Proposta sobre imigração pode trazer problemas para suíços expatriados
A última tentativa do Partido Popular Suíço de acabar com o acordo de livre circulação de pessoas com a União Europeia visa reduzir o número de imigrantes que entram na Suíça. Mas a aprovação da proposta pode ter um impacto negativo para muitos suíços que vivem em países europeus.
Cerca de 460.000 suíços vivem atualmente em países da UE e sofreriam diretamente as consequências do fim dos tratados bilaterais com Bruxelas se a proposta for aceita em 27 de setembro. A Organização dos Suíços do Estrangeiro (OSE) foi inequívoca ao descrever tal cenário como uma “catástrofe” em um comunicado recente.
No entanto, as necessidades dos expatriados suíços desempenharam um papel um tanto menor no debate público antes da votação que se avizinha.
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No caderno eleitoral, os argumentos apresentados pelo comitê responsável pela proposta mencionam apenas a imigração para a Suíça. Não tratam da emigração suíça para outros países.
O governo e o parlamento, que se manifestaram contra a iniciativa, apontam o impacto que tal medida teria no acesso dos cidadãos suíços ao mercado único europeu. Afinal, não são apenas as empresas voltadas para a exportação que se beneficiam da Europa, são também os suíços que querem viver e trabalhar na UE.
Veja o exemplo de Michael Obrist: ele mora em Viena há seis meses, trabalhando para uma startup que oferece serviços de digitalização.
Numa entrevista por telefone, Obrist disse que se beneficiou pessoalmente da estreita ligação entre a Suíça e a UE durante os últimos dez anos no exterior. (A ligação foi feita via WhatsApp, pois a Suíça não faz parte dos regulamentos de roaming da UE, portanto, uma ligação de longa distância teria sido cara).
Uma das vantagens dos vínculos estreitos da Suíça com a UE é de natureza acadêmica.
“Graças ao programa de intercâmbio universitário Erasmus, pude estudar em Viena por um semestre. Na época, mudar os estudos para outro país era fácil”, explica Obrist.
Quando ele decidiu concluir seu mestrado na capital austríaca, seus créditos anteriores da Universidade de Berna, na Suíça, foram facilmente reconhecidos.
O intercâmbio entre universidades da Suíça e de países da UE tornou-se mais complicado e com menos opções depois que os suíços aceitaram outra proposta contra a imigração em 2014. A mudança pôs fim ao programa de intercâmbio de estudantes Erasmus, que é um dos programas mais conhecidos da UE, que ajuda os alunos a estudar, treinar e ganhar experiência em todo o continente. A Suíça foi rebaixada de membro a parceiro, o que causou grande desdém, principalmente entre os círculos acadêmicos.
Esforços estão em andamento para reintegrar a Suíça ao programa . A União de Estudantes Suíços e o Conselho Nacional da Juventude da Suíça estão lutando para trazer a Suíça de volta a bordo no próximo ano. Seria um grande revés para Erasmus se os suíços votassem a favor da iniciativa.
Obrist também se beneficiou profissionalmente. Depois de se formar, ele foi para Berlim, onde trabalhou pela primeira vez para uma startup no setor de educação antes de se tornar autônomo. A mudança para a Alemanha foi tranquila. “O fato de poder me deslocar facilmente pela UE e ter muita liberdade empresarial me permitiu levar essa vida”, conta.
De acordo com Obrist, a cooperação transfronteiriça é particularmente forte entre startups. As sinergias neste setor são muito fortes na Alemanha, Áustria e Suíça. “É muito comum que startups nesses três países ganhem experiência e contratem pessoas do exterior”.
“A Suíça no século XXI seria impensável sem a UE e a liberdade de circulação das pessoas”, escreveu o New European Movement Switzerland em sua publicação “At Home in Europe” (Em Casa na Europa). A organização defende a adesão da Suíça à UE. O texto aponta a porcentagem da força de trabalho europeia em setores da economia suíça. No varejo, por exemplo, 20% dos funcionários são cidadãos da UE, enquanto 25% da equipe de enfermagem são de países da UE. Um em cada três médicos também é da UE. Na agricultura, um em cada cinco trabalhadores vem de um país da UE ou da EFTA e encontra emprego na Suíça graças à livre circulação de pessoas.
Por último, mas não menos importante, a estreita ligação entre a Suíça e a UE tem sido benéfica para a vida privada de Obrist.
Ele frequentemente volta para a Suíça, onde mantém contato próximo com amigos e familiares.
“A capacidade de se mover facilmente além das fronteiras é importante para mim”, diz.
“Quando as fronteiras foram temporariamente fechadas durante a pandemia de Covid-19, muitas pessoas provavelmente perceberam como geralmente somos privilegiados.”
O quanto está em jogo se os suíços votarem a favor da iniciativa de abolir a livre circulação de pessoas ainda não está claro. Algumas incertezas jurídicas são esperadas e milhares de suíços expatriados podem perder suas autorizações de residência.
Obrist está convencido de que não faria sentido comprometer o bom relacionamento com a UE. “Seria um sinal de autoestima inflada se a Suíça se distanciasse da UE, não importa de que forma”, diz.
Obrist acredita que tal mudança tornaria sua vida mais difícil profissional e pessoalmente. Claro, ele sempre poderia voltar para a Suíça. “Isso, no entanto, seria uma repatriação forçada”, conclui.
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O pôquer da Suíça com a União Europeia
Adaptação: Clarissa Levy
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