Eu não queria ser pobre na Suíça, mas acabei ficando
O jornalista suíço Grégoire Barbey reage ao artigo da swissinfo.ch sobre a pobreza na Suíça e dá a sua opinião. Ele acredita que a nossa abordagem é desajeitada, porque é impossível "experimentar" a pobreza.
Li com interesse o artigo “Tentei ser pobre na Suíça durante um mês: foi duro“, publicado pela swissinfo.ch. Embora a iniciativa seja louvável, a abordagem é bem desajeitada. Será que podemos realmente infligir a pobreza a nós mesmos para fazer um artigo sobre o assunto? Acho que não. Não podemos, como faz a autora, tentar um “experimento” de um mês – que ela vai acabar parando depois de duas semanas…
A pobreza raramente é uma situação para a qual conhecemos o seu prazo. Muito pelo contrário. Trata-se de uma lenta queda na escala social, que conduz irremediavelmente a desilusões e frustrações cada vez maiores. É uma angústia diária. O que a autora infelizmente não pode transmitir em seu artigo é toda a dimensão humana, todos os estados de ansiedade, medo, vergonha, culpa, tristeza que são o lote cotidiano das pessoas cuja única perspectiva imediata é a assistência social.
Sem meios nem recursos
Uma vez que não basta simular a pobreza para poder se dar conta da mesma, telefonar à assistência social para saber o que os beneficiários têm direito todos os meses não ajuda realmente a compreender o que estão passando. A assistência social, ao contrário da crença popular, raramente é uma sinecura. Para terem direito, os candidatos devem ter esgotado todos os outros meios de subsistência. É a última rede de segurança social do nosso país. Uma pessoa na assistência social não tem meios, não tem recursos. E uma vez na assistência social, o montante mensal para se sustentar é de 977 francos – e deve cobrir, em teoria, despesas de alimentação, vestuário, lazer, eletricidade, telefone, internet, rádio e televisão, despesas médicas não cobertas pelo seguro básico, o eventual pagamento anual de uma garantia de aluguel feita por um serviço do tipo SwissCaution, etc. O aluguel e o seguro de saúde são cobertos de acordo com escalas específicas. Os custos adicionais devem ser assumidos pelo beneficiário.
Com um montante de 977 francos por mês para se sustentar, uma quantia praticada geralmente pela maioria dos cantões, as pessoas vivem de forma diferente dependendo do local onde moram. O custo de vida pode variar de um lugar para outro… Fazer generalizações é, portanto, delicado. No entanto, é certo dizer que raramente se pode levar a vida de um magnata com esta quantia na Suíça. Para obter ajuda da assistência social todos os meses, é também necessário mostrar todos os meses vários documentos, incluindo extratos de conta. A menor quantia extra recebida – por exemplo, um amigo que mora longe e lhe paga 200 francos pelo seu aniversário – é deduzida da assistência social no mês seguinte. É preciso justificar todo o dinheiro recebido, e guardar todos os comprovantes, pois mesmo que a lei seja a lei, alguns funcionários dos serviços sociais têm suas próprias interpretações e é melhor estar preparado para todas as eventualidades.
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Tentei ser pobre na Suíça durante um mês: foi duro.
O fracasso é tabu neste país
Sempre que a assistência social se comunica através de cartas, ou obriga um beneficiário a tomar qualquer medida, a lei é lembrada para lhe recordar a sua situação. Infelizmente, existe hoje em dia uma presunção de culpa com as pessoas necessitadas no nosso país. Para uma minoria de espertalhões que abusam do sistema, é a maioria que é tratada como aproveitadores, cujo único objetivo é enganar a sociedade e viver à custa dos outros.
Por detrás dos habituais estereótipos dos cartões postais da Suíça, da sua riqueza e do seu sucesso econômico, há duas em cada dez pessoas que vivem em condições precárias nas nossas latitudes. Para algumas dessas pessoas, pedir assistência social é impossível porque elas têm vergonha. Para evitar um olhar reprovador de uma sociedade intolerante, estas pessoas estão mergulhadas numa precariedade ainda maior, mesmo gozando dos mesmos direitos. É um círculo vicioso, porque as dívidas vão se acumulando, e sair deste impasse num país onde o registro das dívidas, mesmo quando liquidadas, continuam durante 5 anos, é um verdadeiro campo de batalha. O fracasso é tabu neste país.
Angústias que não podem ser vividas numa “reportagem”
A pobreza é essencialmente uma situação emocionalmente angustiante e esgotante que requer sacrifícios significativos. Viver com o nível mínimo de subsistência é como esquecer uma boa parte da sua vida social, porque nesta vida onde tudo custa dinheiro, muitas vezes você tem que tirar a carteira para seguir os seus amigos em algum lugar. Ou você tem que aceitar ser convidado, e ter esse sentimento desagradável de ser alguém que depende de ajuda, um fardo para a sociedade.
Todas essas ansiedades não podem ser vividas numa “reportagem” de duas semanas. É um processo a longo prazo. É difícil “testar” a pobreza como se testaria um smartphone ou um aspirador de pó para relatar aos leitores. A exclusão e a solidão induzidas pela pobreza levam frequentemente à depressão, o que torna ainda mais difícil escapar dela um dia. Na Suíça, infelizmente, a pobreza é um pouco como uma doença que se agarra à pele e muda a forma como as pessoas olham para nós e, pior ainda, como o sistema nos vê. No entanto, a pobreza paira sobre cada um de nós, doente ou saudável, nacional ou estrangeiro… Basta um deslise no caminho, um incidente, e a queda é abrupta, sem corda de segurança.
A melhor maneira de relatar a pobreza ainda teria sido entrevistando pessoas que têm vivido nela dia após dia durante anos. Quem melhor para mostrar a realidade crua? Mas essas pessoas, infelizmente, quase nunca têm a oportunidade de falar. No entanto, os processos judiciais que envolvem beneficiários de assistência social que abusaram do sistema são sistematicamente publicados. Procure o erro.
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Pobreza na Suíça aumenta em quase 10% em um ano
Adaptação: Fernando Hirschy
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