Os sons do Natal de antigamente
Sentado em um restaurante em um dia nevado do inverno no século passado. Provavelmente o cliente teria degustado sua refeição ao som de música natalina tocada por um orquestrião, a "banda" mecânica dos anos de 1900.
Antes de aparecerem rádios e gramofones, essas grandes caixas de música simulavam o som de uma pequena orquestra, e com muito sucesso. Famílias abonadas podiam se dar ao luxo de ter seu próprio entretenimento, sobretudo com as máquinas suíças.
Oberhofen, vilarejo às margens do lago de Thun no centro da Suíça, abriga uma coleção de cerca de 300 instrumentos musicais automáticos. Seus proprietários se chamam Kurt e Ursula Matter.
Entrar no quarto onde estão os instrumentos é como voltar à era dos salões de dança, dos grandes hotéis e salões privados.
Em um canto encontra-se o orquestrião (em alemão, Orchestrion) Helios, fabricado na Alemanha. Ele se parece com um gigantesco armário de madeira. Kurt Matter abre uma portinhola central e coloca dentro um rolo de papel perfurado.
Ele põe em funcionamento a máquina e a melodia de “O Du Fröhliche” (Oh, Felicidade), uma famosa canção natalina alemã, preenche o espaço.
Música para todos
“Estes instrumentos eram instalados originalmente em áreas públicas, restaurantes, hotéis e nos grandes navios de passageiros para entreter ou motivar as pessoas à dança”, explica André Scheurer, um especialista musical e grande amigo dos Matters.
“Normalmente elas tocavam ragtime, charleston ou músicas das famosas óperas do tempo, mas na época natalina seus proprietários mudavam o repertório, permitindo que as pessoas escutassem música de Natal nas áreas públicas.”
É muito provável que ela não seja tão diferente da música ambiente que sai das caixas de som nos restaurantes e lojas hoje em dia.
Outro orquestrião, fabricado por volta de 1907 pela famosa empresa Hupfeld, em Leipzig, Alemanha, estava instalado em um salão de dança de Praga.
“Kurt Matter o encontrou em péssimo estado de conservação e as pessoas não sabiam o que fazer com um enorme Orchestrion. Ele o salvou no último minuto”, revela orgulhoso Scheurer, ao lado da sua querida peça já restaurada.
Violin conundrum
De meados do século 19 até o final dos anos de 1920, os instrumentos musicais automáticos eram bastante populares. Eles eram uma forma de dar acesso à música fora das salas de concertos.
Com o passar dos anos, eles se tornaram cada vez mais sofisticados. Várias tentativas foram feitas para imitar o som de violinos, por exemplo, mas apenas algumas máquinas conseguiram tocar os instrumentos reais, incluindo o Phonoliszt-Violina, do fabricante Hupfeld.
Matter possui uma dessas máquinas extremamente raras em sua coleção. A parte inferior do gabinete é composta por um piano. No topo, três violinos dentro de uma espécie de arco. Um arco móvel com crina de cavalo está montado dentro de uma estrutura circular em torno dos instrumentos.
“O arco toca as cordas e os violinos tocam automaticamente”, explica Scheurer enquanto escutam-se as notas da “Flauta Mágica” de Mozart. O efeito é mágico e é fácil entender como a máquina causava sensação nos seus dias.
Música de rua era muitas vezes tocada por órgãos em forma de barrica, cuja manivela precisava ser manipulada manualmente. O trabalho necessitava músculos rijos, como testado pela própria repórter da swissinfo.ch. Matter tem aproximadamente 200 exemplares das máquinas na sua coleção, cada uma delas uma peça única.
Música clássica caseira
Máquinas musicais também davam prazer em casa. “O estilo caseiro era mais de concerto e música clássica”, acrescenta Scheurer.
Esses instrumentos eram concebidos para uma clientela rica. Valorizados eram os pianos automáticos do fabricante Welte-Mignon. Dentre seus famosos proprietários estavam até Winston Churchill.
“O senhor Welte inventou um sistema para gravar o trabalho de um pianista. As notas eram colocadas em um rolo de papel. O que se escuta lembra como um pianista tocava há cem anos”, avalia o especialista.
Isso dá um efeito quase fantasmagórico, com as teclas se abaixando a cada nota. Vários pianistas famosos da época gravaram peças em uma Welte-Mignon, da qual Matter possui um exemplar.
“Você pode sentir o toque do piano na música, algo extremamente maravilhoso. Não existem muitas máquinas como essa. Originalmente cerca de mil foram construídas, sendo que hoje em dia apenas 200 ou 300 ainda existem”, lembra Scheurer.
Expertise suíça
Também populares eram as caixas musicais inventadas pelos suíços. Essa pequena e bonita máquina, cujo apogeu ocorreu no final do século 19, vem da experiência adquirida através da fabricação de relógios.
“Elas eram exportadas mundialmente. As mais bonitas caixas musicais suíças podiam ser encontradas nos palácios de sultões, marajás da Índia, reis, rainhas e nobres”, afirma Scheurer.
O progresso trouxe seu declínio. “É como hoje em dia, quando os iPhones tomam lugar dos celulares convencionais. Com gramofones você podia comprar gravações e ter um grande repertório de música. Com as caixas musicais, você tem cinco ou seis melodias em um cilindro.”
“Os gramofones e os fonógrafos eram muito baratos e em um espaço muito curto de tempo, toda uma indústria da caixa musical foi destruída.”
Nós escutamos música de um bonito exemplar do fabricante Sainte-Croix, no Jura, onde a indústria suíça estava focalizada. No seu auge, a região detinha pelo menos uma dúzia de fabricantes das caixas, lembra Scheurer. Posteriormente, alguns deles mudaram-se para se especializar em tecnologias mais modernas.
Mundo perdido
Algumas caixas foram fabricadas para celebrar o Naal. “Por exemplo, aqui temos uma máquina suporte de árvore de natal. Você colocava a árvore dentro dela e o suporte começava a girar, enquanto da caixa musical saía uma melodia natalina.”
E uma das peças na coleção de Scheurer ainda funciona perfeitamente, tocando sucessos como “Noite Feliz, Noite de Paz”. Porém, ela é muito delicada para ser utilizada com uma verdadeira árvore de natal.
Matter gastou muitos anos colecionando e restaurando essas raridades musicais. Scheurer também tem sua própria coleção, apesar de ser um pouco menor. Para ele, esses instrumentos têm um apelo muito especial.
“Posso sentir como as pessoas escutavam música há cem anos atrás, por exemplo, em uma Welte-Mignon. Posso escutar como um aluno do músico e compositor Franz Liszt tocava a sua música.”
“Com os orquestriões, posso ver, escutar e sentir como pessoas dançavam na época e de que tipo de música elas gostavam. Para mim essas máquinas são uma ponte a uma época que já não existe mais.”
Isobel Leybold-Johnson, swissinfo.ch
(Adaptação: Alexander Thoele)
A coleção de Matter fica no vilarejo de Oberhofen, à margem do lago de Thun e poucos quilômetros ao sul da capital suíça, Berna.
Kurt Matter colecionou 300 instrumentos durante trinta anos e os restaurou. Sua coleção foi cedida a uma fundação batizada com o seu nome e está aberta à visitação pública.
Mensalmente o espaço oferece concertos com a coleção de instrumentos musicais. O especialista André Scheurer está muitas vezes presente para explicar como cada peça funciona.
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