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Quando o Estado esconde seus próprios cidadãos

AFP

Os Estados Unidos foram pioneiros para garantir a proteção de testemunhas. Desde 1971, existe o programa WITSEC, adaptado, no entanto, à emergência de novas formas de criminalidade como as gangues e o terrorismo internacional.

Joseph Valachi morreu na prisão de um infarto em 1971, aos 69 anos. A cabeça desse mafioso de Nova York valia 100.000 dólares por ter violado a “omerta” (a lei do silêncio), aceitando colaborar com a polícia. De nacionalidade estadunidense, ele beneficiou da proteção do governo americano. Quando compareceu para testemunhar, ele tinha uma  escolta de 200 homens. Na prisão, ele foi isolado de outros detentos e só teve contato com o FBI e o pessoal penitenciário.

O caso provocou a criação, em 1971, do programa de proteção de testemunhas WITSEC, que permite garantir a segurança das pessoas que colaboram com as autoridades. Podem ser vítimas inocentes ou de testemunhas oculares. Porém, em 95% dos casos são criminosos, conforme um estudo da Universidade Rutgers publicado em 2010. Eles aceitam descrever o funcionamento interno das organizações a que pertencem e denunciar os ex-colegas em troca de uma redução de pena.

Eles têm de proteção durante o processo e na prisão. “Existem sete penitenciárias com uma centena de vagas destinadas a esses detentos”, afirma Jack Donson, que trabalhou em uma delas e agora é professor na Universidade de Marywood. “Nessas espaços de segurança, eles são chamados pelas iniciais, ficam numa cela individual e são submetidos aos detectores de mentira para verificar se não está lá para assassinar uma outra testemunha”, acrescenta.

Desde sua criação, em 1971, o programa americano de proteção de testemunhas  (WITSEC) prestou assistência a 18.400 pessoas, 8.500 testemunhas e 9.900 familiares. As estimativas iniciais previam 438 testemunhas por ano.

Por conseguinte, o volume de pessoas cobertas por WITSEC não cessa de aumentar. Passou de 15.229 a 17.108 pessoas entre 1995 e 2003, alta de 12%. Entre eles, estão aproximadamente 500 pessoas presas e o restante em liberdade.

As informações fornecidas por essas testemunhas permitiram condenar 10 mil criminosos. Nenhuma testemunha protegida pelo programa foi morta ou ferida até agora.

Uma vida inventada

Ao sair da prisão, eles recebem uma nova identidade e mudam de cidade. Inventa-se também uma carreira profissional e um acompanhamento médico. “Eles podem escolher três cidades para se instalar”, precisa Jack Donson. De preferência, pequenas cidades isoladas ou na periferia, que é anônima. Nem sempre é fácil de relocalizar discretamente um membro de uma gangue coberto de tatuagens ou um mafioso com forte sotaque de Nova York. “Se não é possível encontrar um lugar apropriado, eles são reinstalados no estrangeiro.”

Eles podem levar parentes próximos como os filhos ou o cônjuge, mas devem comprometer-se a contar o contato para sempre com o resto do meio”, explica Gerald Shargel, advogado de Nova York experiente em processos ligados à máfias. Eles também recebem ajuda financeira (aproximadamente 60.000 dólares por ano) durante os primeiros anos e ajudar para encontra emprego. Se necessário, podem obter apoio psicológico.

Essa “morte social” é difícil de suportar. “Muitas testemunhas têm dificuldade a cortar as relações com suas comunidades de origem e recomeçar do zero”, afirma Alan Vinegrad, advogado e ex-promotor de Nova York, especialista de casos criminais.

A testemunha deve frequentemente renunciar a qualquer ambição profissional. “Não é raro ter de reconverter pessoas de profissão liberal em operários não-qualificados”, sublinha Organização das Nações Unidas Contra a Droga e o Crime (UNODC) em relatório publicado em 2008.

O Parlamento suíço aprovou em 2011 a lei para o programa de proteção de testemunhas, em vigor de janeiro de 2013.

Custos previstos: 2 milhões de francos por ano, divididos em partes iguais entre as autoridades federais e cantonais.

Cada cantão (estado) dará uma contribuição financeira ao programa, proporcional à sua população. Cabe aos promotores solicitar à Polícia Federal a proteção de uma testemunha.

A proteção termina quando se considera que não há mais risco que provocou a decisão de proteção de uma pessoa ou quando ela viola os termos do acordo, tornando impossível garantir sua proteção. A proteção também pode terminar a pedido da testemunha.

A lei inclui a possibilidade de proteção em outro cantão que não seja o de residência para testemunhas de nacionalidade estrangeira na Suíça. Também é possível que testemunhas no estrangeiro incluídas no programa de proteção obtenham autorização para se estabelecer na Suíça.

Risco de reincidência

“Um certo número de testemunhas renunciam ao programa”, afirma  Gerhard Van Rooyen, especialista da proteção de testemunhas na UNODC, “mas eles sobrevivem raramente ao retorno à comunidade”. Mais de 30 testemunhas foram assassinadas depois de deixar o WITSEC.

Acontece também que certas testemunhas coloquem em perigo o novo ambiente em que se instalam. “Alguém que foi criminoso durante toda a vida terá muita dificuldade em muda de repente”, observa  Gerald Shargel. O caso de Marion Pruett ilustra essa situação. Preso por um assalto à mão armada, ele foi liberado com uma nova identidade e reinstalado no Novo México em 1979, depois de ter testemunhado sobre um assassinato cometido por um coprisioneiro. Ele aproveitou de sua nova liberdade para matar oito pessoas, inclusive a mulher dele.

Outro caso é o do mafioso de Nova York Sammy Gravano, reinstalado em 1995 com sua família no Arizona, foi preso em 2000 por tráfico de ecstasy. Apesar desses casos muito abordados pela mídia, “a taxa de reincidência entre as testemunhas protegidas é de apenas 17%, muito mais baixa do que os 40% entre os presos com liberdade condicional”, precisa Alan Vinegrad.

Acabou o código de honra

O programa de proteção de testemunhas nasceu nos anos 1970 para quebrar a “omerta” da máfia italiana, no ápice de seu poder, mas foi posteriormente estendido a outros tipos de criminosos. Nos anos 1980, ele serviu para recolher informações sobre os cartéis de droga e, nos anos 1990, para lutar contra a explosão das gangues nas cidades americanas. Desde os atentados de 11 de setembro de 2001, para lutar contra o terrorismo islamita.

Isso coloca certos problemas. “Os membros da máfia seguem um código de honra e só atacam os membros da organização”, afirma Jack Donson. “Não é o caso das gangues em que os membros são menos disciplinados, não seguem as regras e, às vezes, são viciados em drogas.”

Quanto às testemunhas nos casos de terrorismo, são geralmente estrangeiros. “A inclusão destes no programa implica obter uma permissão de estadia nos Estados Unidos”, afirma Tarik Abdel-Monem,  pesquisador na Universidade do Nebraska, que estuda a  questão.  “Ora, frequentemente as promessas feitas pelo Ministério da Justiça não são cumpridas pelos serviços de imigração.”

Ele cita o caso de Adnan Awad, um palestino que colaborou com a justiça suíça, depois americana nos anos 1980, depois de ter renunciado a colocar uma bomba no hotel Hilton, em Genebra. “Os Estados Unidos lhe prometeram um passaporte americano em troca de sua ajuda, mas o passaporte não veio”, afirma.

Outra evolução que fragiliza o programa de proteção de testemunhas é a internet. “Tornou-se muito mais fácil encontrar alguém através das redes sociais e muitos bancos de dados estão  on line”, conclui Gerhard Van Rooyen.

Adaptação: Claudinê Gonçalves

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