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Quando a poesia, além de expressão, é o meio de ensino

Carla Sá posa com seus livros
A lembrança dos primeiros tempos de Carla de Sà Morais na Suíça é de "muito trabalho, muita discriminação, muito medo...". Filipe Carvalho

Carla De Sà Morais despertou cedo para a poesia, quando ainda tinha 17 anos, mas apenas em 2015 começou a dedicar uma parte considerável do seu tempo à literatura. É membro de diversas academias e associações literárias no Brasil e Portugal, e recebeu igualmente diversas distinções em eventos literários espalhados por terras de Vera Cruz. Em 2017 lançou o seu primeiro livro de poesia De Gaveta em Gaveta e o seu mais recente, Via Láctea / La Voie Lactée, integra a coletânea Aprendendo em Poesia, publicada pela Helvetia Edições.

O nosso encontro estava pensado para ser junto ao Lago Léman (Lago de Genebra), em Lausanne. A meteorologia trocou-nos as voltas e o dia apresentou-se chuvoso e ventoso. O encontro que a swissinfo.ch tinha combinado com Carla rapidamente se transferiu para o conforto de um café ainda com o lago ao fudo. Durante mais de uma hora a escritora partilhou connosco o seu percurso pessoal e falou dos seus livros de forma apaixonada.

De Angola à Suíça

A nossa entrevistada nasceu em Angola e lá viveu até aos 12 anos. Em Portugal morou em Viseu por alguns anos e juntou-se aos pais na capital ao despertar para a idade adulta. Em Lisboa, estudou secretariado e assistência de direção no ISLA (Instituto Superior de Línguas e Administração) e fez uma formação de esteticista. Ao longo do seu período profissional, apenas trabalhou como assistente de direção durante diversos anos.

Os salários em atraso e as condições de vida deterioravam-se, “eu tinha uma filha de 4 anos e as coisas eram difíceis em Lisboa. Foi muito difícil porque a minha filha ficou com a minha mãe. Eu vim sozinha para aqui e comecei a ficar em casa a tratar dos filhos das outras pessoas”. A Suíça cruzou-se na vida de Carla através de uma vizinha que tinha vivido no país e a quem ela pediu ajuda para encontrar trabalho na Confederação Helvética. “Ainda hoje me perturba pensar nesse tempo, deixar a minha filha e vir viver aqui. Depois foi uma questão de oportunidades, de saber abrir caminhos, abrir portas, desenrascar”.

O encontro com uma nova realidade

Quando partilha connosco as suas primeiras memórias do país, Carla De Sà Morais é explícita, “muito trabalho, muita descriminação… Muito medo, sobretudo de ser denunciada porque eu não estava legal”. Mais tarde, encontrou um emprego num restaurante em Lausanne, onde terminava o turno pela meia-noite, mas “havia muitos controles da polícia e perguntavam-nos onde trabalhávamos e o que estávamos a fazer na rua àquela hora”. Por isso, Carla decidiu mudar de trabalho e começou a fazer limpezas, o que lhe possibilitava conjugar com o cuidado da filha durante o dia.

A sua filha cresceu e a nossa convidada conseguiu encontrar um emprego numa fábrica de compostos de carbono e fibra de vidro para projetos de alta tecnologia na fórmula 1, projetos do CERN, satélites, meio hospitalar, “tudo o que era alta tecnologia e peças de alta precisão, nós fazíamos isso”.

Um quadro e um convite

“Um belo dia estava a observar um quadro e uma senhora olhou para mim e, sem mais nem menos, disse-me que observava o quadro com uma alma de poeta”. Essa frase marcou o início da sua atividade enquanto poetisa e entrada no meio literário. Desde os 17 anos que Carla escreve poemas, e dessa forma tem-se expressado e encontrado um refúgio. No seguimento desse encontro, há cerca de dois anos, a diretora da Helvetia Edições convidou-a para integrar a equipa da editora na função de diretora-adjunta.

Nas funções que desempenha tem de representar a Helvetia Edições nos eventos em que a sua diretora não pode estar presente e dedica-se à gestão logística e às relações públicas. A editora habitualmente organiza antologias poéticas e abre concursos para que poetas possam apresentar os seus textos. Em conjunto com a diretora, Carla De Sà Morais colabora na seleção dos textos a concurso.

As primeiras obras

Carla De Sà Morais relembra-nos que apenas desde 2015 está envolvida no meio literário. Precisamente nesse ano, quando tinha o seu livro De Gaveta em Gaveta terminado, recebeu o convite da editora lisbonense Pastelaria Studios para publicar o seu primeiro livro de poemas. “É muito íntimo este livro, eu dedico-o a várias pessoas da minha família. Eu abro-me muito sobre mim e sobre aquilo que eu sinto em relação à vida e como eu vivo e sofro o tratamento que as pessoas me deram”, diz-nos pausadamente, enquanto observa o livro sobre a mesa.

Apenas alguns meses mais tarde deu início à colaboração com a Helvetia Edições, mas decidiu manter a edição da sua primeira obra com a outra casa editorial. No entanto, após ter participado na coletânea intitulada O Bichionário Brasileiro, um livro dedicado ao público infantil sobre as espécies em vias de extinção na floresta amazônica, Carla foi incentivada a escrever um livro para crianças.

Inicialmente pensou que não seria estimulante e que era uma grande responsabilidade, atendendo ao público, “porque eu acho que uma história infantil tem de ter um objetivo. No final, a criança tem de compreender a moral. Porque é difícil escrever uma história que tenha uma moral, um ensinamento social”. De imediato pensou que seria um desafio interessante escrever um livro infantil pedagógico em forma poética, podendo as crianças aprenderem de forma lúdica.

A via Láctea em forma poética

A coletânea Aprendendo em Poesia terá diversos volumes sobre temáticas de cultura geral dedicados às crianças e a sua edição será bilingue, francês e português. O primeiro volume da coletânea A Via Láctea / La Voie Lactée foi lançado este ano. Carla De Sà Morais assume que é um livro que não se pretende científico, “levou-me imenso tempo a escrever, mas acho que consegui porque falo da via láctea com um certo conhecimento. Uma criança de 8 anos, se lê este livro e o compreende, ela pode falar sobre o universo e a via láctea com propriedade”.

Devido à sua paixão pelo Universo, a escritora decidiu homenagear a via láctea com esta obra inaugural dedicada ao público infantil. “Há tanta coisas que as pessoas desconhecem. São raras as pessoas que se sentam na varanda a olhar as estrelas, Ursas menor e maior, e de como a via láctea é imensa”, partilha de forma apaixonada a escritora.

Mão de mulher sobre livros expostos em uma mesa
Mãos que agora podem se dedicar à escritura, depois de anos trabalhando em fábricas e com limpeza. Filipe Carvalho

Enquanto folheia o livro, a autora vai descrevendo a forma como estruturou o livro por temas, “começa pelas galáxias, porque há muitas. Depois a via láctea. A seguir o que ela contém: o sistema solar, o Sol, as estrelas, os satélites naturais, a Lua, os planetas, os asteroides, os cometas, os meteoritos, estrelas cadentes, auroras boreais e austrais”. A escritora já fez

algumas apresentações do livro e diz-nos que a aceitação está a ser boa mas que aguarda uma resposta do Instituto Camões para que o livro possa integrar os materiais didáticos das aulas de português.

A escrita que não estanca

Carla De Sà Morais continuará dedicada aos projetos literários nos próximos anos alimentando-se dessa fonte de inspiração. O próximo livro da coleção Aprendendo em Poesia será dedicado às mitologias gregas, romanas e nórdicas, “porque termino A Via Láctea com as auroras boreais, que se chamam assim porque Galileu deu-lhes esse nome em homenagem à deusa romana Aurora e ao seu filho Boreas”. Segundo a autora, o próximo volume deverá ser lançado em 2020.

O seu próximo livro de poesia será em francês e terá ilustrações, “não sei se vou ser eu a ilustrá-lo em aquarela, também de vez em quando faço uns traços de aquarela. Ou se vou escolher fotografias porque o meu marido é um excelente fotógrafo”. Carla De Sà Morais continuará no meio editorial com a Helvetia Edições a trabalhar nos projetos que ainda estão no segredo dos deuses mas que serão revelados brevemente.

 

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