Uma portuguesa na política local da cidade de Friburgo *
Essa política estrangeira com a força febril: Sandra Sabino é a única parlamentar eleita no poder legislativo do município de Friburgo com um visto de permanência "C".
É um caso raro suficiente para ser notado. Sandra Sabino é a única estrangeira da cidade de Friburgo a ter sido eleita para o Conselho Geral (n.r.: poder legislativo do município de Friburgo) nas últimas eleições. Treze outros estrangeiros com o visto de permanência “C” tentaram sua chance de conquistar um assento, apesar de concorrer contra 227 candidatos suíços. A população apoiou fortemente essa portuguesa de 40 anos, que recebeu 4.001 votos na sua primeira tentativa.
Interrogada sobre o sucesso, faz algumas contorções e ressalta inicialmente a surpresa. Depois acena, argumentando que seu “caso de eleita estrangeira modelo e integrada” não corresponde inteiramente à realidade, pois inúmeros “novos naturalizados” já entraram no parlamento local. Finalmente, para completar o quadro, lembra da sua inexperiência.
Sandra Sabino entrou para a política em dezembro de 2015. “Foi ao observar uma certa indiferença geral que me fez acordar politicamente. A vontade de denunciar uma manipulação das tensões sociais cristaliza todos os medos da população sobre a questão da imigração. Como se isso fosse o problema e a solução”, explica a eleita, justificando sua inação passada, confessando ter pensado muito “não ter tido a capacidade de exercer esse tipo de função”.
Rede social personificada
Foi quando Lise-Marie Graden, então candidata socialista ao poder executivo, reuniu os correligionários em vista das eleições. Ela conseguiu convencer a Sandra de abandonar esse complexo de inferioridade e juntar-se aos socialistas. Na mesma ocasião, essa especialista em comunicação se colocou à serviço do partido ao participar da coordenação da campanha, um papel que lhe deu uma certa visibilidade.
Mas esse apoio eleitoral não foi obtido em dois meses. Ele é mais resultado de quase vinte anos de engajamento nos meios associativos e culturais. Desde os anos de estudo de história na Universidade de Friburgo, ela se envolve com o meio cultural local. Voluntária, ela realiza essas atividades paralelamente a pequenos empregos, dentre eles na livraria Harteveld Livres Anciens, no restaurante do clube de tênis em Marly, no hotel NH Hôtel, no café La Source ou ainda no lar de idosos La Providence.
Ela também trabalhou no Teatro da Cidade, no Festival Internacional de Cinema de Friburgo, no Festival de Belluard, na Ancienne Gare o eventos como , FriScènes, Cully Jazz e o Jazz Onze+, além das fronteiras do cantão. Ao longo dos anos, montou um currículo vitae e seu trabalho de voluntariado se converteu em contratos de trabalho na área de comunicação. Empregos temporários que terminaram sendo sua principal atividade a partir de 2010.
Uma imigrante de serviço
Depois de se tornar porta-voz de iniciativas culturais do seu interesse, ela foi catapultada ao cargo de conselheira-geral (vereadora) encarnando a integração bem-sucedida. Ela assume essa projeção, pelo menos tanto como doma sua função de eleita com uma aplicação marcada pela ansiedade.
“Já me avisaram para não me tornar a portuguesa de serviço…Estranho, não? Essa eleição me deu uma identidade que nunca lutei para ter. Mas essa função, queira ou não, será insuflada pela minha sensibilidade de imigrante”, observa, refletindo em voz alta.
Ela se lembra dessa menina que chegou na Suíça aos 12 anos de idade e, cuja vida havia sido ritmada essencialmente pela escola, o rosário e as tarefas agrícolas nas aldeias repletas de anciãos e crianças. Como muitos outros pais, sua família partiu para trabalhar em um país onde havia novos brinquedos no lixo, de acordo com as mais loucas fantasias infantis.
“O primeiro ano voltado a aprender o francês e o alemão no internato da Gouglera com as freiras foi um pouco duro, mas um privilégio ao mesmo tempo. Meus pais, instalados em Wallenried, preferiram não poupar dinheiro para construir uma casa na pátria distante, mas sim investindo nessa escola e em uma vida melhor na Suíça. Por isso não vivi esse fantasma do retorno”, conta.
Ela chegou mesmo a rejeitar o português, que fazia dela uma “outra pessoa”. Pediu então aos seus pais para só falar o francês. “Era seguramente uma estratégia de integração. Meus talentos cômicos utilizados para conquistar aceitação nos diferentes locais de encontro da comunidade portuguesa, onde era levada, se diminuíram. Como era difícil de criar laços com as outras meninas da escola, fiz da biblioteca a minha melhor amiga.”
Integração para a vida
No ano seguinte estende sua estratégia dos livros ao pequeno grupo de teatro da Gouglera. “Os personagens das peças encenadas me davam um papel especial no internato, me permitindo fazer parte de algo”. Um bom exercício em um “ambiente protegido” antes de chegar em Gambach aos 16 anos.
“Lá me sentia bem, mas era outra situação. Lia Antígona de Jean Anouilh. Tudo era uma tragédia”. Era um problema de integração no amplo sentido do termo: o que todo mundo é confrontado.
Então sim, para essa socialista reconciliada com a identidade lusitana, a integração é uma questão existencial. Ela inclusive aderiu à associação La Barque, que apoia os migrantes. “Mas não tenho o monopólio nas questões de integração. Existem pessoas que lutam há muito mais tempo para facilitar a vida dos estrangeiros e para defender seus direitos em Friburgo. E, além disso, há outros problemas ainda mais urgentes como o acesso à educação e moradia acessível.”
Biografia
Sandra Sabino nasceu em 3 de dezembro de 1976 em Torres Vedras, próximo à Lisboa. Ela passa os primeiros anos de vida entre Sines, Pombal e Trancoso, antes de chegar, aos 12 anos na Suíça, onde viveu em Wallenried e depois em Grolley.
Estudou história contemporânea e moderna na Universidade de Friburgo.
Ela trabalhou como especialista em comunicação em várias instituições culturais. Desde 2014 é assessora de imprensa na empresa Donc Voilà.
No mesmo ano se tornou administradora cultura da companhia de teatro Fabienne Berger. Em fevereiro de 2016 foi eleita parlamentar no Conselho Geral (Câmara de Vereadores) da cidade de Friburgo.
* Artigo publicadoLink externo em 11 de fevereiro de 2017 no jornal La Liberté, Friburgo.
Adaptação: Alexander Thoele
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