Firmas europeias têm parte no problema da qualidade global do ar
Um especialista suíço avisa que apesar da melhora da qualidade do ar europeu nos últimos 30 anos, companhias europeias têm contribuído para a poluição atmosférica em outras regiões como Ásia ou África através da terceirização de suas indústrias poluidoras.
Nino Künzli é subdiretor do Instituto Suíço de Medicina Tropical e Saúde Pública e foi um dos consultores científicos da conferência sobre a poluição do ar organizada durante esta semana pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
De acordo com estatísticas da OMS, mais de nove entre dez pessoas no planeta respiram ar perigosamente contaminado. O problema é particularmente grave na Índia, na China e em outras cidades da Ásia e da África, onde crianças correm risco. A OMS diz que a cada dia, 93% das crianças abaixo dos 15 anos de idade, ou seja, 1,8 bilhões de jovens inclusive 630 milhões abaixo dos cinco anos de idade, respiram um ar perigosamente poluído.
swissinfo.ch: Há quem diga que a poluição global do ar causa sete milhões de mortes prematuras a cada dia. Mas o que sabemos ao certo sobre os riscos que a poluição do ar traz para a saúde?
Nino Künzli: Estas estimativas globais são provavelmente um pouco conservadoras, mas novas pesquisas sobre partículas estão esclarecendo progressivamente as causas da redução na expectativa de vida e dos números das fatalidades prematuras.
Um grande estudo de 2017 comparou os efeitos da poluição do ar com outros problemas que afetam a saúde pública. Ele mostrou que nós temos realmente um problema enorme. Em sua totalidade, o problema da poluição do ar é muito maior do que a malária, a AIDS e a tuberculose somados.
Com os avanços tecnológicos, novas medições e o escopo dos estudos recentes, existem hoje mais indícios sobre efeitos específicos sobre a saúde do que se tinha há 20 anos. Nós costumávamos falar apenas sobre os efeitos da poluição do ar sobre os pulmões, depois sobre o coração e sobre derrames. Agora, com base em modelos animais e estudos humanos, vemos que existem indícios cada vez maiores de que poluentes no ar interagem com o desenvolvimento de diabetes, com o desenvolvimento encefálico infantil, podendo também ter efeitos sobre a placenta materna.
swissinfo.ch: A OMS diz que pobres em países da Ásia e da África correm os maiores riscos devido à poluição do ar. Mas de acordo com a Agência Ambiental Europeia, apesar das melhorias lentas, a poluição na Europa continua a exceder os limites da União Europeia (EU) e da OMS. Quão ruim é a poluição atmosférica na Europa?
N.K.: Os problemas são relativos e dependem de sua perspectiva. A Europa ocidental teve uma grande melhora na qualidade do ar nos últimos 30 ou 50 anos. Embora os níveis de poluição sejam maiores na Europa oriental, a região também tem visto melhoras, mas ainda há muito que se fazer. Menos de 15% dos europeus vivem em áreas onde a qualidade do ar está conforme com os valores propostos pela OMS para a proteção da saúde pública.
Isto é um problema nas grandes cidades em particular: transporte rodoviário ou não rodoviário, bem como o setor agrícola e o setor de energia, incluindo o carvão e a madeira, e tratamento de dejetos.
A UE tem uma história ambígua ao lidar com este assunto. Se você observar os padrões de emissões para veículos de transporte, como a norma EURO 6 para veículos leves de passageiros e para veículos comerciais, eles são muito bons e atuantes. Mas a UE falhou completamente na adoção de padrões de qualidade do ar ambiental para a proteção da saúde pública. O padrão de partículas na Europa, por exemplo, ainda está duas vezes e meio acima do proposto pela OMS com base na evidência científica (ver quadro). Isto é um problema real.
PM2.5 partículas finas: União Europeia=25 microgramas/m3 (media anual; Suíça/OMS=10 microgramas/m3 (média anual)
PM10 partículas finas: UE=40 microgramas/m3 (média anual); Suíça/OMS=20 microgramas/m3 (média anual)
Dióxido de nitrogênio (NO2): UE=40 microgramas/m3 /média anual; Suíça/OMS=30 microgramas/m3 / média anual
Ozônio: UE=120 microgramas/m3 (média máxima diária de 8 horas); Suíça/OMS=100 microgramas/m3
swissinfo.ch: As conclusões da OMS sobre a poluição do ar são desalentadoras. Nós estamos perdendo esta batalha?
N.K.: Uma lição positiva de tudo isso é que políticas de limpeza do ar realmente funcionam. Elas são uma verdadeira história de sucesso. Se você pegar a Califórnia, Los Angeles, por exemplo, é fenomenal como a poluição do ar baixou. Manter o ar limpo é possível. Os valores baseados na ciência promovidos pela OMS podem ser alcançados se governos tomarem as decisões políticas certas e estabelecerem metas ambiciosas de qualidade do ar para promover as melhores tecnologias disponíveis.
Mas nós temos que admitir que as empresas europeias também têm parte no enorme problema da qualidade do ar na Ásia, África e na América Latina, nas mega cidades do mundo. Enquanto limpamos nosso ar na Europa, nossas multinacionais estão terceirizando indústrias altamente poluentes para aqueles países.
Negociantes suíços de petróleo, por exemplo, vendem diesel altamente poluente em muitos países Africanos e estão causando diretamente enormes problemas de poluição do ar e de saúde pública nas cidades. O combustível que eles vendem pode ter mais de 600 vezes os níveis de enxofre permitidos pela lei Suíça. Fabricantes de carros alemães fizeram pressão sobre o governo iraniano para permitir a importação de caminhões sem filtros de partícula diesel.
Há muitos outros exemplos de indústrias de países ricos tentando maximizar seus lucros ao desconsiderar os padrões ambientais que temos na Europa. É claro, isto é legal uma vez que os países de baixa e média renda perderam a oportunidade de estabelecer padrões diferentes. Mas é por isso que precisamos realmente de padrões globais de emissões e qualidade do ar.
swissinfo.ch: A Suíça tem boa reputação quanto à qualidade do ar. E, no entanto, de acordo com a Agência Ambiental Europeia, estima-se que existam ainda 5.500 mortes prematuras na Suíça causadas pela poluição. Quais são os principais problemas de poluição do ar aqui?
N.K.: A Suíça tradicionalmente segue as propostas com base científica feitas pela OMS, que são muito mais estritas que as da EU. Níveis de partículas baixaram muito. Ano passado, todas as estações federais de monitoração estavam em conformidade com nosso padrão PM10 partículas (10 micrômetros ou menos de diâmetro).
A Suíça tem um bom histórico de melhorias nos últimos 30 anos, mas ainda existe trabalho a ser feito. O tráfego continua sendo um importante fator de poluição, especialmente devido à proximidade de onde vivemos. Em algumas regiões como o Ticino e vales alpinos, a fumaça da queima de madeira merece atenção, uma vez que a madeira tem sido muito promovida e pode ser uma importante causa de poluição.
swissinfo.ch: Em 2017, a Agência Ambiental Federal indicou níveis preocupantes de ozônio ao nível do solo (O3) nas 16 estações de monitoramento por toda a Suíça. Os níveis estavam particularmente alarmantes no Ticino. Quão sério é este problema?
N.K.: O Ozônio é um fenômeno bem conhecido, mas você tem olhar com cuidado pois o ozônio é complexo. Ele é um poluente secundário que vem especialmente das emissões de tráfego (óxidos de nitrogênio e compostos orgânicos voláteis) e se acumula devido ao calor e luz solar durante o verão.
O ozônio continua sendo um problema na Suíça. As melhorias nessa área têm sido menos espetaculares do que com o dióxido de enxofre, por exemplo, que praticamente desapareceu.
Mas os picos na poluição de ozônio são menos extremos do que há 20 anos graças às políticas adotadas. E em geral, os riscos do ozônio para a saúde pública são muito menores (apenas 10% do total) do que outras formas poluição do ar relacionadas às partículas resultantes da combustão.
swissinfo.ch: Quais passos vão ter que ser tomados para avançar o combate à poluição do ar na Suíça?
N.K.: Eu gostaria de ver esforços entusiásticos continuados em apoio à adoção das melhores e mais recentes tecnologias. Deveríamos adotar o padrão EURO 6 para emissões de escapamentos, e ele deveria ser aplicado a todos os motores de veículos, tanto na estrada como fora dela. Deveríamos também abordar a questão da agricultura e dos fazendeiros que gozaram de muita proteção no que toca à implementação de mudanças para a redução de emissões.
Nove das dez cidades mais poluídas do mundo segundo o padrão PM2.5 estão na Índia.
1. Kanpur, India (173 μg/m3)
2. Faridabad, India (172)
3. Gaya, India (149)
4. Varanasi, India (146)
5. Patna, India (144)
6. Delhi, India (143)
7. Lucknow, India (138)
8. Bamenda, Cameroon (132)
9. Agra, India (131)
10. Gurgaon, India (120)
Fonte: WHO, 2018Link externo
Adaptação: Danilo v.Sperling
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