Os animais ensanguentados da África
A África é o cenário do maior massacre de elefantes e rinocerontes dos últimos anos. A constatação do WWF é desalentadora diante da organização dos caçadores furtivos e do crescimento do comércio ilegal de espécies selvagens.
“A extinção de alguns mamíferos será inevitável se este ritmo for mantido”, afirma Pierrette Rey, porta-voz do WWF Suíça.
Ela alerta ainda que mais de dez mil elefantes desapareceram das florestas e das savanas africanas em 2012. Já a média de rinocerontes caçados ilegalmente foi de dois por dia, apenas na África do Sul. Até cinco anos atrás, este proporção era de um por mês.
A atual temporada de caça na África é a pior das últimas décadas, segundo o relatório publicado pelo WWF (Fundo Mundial pela Natureza), em 12 de dezembro passado (ver o documento em anexo). Para a organização com sede em Gland, no cantão Vaud, não existem dúvidas: a estratégia global em matéria de luta contra o tráfico ilegal de espécies selvagens “é um fracasso”.
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Um chifre vale como uma Ferrari
As razões deste fiasco são múltiplas. Uma delas, antes de tudo, está no comportamento dos governos mais atingidos, entre eles os da República Centro-Africana, Camarões, República Democrática do Congo e Quênia. “Não deram a devida importância ao fenômeno da caça ilegal. Não existe nenhuma negociação e nem uma colaboração entre as nações. Não é apenas um problema de vontade, mas de recursos financeiros também”, explica Pierrette Rey.
Segundo o WWF, as medidas de despersuasão e de repressão, os procedimentos penais e as sanções “não são credíveis”. Na província Noroeste, uma das nove da África do Sul, por exemplo, os caçadores ilegais estão sujeitos a uma multa máxima de 14 mil dólares. Já o tráfico de cinco gramas de cocaína é punido com cinco anos de prisão, pelo menos.
O WWF aponta o dedo ainda contra os países destinatários. Vietnã, China e Tailândia “são, claramente, os responsáveis pelo aumento da demanda de marfim e de chifre de rinoceronte”, afirma Pierrette Rey.
No Vietnã, o comércio ilegal é incentivado por integrantes das classes sociais mais altas. Os “novos ricos” não se sentem atraídos apenas pelas hipotéticas e ilusórias propriedades afrodisíacas ou anticancerígenas do chifre de rinoceronte (feito de queratina, proteína insolúvel encontrada na unha), mas também pelo “status” social associado ao produto.
“São um símbolo de riqueza: ter um chifre é como possuir uma Ferrari”, enfatiza ao jornal suíço Le Temps o jornalista investigativo sul-africano, Julian Radmeyer, autor do livro ‘Killing for profit’ (n.r.: Matando por lucros). E isso tem a ver ainda com a China, o primeiro país destinatário do marfim. O relatório do WWF chama a atenção para uma “estreita correlação entre o aumento da caça ilegal de elefantes na África e a elevação do poder aquisitivo dos consumidores.”
Caçadas ilegais em helicóptero
Grupos de organizações criminosas recorrem a equipamentos de alta tecnologia para fazer frente a uma demanda cada vez maior de espécies selvagens, revela a rede para o monitoramento do comércio ilegal TRAFFIC.
“Pela primeira vez na África do Sul vimos caçadores usando helicópteros, aparelhos de visão noturna e armas pesadas”, indica Tom Milliken, responsável pelo programa Elefantes e Rinocerontes de TRAFFIC. A um emissário recrutado na Ásia, continua ele, são suficientes apenas 24 horas para pegar a mercadoria na África do Sul e retornar ao Vietnã, com o chifre do rinoceronte na mala de mão.
A atividade dos caçadores ilegais é extremamente lucrativa. O chifre de um rinoceronte custa mais de 60 mil dólares por quilo, preço superior ao do ouro. O marfim é considerado uma moeda forte e o valor cresce 30% por ano, revela TRAFFIC. O mercado ilegal de espécies selvagens movimenta cerca de 19 bilhões de dólares. Ele representa um quarto do comércio internacional clandestino, somente atrás do tráfico de drogas, de seres humanos e do contrabando.
Este mercado ameaça a biodiversidade e facilita a difusão de doenças contagiosas. E tem mais. “Esses grupos criminosos colocam em risco a estabilidade e a soberania dos países africanos, além de impedir o crescimento”, adverte Pierrette Rey. Muitas vezes, o lucro destas atividades é destinado ao financiamento de conflitos civis e de ações terroristas. Por exemplo, ficou evidente que o grupo Al-Shabaab, da Somália, vizinho ao Al-Quaeda, sustenta as suas campanhas de violência com venda ilegal de produtos animais.
Mudar as crenças
Para inverter a tendência é necessário tomar consciência do problema, insiste a colaboradora do WWF. A questão deve ser enfrentada da maneira mais sistemática e decisiva possível, levando em conta todos os elos dessa cadeia comercial. Estratégias transnacionais devem ser adotadas. E os países mais vulneráveis devem ganhar o acesso aos instrumentos modernos de investigação (como a cartografia genética capaz de rastrear a origem dos produtos).
“Os responsáveis devem ser punidos de forma exemplar”, diz Pierrett Rey. No começo de 2012, um tribunal de Johanesburgo condenou uma tailandesa a 40 anos de prisão pelo tráfico ilícito de chifre de rinoceronte. Foi a sentença mais severa promulgada contra um traficante. “É um primeiro passo na direção correta.”
Até a legislação da Suíça será mais severa, acrescenta Mathias Lörtscher, da Secretaria Federal de Veterinária. “Até agora foram aplicadas multas no valor de 40 mil francos, o máximo permitido por lei. A partir do mês de maio, vai entrar em vigor uma nova lei que prevê uma multa de até um milhão.”
No futuro, até as campanhas publicitárias para informar e sensibilizar as pessoas vão ser reavaliadas porque não provocaram o efeito esperado, reconhece o WWF. “Elas foram conduzidas em escala muito reduzida e por períodos não longos, insuficientes”, observa Pierrette Rey.
“É difícil dissuadir os consumidores que crêem nas propriedades medicinais de cura de um produto. Porém, é preciso mostrar a eles que o chifre de rinoceronte não tem efeito algum na saúde. Mas vai levar tempo”.
A Suíça tem “um papel secundário no trânsito do marfim”, indica à swissinfo.ch a Secretaria Federal de Veterinária (UFV, sigla em italiano)
“As apreensões em nosso país mal chegam a uma dezena por ano. A maior parte do marfim é destinada a um mercado privado, “souvenir” e presentes”, pontifica Nathalie Rochat, porta-voz da UFV.
“Existem traficantes que circulam pela Suíça, mas não podemos falar de um cruzamento internacional”, confirma ainda Pierrette Rey, porta-voz da WWF Suíça.
Em 2012, na África do Sul, foram mortos ilegalmente 618 rinocerontes (até 10 de dezembro) em uma população total de cerca de 25 mil animais. Os animais mortos em 2011 foram 448 contra 13 em 2007.
Em 2011 foram apreendidas 5.250 presas de elefante (23 toneladas). O número de elefantes africanos diminuiu de 5 milhões, em 1940, para os atuais 600 mil.
A cada ano, cem milhões de toneladas de peixes são vítimas do comércio ilegal. A esta cifra somam-se 440 mil toneladas de plantas medicinais e 1,5 milhões de aves silvestres.
O comércio ilegal de espécies selvagens promove um mercado estimado em 19 bilhões de euros, por ano.
A Convenção sobre o comércio internacional de espécies ameaçadas de extinção (CITES ou Convenção de Washington), adotada em 1973, é o principal acordo mundial para regular o tráfico de plantas e animais, assim como de seus derivados. A Suíça está entre os 176 países signatários.
(Fonte: WWF, Ministério do Meio Ambiente da África do Sul)
Adaptação:Guilherme Aquino
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