Por que as teorias da conspiração fascinam tanto
Quase 30% das pessoas acreditam, pelo menos parcialmente, em uma teoria da conspiração ligada à pandemia do coronavírus. Este número é resultado de um estudo recente feito pela Universidade de Basel, na Suíça e na Alemanha. O professor de psicologia social Pascal Wagner-Egger explica por que a conspiração está na moda.
O coronavírus foi criado em laboratório. Sua disseminação é parte de uma tentativa deliberada de uma elite de assumir o controle da população.
O vírus não existe. A verdadeira razão por trás dos bloqueios sanitários é impedir a imigração ou impor um sistema de vigilância em massa.
Bill Gates criou o vírus para reduzir a população mundial. E se não, é uma arma alienígena para destruir a humanidade.
Quase 10% dos entrevistados pela equipe de Sarah Kuhn e Thea Zander-Schellenberg da Universidade de Basel acreditam fortemente em pelo menos uma dessas teorias de conspiração ou em outras similares.
A pesquisa online na qual participaram cerca de 1.600 pessoas na Alemanha e na Suíça de língua alemã também mostra que 20% dos entrevistados concordam parcialmente com uma dessas teorias, enquanto 70% não acreditam em nada.
“Esses números não são surpreendentes”, comenta Pascal Wagner-Egger, professor da Universidade de Friburgo, que estuda as teorias da conspiração pelo ângulo da psicologia social.
Em pesquisas semelhantes realizadas no início da pandemia, emergiram os mesmos percentuais: 10% dos interrogados estavam convencidos da veracidade de uma teoria da conspiração e 20% acreditavam pelo menos um pouco nela. Estudos sobre histórias de conspiração anteriores ao aparecimento do coronavírus já revelavam os mesmos números, senão números superiores.
Após um ano de pandemia, “estou bastante surpreso que as percentagens não tenham aumentado. Pode ser uma boa notícia”, diz o professor, que, no entanto, nos alerta contra esse tipo de dado.
Por mais interessantes e atraentes que sejam do ponto de vista jornalístico e político, é sempre difícil falar de proporções nesta área. O mundo científico não confia muito nisso. Quando alguém responde “Eu acredito nisso”, é sempre difícil avaliar o que significa.
Perigo
Mesmo sem estudos para comprovar, basta dar uma olhada nas redes sociais para perceber que se trata de um fenômeno generalizado. É difícil não encontrar pelo menos um comentário conspiratório em notícias sobre o coronavírus. E isso não é um fato trivial.
“Em nossos estudos, descobrimos que essas crenças estão ligadas a sentimentos anticiência e antivacina. Isso obviamente é um problema durante uma pandemia, já que as vacinas são um instrumento que usamos para deter o vírus”, explica o professor.
A política e a democracia também sofrem. Quando as pessoas começam a acreditar que a maioria dos jornalistas, políticos e cientistas são corruptos, elas perdem a fé nas instituições e isso é acompanhado por tendências violentas na política.
Não é por acaso que essas teorias prevalecem nos extremos do espectro político, em particular na extrema direita, mas também na extrema esquerda, onde acontecem os discursos de vingança contra o sistema.
Cuidado com a difamação
Neste ponto, é bom esclarecer que estamos falando sobre o perigo de “acreditar” em uma conspiração. A história e os eventos atuais provam que existem conspirações reais, mas isso não significa que seja legítimo acreditar em uma conspiração. “São crenças que não levam a lugar nenhum e que são contraproducentes, mesmo que sejamos antissistema, uma vez que não se baseiam em nenhuma prova e, portanto, têm todas as chances de serem falsas”, enfatiza o professor.
Em outras palavras, as conspirações podem acabar sendo corretas (embora a grande maioria delas não seja), mas expor uma conspiração sem apresentar evidências concretas não é nada mais do que difamação.
“Se uma conspiração fosse comprovada, seria apenas graças ao trabalho de verdadeiros investigadores ou pesquisadores, e certamente não graças aos internautas que acreditam em todas as conspirações possíveis e imagináveis”.
De onde vêm as conspirações?
Embora este seja um fenômeno particularmente discutido e visível hoje, a conspiração é muito antiga. Nasceu “sem dúvida quando as sociedades se tornaram sedentárias e começou a luta pelo poder”, explica o professor, que distingue três fatores para explicar o sucesso hoje desfrutado por essas teorias infundadas.
“Além disso, o fosso entre os mais ricos e os mais pobres continua a aumentar. E isso alimenta o discurso conspiratório”
Pascal Wagner-Egger, professor de psicologia social
A primeira, e que já mencionei, é de natureza sociopolítica. Aqueles que são hostis às instituições e ao sistema em que vivemos, como os extremistas políticos, tendem a usar teorias da conspiração para se justificar.
As injustiças e desigualdades sociais também os alimentam. Diversas pesquisas mostram que quanto maiores são as desigualdades em um país, mais as teorias da conspiração encontram terreno fértil, muitas vezes vinculadas a um discurso de vingança por grupos desfavorecidos.
“Embora a pobreza global tenha sido reduzida, está longe de terminar e até aumentou com a pandemia. Além disso, o fosso entre os mais ricos e os mais pobres continua a aumentar. E isso alimenta o discurso conspiratório ”, sublinha o pesquisador.
O segundo fator é psicológico. É de nossa natureza raciocinar de maneira ingênua e não científica, especialmente em situações que provocam ansiedade, como no caso de um ataque terrorista ou de uma pandemia.
Como uma pessoa que confia no método científico deve se comportar ao se deparar com um comentário conspiratório?
O próprio Pascal Wagner-Egger, que muitas vezes se opõe àqueles que apóiam essas teorias nas redes sociais, admite que geralmente é impossível mudar a opinião daqueles que postam esses comentários.
“É como discutir com um fanático religioso. Se você disser a ele para refutar o criacionismo e falar que existem fósseis de dinossauros, ele responderá que o diabo os colocou ali para nos fazer desacreditar do que está na Bíblia. É impossível mudar a opinião de uma pessoa radicalizada demais”, afirma.
Apesar disso, na web, o professor continua a discutir com essas pessoas, apontando erros de raciocínio e alertando-as para que não façam acusações gravíssimas sem provas.
É um exercício que geralmente reforça a opinião do interlocutor, que se sente agredido, mas, segundo o professor, é positivo por dois motivos. Embora improvável, existe a possibilidade de incutir uma dúvida salutar na mente do conspirador. No entanto, isso é principalmente benéfico para outras pessoas que descobrem esses comentários. “Para quem está em posições mais moderadas, pode ser muito útil ler os exageros do discurso conspiratório”, explica ele.
A situação é mais delicada quando o conspirador é próximo, por exemplo, um membro da família ou um conhecido com quem não podemos mais discutir certos assuntos sob risco de dar origem a um conflito.
Nesse caso, podem ser adotadas técnicas, como a da entrevista epistêmica, uma espécie de diálogo socrático. Saber usá-la corretamente é uma arte. A ideia é discutir sem expressar sua opinião. Não dizemos se somos a favor ou contra uma ideia, mas fazemos perguntas ao nosso interlocutor, neste caso o teórico da conspiração, para que ele explique porque e como justifica o que acredita.
“Muitas vezes essas pessoas percebem por si mesmas que sua crença tem uma base muito frágil”, diz Wagner-Egger. “É um sistema utilizado na psicologia humanística e com muito respeito pela pessoa. Raramente vemos isso nas redes sociais, onde as pessoas rapidamente começam a fazer insultos umas às outras”.
O professor dá o exemplo de uma pessoa que caminha sozinha pela floresta à noite: se ouve um barulho, imediatamente tende a pensar que é um predador ou alguém que quer causar mal.
É assim que nosso cérebro evoluiu. Nossos ancestrais mais paranóicos são aqueles que sobreviveram, pois houve um tempo em que pensar no pior imediatamente poderia salvar nossas vidas. Não é mais o caso, mas esse comportamento permaneceu.
“Vários estudos mostram que vieses cognitivos, essa forma de pensar para sobreviver, acentuam crenças, não só em conspirações, mas também no paranormal: perceber fantasmas ou intenções humanas onde não existem. Tudo vem do nosso passado como espécie ”, explica Pascal Wagner-Egger.
Para entender o fenômeno geral, nos dias de hoje, ainda é preciso considerar o elemento Internet, onde não apenas essas teorias podem se espalhar a uma velocidade vertiginosa, mas também permanecerão registradas. Ao pesquisar informações sobre uma teoria da conspiração, facilmente nos deparamos com teorias semelhantes que circularam no passado e foram atualizadas e voltaram. Sem a web, elas teriam sido esquecidas.
Um retorno ao normal
As soluções para combater a teorias da conspiração são encontradas justamente onde elas prosperam. Reduzir as desigualdades sociais e a corrupção do Estado, garantir um jornalismo imparcial e a divisão de poderes são métodos úteis para combater este fenômeno.
Do ponto de vista psicológico, Pascal Wagner-Egger acredita que a solução está na educação, ensinando os jovens a serem críticos, a não confiar imediatamente e a verificar as informações. Podemos ficar fascinados pelo estranho e pelo desconhecido, é engraçado, mas sem provas concretas corremos o risco de cair na armadilha.
Embora com o fim da pandemia a tendência indique que veremos menos conspirações na web, os “fatos alternativos” continuarão sendo uma questão importante com a qual teremos que lidar por algum tempo. Ainda que atitudes estejam sendo tomadas para conter a desinformação, através de algoritmos ou bloqueios nas contas de quem divulga teorias infundadas nas redes sociais.
“Nunca é bom censurar, mas se pegarmos o exemplo do Twitter ou do Facebook, acho que não se pode dizer que é censura de verdade, porque são serviços privados e quem foi banido sempre pode ir para outro site” , explica o pesquisador. “É sobre limpar o discurso público dessas ideias e trazê-las de volta para onde estavam antes da internet: nos livros de conspiração de nicho.”
Em suma, seria um retorno ao normal. “Na situação atual, essas teorias têm sido oferecidas a um grande público, dando-lhes mais peso do que realmente têm”, conclui Pascal Wagner-Egger.
Adaptação: Clarissa Levy
Adaptação: Clarissa Levy
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