“Consenso proibicionista só existe no papel”
Foi em Genebra que a Agência das Nações Unidas Contra a Droga e o Crime (UNDODC) lançou seu relatório anual sobre as drogas. O órgão é geralmente considerado como muito conservador nessa área. Esse ponto de vista é relativizado por Ruth Dreifuss, ex-ministra suíça da Saúde e membro da Comissão Mundial Sobre a Política das drogas.
Como ministra da Saúde, Ruth Dreifuss instaurou a partir de 1993 uma nova visão em matéria de droga e vícios, baseada em quatro pilares: prevenção, terapia, redução de riscos e repressão. Depois que deixou o governo suíço, ela se engajou no plano mundial para alterar a prática essencialmente repressiva dos países em matéria de droga. Ela prossegue sua ação hoje como membro da Comissão Mundial Sobre a Política das Drogas. Ruth Dreifuss respondeu por escrito as perguntas de swissinfo.ch.
swissinfo.ch: Durante muito tempo proibicionista, a UNODC reflete a evolução das políticas de seus Estados-membros ou continua conservadora?
Ruth Dreifuss: A ONUDC evoluiu, mas resta um órgão técnico que pode dificilmente ir além do que os Estados-membros querem. Ao colaborar com a OMS e o Alto Comissário para os Direitos Humanos, a ONUDOC tem um papel na promoção de medidas de redução de riscos e o respeito pelos direitos humanos.
swissinfo.ch: As posições defendidas pela UNODC se explicam pela posição dos Estados-membros pelo menor denominador comum ou isso é devido a uma “cultura de empresa” proibicionista?
RD: A ONUDC ajuda os Estados a aplicarem convenções proibicionistas. Mas muito dos seus colaboradores têm experiência de terreno, o que os leva a buscar soluções pragmáticas eficazes que não correspondem mais à ortodoxia estrita.
swissinfo.ch: Em seu último relatório mundial sobre as drogas a UNODC diz “inscrever-se na linha” da sessão especial da Assembleia-Geral da ONU sobre as drogas, em abril último, em Nova Iorque, da qual a senhora participou. Ouve algum progresso real?
RD: O balanço da sessão especial é ambivalente. De um lado, as convenções, todas impregnadas do postulado da proibição, foram confirmadas no papel de “pedra angular” do controle internacional dos entorpecentes. Por outro lado, a importância de uma política de saúde pública e do respeito aos direitos humanos foi afirmada.
Mas é sobretudo as posições de numerosos Estados que relataram as reformas feitas e desejadas que mostraram que a adesão às convenções não é mais absoluta. O consenso só existe no papel. Ao reivindicar uma aplicação flexível, adaptada às diferentes situações nacionais, vários oradores reconheceram a ineficiência e mesmo inumanidade das políticas tradicionais. Cedo ou tarde, as portas se abrirão para mudanças maiores.
swissinfo.ch: Do ponto de vista geopolítico, onde estão as linhas de frente entre os países partidários de uma linha repressiva e os que defendem uma política de saúde e de prevenção ou mesmo os que defendem a despenalizar todas as drogas ilegais?
RD: Muito grosseiramente, a Europa e a América Latina defendem reformas. A África, confrontada mais recentemente ao tráfico e aos problemas médicos e sociais do consumo local, poderia aderir ao mesmo grupo. Os Estados Unidos deixaram de ser defensores de uma interpretação muito estrita das convenções porque devem constar a grande diversidade de posições entre os Estados e ao fato que imensa população carcerária os coloca frente a um fracasso patente.
Os que se opõem às reformas são a Rússia, a maioria dos Estados muçulmanos e do Sudeste asiático, a China e o Japão. Mesmo se alguns deles adotaram medidas de saúde pública, eles restam repressivos de tal maneira que a grande maioria das condenações à morte e das execuções punem infrações às leis sobre os entorpecentes.
swissinfo.ch: Pioneira com sua política dos quatro pilares, a Suíça continua na vanguarda nessa área?
RD: Mesmo se as medidas de saúde pública – amplo espectro de tratamentos – salas de consumo, analise de produtos, material de injeção estéril etc. não sejam acessíveis em todos os recantos do país, a Suíça resta um modelo para muitos países.
Mas há poucas inovações para responder aos problemas ocasionados pelas novas drogas ou pela cocaína. Quanto à despenalização do consumo e sobretudo a regulação dos mercados de entorpecentes, a Suíça está entre os pioneiros.
swissinfo.ch: Sua diplomacia é ativa nessa área?
RD: A política estrangeira da Suíça tem a saúde como um de seus temas importantes. Ela acolhe delegações estrangeiras interessadas pela experiência suíça e as embaixadas também respondem às perguntas colocadas.
No que diz respeito à pena de morte em geral, mas também pelos atos relativos às drogas, a Suíça se exprime claramente contra. Ela faz parte ativamente do grupo de países que promovem reformas na saúde, direitos humanos e desenvolvimento.
Consumo de drogas é estável no plano mundial
Conforme o último relatório da l’ONU sobre as drogas, o número de consumidores nos últimos quatro anos, ou seja, 250 milhões de
de pessoas de 15 a 64 anos. Quase 12% delas (29 milhões de pessoas) sofrem de problemas ligados ao consumo.
A canabis é a droga mais utilizada no mundo (183 milhões de pessoas em 2014).
As anfetaminas é o segundo grupo de enterpecente mais utilizado (35, 7 milhões de pessoas). Aproximadamente 33 milhões de pessoas consomem opiáceos, como heroína e morfina. O consumo de cocacaína é estável desde 2010 (18,8 milhões de pessoas em 2014) mas está aalmentando, principalmente na América do Sul.
Muitos consumidores de droga têm tendência a ser politoxicômanos, geralmente com a iintenção de melhorar ou combater os efeitos de uma das drogas consumidas.
(Fonte: relatório mundial sobre as drogas 2016)
Você é a favor da liberalização das drogas? Sua opinião nos interessa.
Adaptação: Claudinê Gonçalves
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