pelas ruas do país alpino. Na estação ferroviária de Zurique, por exemplo, Michael, 40 anos, diz que a nova lei vai facilitar o acesso às drogas: “porque eu acho que a maconha pode ser um passo para outras drogas”.
Especialistas da área da saúde, por outro lado, acreditam que a flexibilização da lei provavelmente não terá um impacto no consumo da maconha. Muito pelo contrário, dizem, dando o exemplo de Portugal e Holanda, que têm políticas tolerantes para drogas leves e onde o consumo da maconha vem diminuindo entre os jovens.
Enquanto isso, o debate na Suíça continua, até mesmo ex-fumantes do narcótico estão indecisos.
“Dez anos atrás, eu teria sido em favor da legalização da maconha”, disse Marie, que tem dois filhos adolescentes. “Mas hoje não devemos minimizar os perigos. Na década de 1990, o skunk [a cepa do cânhamo] tinham um nível de THC [a principal substância química ativa da droga] de cerca de 5% e já era bem forte – hoje pode chegar a 30%. É quase como uma droga pesada.”
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A bodega do cânhamo
Harmonização
O governo suíço diz que a revisão deve harmonizar as práticas legais que diferem amplamente em toda a Suíça e aliviar a carga de trabalho dos sistemas policiais e judiciais, permitindo uma economia de recursos.
Cerca de 30.000 casos de consumo de maconha são comunicados aos tribunais todos os anos na Suíça.
Alguns cantões já descriminalizaram o consumo da maconha, em parte através da introdução de uma pequena multa, enquanto que no cantão do Ticino (sul) os consumidores enfrentam processos penais e multas de até 3 mil francos.
“Os recursos da polícia devem ser liberados para perseguir o tráfico de drogas”, disse Corine Kibora, porta-voz da organização Addiction Switzerland.
As polícias cantonais de Zurique e Berna, contatadas por swissinfo.ch, disseram que além de menos burocracia, a nova lei e o sistema de multas não teria nenhum impacto no seu trabalho do dia-a-dia ou na estratégia para lidar com o consumo da maconha.
“Esta mudança política valida a mudança de status da maconha na sociedade, mas não é suficientemente clara. Na prática, a tarefa do policial de implementar essa ideia é complicada”, disse Jean-Félix Savary, secretário-geral do Grea, um grupo que estuda a dependência das drogas na Suíça de língua francesa.
Ele teme que as polícias cantonais não apliquem a lei de maneira uniforme, pondo em risco o objetivo principal de harmonizar a ação da polícia.
“Não é uma revolução – em geral, a abordagem continua hesitante e conservadora. Recursos policiais consideráveis ainda serão usados para garantir que esta proibição seja respeitada”, disse Savary, acrescentando que uma consequência surpreendente pode ser a presença de menos fumantes de maconha nas ruas.
Jovens drogados
Um grupo de fumantes aparentemente não afetados pela revisão são os jovens menores de 18 anos, que continuam podendo ser processados.
Mas há algumas medidas especiais para os jovens previstas na nova lei, garante Kibora. Os traficantes que vendem para os jovens serão punidos com mais rigor e será mais fácil obter ajuda especializada para os jovens dependentes.
De acordo com um relatório do Unicef publicado em abril de 2013, 24% dos suíços de 15 anos de idade declararam ter consumido maconha nos últimos 12 meses para o período 2009-2010. Este valor foi o segundo maior depois do Canadá, mas abaixo dos 38% do período de 2001 a 2002.
Segundo Savary, a ideia de mais prevenção e apoio aos dependentes seria muito bom na teoria.
“Devemos acabar com a hipocrisia. O governo federal quer que os cantões façam mais, mas não paga um único franco. Na semana passada, ele decidiu cortar um quarto do orçamento para a prevenção do álcool e o mesmo vale para as drogas. Se os políticos querem resultados, eles precisam financiá-los”, disse.
* Pseudônimo
Adaptação: Fernando Hirschy
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