Como o ensino me levou de um vilarejo na Tanzânia até a Suíça
Asherz Mbilnyi é um estudante de doutorado vindo da Tanzânia. Ele vive hoje na Basiléia e nos conta aqui como sua busca por educação acabou lhe trazendo à Suíça.
Quando criança, crescendo em uma família de baixa renda na Tanzânia, meus pais me ensinaram que a educação é o que há de mais importante. Eu nunca me esqueci daquela lição, e ela tem me guiado pela vida. Essa busca por educação também me levou por meio mundo, da Tanzânia até a Índia, do Japão até a Suíça. Eu comecei meu curso de doutorado na Universidade de Basel há apenas duas semanas, e essa é a minha estória.
Uma das razões pelas quais essas doenças podem se espalhar é o fato de o povo não ser educado sobre os fatores de risco
Meu nome é Ashery Mbilnyi. Sou um estudante de doutorado trabalhando com o grupo de Bancos de Dados e Sistemas de InformaçãoLink externo (DBIS) da Universidade de BasiléiaLink externo, na Suíça. Além de trabalhar com um bom grupo de pesquisa e ter acesso a uma educação de nível mundial, aqui na Basiléia tenho um ambiente verdadeiramente internacional. Pessoas de todos os cantos do mundo vêm aqui para estudar, ensinar e pesquisar.
Eu entrei para a universidade há apenas seis semanas. Aqui passarei quatro anos. Mas já estou me divertindo.
Seguindo a pista de doenças infecciosas
Eu estou trabalhando em um projeto em que exploramos formas de apoiar buscas por tempo e por espaço em bancos de dados com registros médicos. Esse projeto é um dos grandes motivos de minha satisfação de estar aqui. Um projeto como esse pode ajudar a seguir pistas de doenças infecciosas (algo particularmente importante em países em desenvolvimento como a Tanzânia) e ajudar a salvar vidas ao dar aos responsáveis do governo a informação de que precisam para tomar, a tempo, medidas preventivas.
Essa é a razão pela qual eu escolhi esse projeto em particular: porque eu espero que através desse trabalho estarei ajudando a melhorar a situação no meu país natal.
Ensino para a mudança
Sendo um Tanzaniano que nasceu em uma área rural numa família de oito pessoas, vi muitas mortes causadas por doenças como febre tifoide e malária. Tive malária várias vezes. Uma das razões pelas quais essas doenças podem se espalhar é o fato de o povo não ser educado sobre os fatores de risco, e como evitá-los. E eu sempre soube que para mudar isso teria de me educar. Já na minha infância sabia que precisaria receber uma boa educação para ajudar a mudar minha sociedade. Meu pai, que era professor secundário, e minha mãe, dona de casa, sempre nos diziam:
“Não somos ricos. A educação é a única herança que podemos lhes dar, portanto é melhor vocês estudarem com afinco.”
Infelizmente, eles não tinham o dinheiro para pagar uma escola privada, e eu tive então que passar por escolas públicas com poucos livros e onde faltavam até mesmo professores para algumas matérias.
Estudando engenharia da computação
Eu acabei sendo admitido no Instituto de Dar es Salaam de TecnologiaLink externo (DIT) para meus estudos de graduação em engenharia da computação. Eu escolhi engenharia da computação porque eu pensei que essa faculdade me permitiria trazer da melhor forma possível as mudanças que eu gostaria de ver em meu país.
Eu não fiquei muito contente com a educação que recebi no DIT. Havia muita teoria e os recursos educacionais eram insuficientes. Eu decidi então me educar via internet, o que não era fácil, uma vez que eu tinha acesso muito limitado à net.
Em 2012, contudo, quando o MITx lançou seu primeiro curso piloto “6.002x: Circuitos e Eletrônica”, eu assisti às aulas. Infelizmente, sem um acesso fiável à internet, foi impossível completar os trabalhos de classe; e não pude terminar o curso.
Educação com as mãos na massa
De volta ao DIT, eu graduei em 2013 e tive a oportunidade de continuar trabalhando na universidade como professor. Foi quando eu aprendi que, como servidor público, eu poderia me candidatar a bolsas de estudos competitivas para cursos de curta duração. Eu me candidatei e em agosto de 2013 entrei para o Centro de Desenvolvimento de Computação Avançada em Noida, na Índia, para fazer um curso de desenvolvimento de aplicativos para a web com ferramentas “open source”.
Minha classe tinha 29 estudantes de 19 nações, na maioria vindos de países em desenvolvimento. Foi uma grande experiência, principalmente porque eu finalmente tive uma experiência educacional prática e a oportunidade de aprender com meus colegas sobre suas experiências e sobre os mesmos problemas enfrentados por nosso país.
Depois voltei para a Tanzânia e continuei ensinando no DIT. Logo comecei a pensar em uma pós-graduação. Foi uma decisão difícil para mim, pois como professor, pela primeira vez em minha vida, senti que estava dando uma contribuição no sentido de mudar minha comunidade. Mas sabia que se continuasse na pós-graduação, seria muito mais útil uma vez que estaria pesquisando problemas fundamentais do meu país.
Perdido na tradução
Eu comecei a procurar oportunidades de bolsas de estudo no Japão, uma vez que não tinha os meios necessários. Em meu emprego, recebia menos de 200 dólares por mês e a minha família dependia de meu apoio financeiro.
Eu escolhi o Japão por sua reputação como um país tecnologicamente avançado. ENtão fui aceito no Instituto Japonês de Ciência e TecnologiaLink externo (JAIST) em 2015 para o programa de mestrado em ciência da informação.
Desde o momento que aterrissei em Tóquio fiquei maravilhado com o avanço daquele país. Apesar de 37 milhões de pessoas viverem na capital japonesa, ela é uma cidade é bastante limpa e o complexo sistema de transporte público funciona perfeitamente. Finalmente, na JAIST tive acesso a todos os recursos de ensino imagináveis. Mas isso veio juntamente com um grande desafio: a língua.
Como estudante internacional pensava que seria possível falar o inglês e encontrar muitas pessoas que dominassem o idioma. Mas não foi esse o caso. No Japão, falar japonês é muito importante. É claro, que lá havia estudantes internacionais, mas a maioria deles vinha de países asiáticos e já tinham estudado o japonês por um ano.
Não foi então fácil manter o ritmo e contribuir para as discussões em classe, ou até mesmo para pedir ajuda a meus colegas. Mas me adaptei e consegui completar o diploma de mestrado.
Próxima parada: Basiléia
Eu queria acumular experiência de pesquisa e sabia que deveria continuar os estudos no doutorado. Mas dessa vez seria importante encontrar um lugar onde me sentisse confortável como estudante internacional. Eu comecei então a procurar em diferentes grupos de pesquisa e, finalmente, contatei o professor Heiko Schuldt, da Universidade de Basel.
Eu fiquei impressionado com o trabalho que sua equipe tem desenvolvido, em particular no campo de recuperação de dados multimídia. Melhor ainda, o professor Schuldt respondeu muito gentilmente a meus e-mails. Depois de lhe informar sobre os meus interesses, ele me guiou a cada passo na elaboração de minha proposta de pesquisa. A partir daquele momento, eu sabia que trabalhar com ele seria uma experiência excelente para mim, e me ajudaria a dar algo de volta para meu país.
Minha busca por conhecimento e educação me levou então à Basiléia. Tenho consciência dos desafios que o programa de doutorado vai me trazer. Mas estou confiante que terei sucesso através do trabalho duro. Ao final de contas, foi o trabalho duro que levou um menino de um vilarejo na Tanzânia até uma prestigiosa universidade na Suíça.
Para todos vocês que estejam pensando em fazer – ou tentando terminar um doutorado – espero que minha estória seja um encorajamento para que continuem trabalhando. Se fui capaz de superar os desafios que tive, você também é capaz.
Este artigo foi originalmente publicado no blog Sci FiveLink externo da Universidade de Basiléia. As opiniões expressas neste artigo são unicamente do autor, e não representam necessariamente a opinião da swissinfo.ch
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Adaptação: Danilo v.Sperling
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