Quem necessita da imprensa livre?
Defender a liberdade da informação é a missão da Repórteres sem Fronteiras (RFS). Para comemorar o 20º aniversário da swissinfo.ch, ressaltamos o trabalho de uma organização não-governamental em prol da liberdade de imprensa.
Uma menina com os cabelos presos olha por cima dos ombros o fotógrafo, tentando não perder o equilíbrio enquanto segura uma mochila pesada só por uma alça. Um menino, na segunda foto, posa para a câmera. A cor rosa da camiseta, estampada com a ilustração de um homem musculoso, combina com o algodão-doce embalado em sacos que segura na mão direita.
As duas fotos foram tiradas em Aleppo, na Síria, mas com uma diferença de cinco anos entre elas. O mundo intacto da menina – estaria ela a caminho da escola subia por essa viela? A imagem contrasta fortemente com a do jovem. Não é a sua camiseta ou os doces que capturam a atenção. Pelo contrário: são as muletas em que ele se apoia, pois tem apenas uma perna; a outra foi amputada. A imagem de 2015 nos faz lembrar que crianças inocentes são as verdadeiras vítimas da guerra.
As duas fotos fazem parte da coleção do jornalista sírio Maher Akraa. Elas mostram Aleppo antes e depois do conflito. Akraa ama sua cidade natal, mas está impedido de retornar a ela. Depois de ser ameaçado de morte pelo trabalho de cobrir a guerra e o envolvimento das diferentes facções políticas, foi obrigado a pedir asilo na Suíça.
A gota de água veio quando quis pegar um voo na Turquia em direção à Genebra, onde iria cobrir as negociações de paz na Síria. Antes da partida foi preso e teve seu passaporte, com o visto para a Turquia, e outros documentos confiscados. Depois foi autorizado a embarcar, mas o voo acabou se transformando em uma deportação.
Ao chegar em Genebra, entrou em contato com a Repórteres sem Fronteiras.Link externo Desde então eles o apoiam.
Comemorações do aniversário da swissinfo.ch
Em 20 de novembro a swissinfo.ch comemora seu vigésimo aniversário. E para isso organiza um debate sobre a confiança nas mídias e o desafio de defender a liberdade de imprensa. O evento conta com a participação da seção suíça da ONG Repórter sem Fronteiras (RSF).
No programa, os jornalistas Maher Akraa (Siria) e Umut Akar (Curdistão) falarão sobre sua experiencia e exílio na Suíça. A premiada jornalista maltesa Caroline Muscat, Daniela Pinheiro, uma das mais conhecidas repórteres investigativas do Brasil, e Galina Timchenko, fundadora de um site de dissidentes russos, explicarão como a mídia pode lutar contra governos cada vez mais hostis à imprensa.
Dale Bechtel, membro da redação-chefe, falará sobre a reconquista do leitor em tempos de “fake news”, um problema enfrentado por mídias em todo o globo.
“Eles me mostraram quais eram as minhas opções e que ajuda poderia ser dada”, explica Akraa. “Foi muito importante, pois não tinha mais uma forma de sobreviver na Turquia. Eu nem tive a oportunidade de levar os meus poucos pertences quando parti.”
A seção suíça da RSF cobriu os custos legais do jornalista sírio durante o procedimento de asilo e ajudou-o a comprar um computador, permitindo que retornasse à profissão. Então Akraa abriu sua própria agência de notícias, a Brocar PressLink externo, especializada em cobrir os últimos acontecimentos na Síria e no Oriente Médio.
O apoio a jornalistas como Akraa é um dos quatro pilares da ong. Ela também atua na proteção de jornalistas através de treino, emprestando coletes à prova-de-bala ou mesmo fazendo lobby nos governos para que respeitem as liberdades básicas e combatam a censura na internet.
Para sensibilizar o grande público para as ameaças, RFS publica anualmente o seu relatório World Press Freedom Index (n.r.: índice de liberdade de imprensa no mundo)
Denis Masmejan, diretor da seção suíça da RSF, afirma que o relatório deste ano detalha como a situação para os jornalistas deteriorou no mundo. “Inclusive na Europa, até pouco considerada uma região segura para os jornalistas. Porém onde hoje existem jornalistas que correm também risco de vida ao exercer a profissão.”
A RFS destaca atualmente o caso ainda não solucionado da jornalista Daphne Caruana Galizia, em Malta, que morreu após a explosão de um carro-bomba em 2017 depois de publicar artigos sobre a corrupção e as investigações relacionadas aos documentos do caso Panamá Papers.
A seção suíça da RFS também pressiona o governo suíço para que use os canais diplomáticos e tome uma posição mais firme em relação à Arábia Saudita, responsável pelo assassinato, em 2018, do jornalista Jamal Ahmed Khashoggi. Ela também luta para garantir a libertação imediata de 30 jornalistas, blogueiros e colunistas sauditas que teriam sido presos arbitrariamente.
No começo do ano, a Suíça optou por participar de uma condenação coletiva do assassinato de Khashoggi, assinada por todos os países membros da União Europeia e outros.
A Suíça está nas primeiras posições (6a, em 2019) no índice de liberdade de imprensa. Essa posição, explica Masmejan, é motivo de sobra para manter a nação alpina nos mais altos padrões.
“Embora a liberdade de imprensa seja geralmente bem defendida e as violações não seja comparáveis às vistas em países autocráticos, também há situações onde precisamos intervir”, lembra Masmejan. A RFS condenou dois ataques físicos a jornalistas neste ano durante protestos em Genebra e Zurique.
Em um caso de longa duração, ela defendeu o jornal francófono “Le Nouvelliste” ao solicitar a Christian Constantin, presidente do clube de futebol F.C. Sion, que encerrasse o boicote ao jornal devido à cobertura crítica. Não apenas os jornalistas estavam proibidos de participar dos jogos e coletivas de imprensa, mas até os empregados e jogadores não podiam conversar com repórteres.
“Para que a liberdade de imprensa sobreviva, é preciso que seja vivida ao máximo, em qualquer lugar e momento”, defende Masmejan.
Adaptação: Alexander Thoele
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