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Uma suicinha entre os voluntários

A voluntária suíça Jessica Stauffer posando na praia de Ipanema. Urs Jaudas

Aproximadamente cem dos 50 mil voluntários que participam dos Jogos Olímpicos de Verão vêm da Suíça. Um deles conta como se transformou em um balcão ambulante de informações durante o evento. Jessica Stauffer relata, do Rio de Janeiro.

Rapidamente eu era apenas a “suiçinha”. Talvez vocês saibam que os brasileiros têm a tendência a usar os diminutivos: as palavras são utilizadas sempre com essas terminações como “-inho” ou “-inha”. “Suíço” significa “Schweizer” e eu era a “pequena suíça” (die kleine Schweizerin) na equipe de relações internacionais (ISP) dos voluntários durante o campeonato de tênis, responsável pelo protocolo e idiomas. Parecia mais complicado do que deveria ser, mas eu conto mais adiante.

Eu me lembro bem do dia em que meu pai me contou que já poderia me inscrever como voluntária para a Rio-2016. Eu fiquei imediatamente em estado de alarme, pois o evento já me fascinava há muito tempo e eu sempre quis participar. Também tenho um passaporte brasileiro, tenho muitos parentes por lá e falo o idioma. Nesse momento sabia: essa é a minha chance, uma que só vem uma vez na vida. Minha determinação aumentou ainda mais quando ficou claro que meu pai viajaria ao Rio de Janeiro como repórter de esportes do jornal “Tages-Anzeiger”.

Longo caminho ao Rio

Quando abri em 30 de agosto de 2014 a minha conta no portal dos voluntários, foi o início de um longo processo de seleção. Dos 300 mil candidatos, 50 mil foram aceitos. O processo seletivo durou mais de um ano. Nesse meio tempo tive de passar por diferentes etapas, todas elas através da internet. Nós tivemos um programa online de treinamento, no qual eu precisava mostrar como reagir à determinadas situações no estádio. Também houve testes de francês e inglês.

Ligeiramente irritante foram as duas entrevistas em grupo com a câmera de vídeo. Haviam participantes de muitos países como Índia, EUA e Brasil. Quando a ligação finalmente completou, tive de me apresentar e falar dos meus atletas preferidos. Eu citei o Roger Federer. Então me surpreendi quando uma voluntária no Rio de Janeiro se aproximou e disse que se lembrava de mim, da suíça que participou daquela videoconferência. O fato de estar na mesma equipe foi uma grande coincidência.

Câmera de vídeo e WhatsApp

Antes de receber a resposta positiva, em novembro de 2015, já precisava organizar o meu voo, pois senão seria tarde demais e as passagens já estariam bem mais caras. Os voluntários também precisavam organizar a sua própria hospedagem. Por sorte tinha conhecidos em Copacabana, onde poderia morar. Apesar das pessoas credenciadas como eu poderem utilizar a linha 4 do metrô, geralmente abertas apenas para torcedores com bilhetes de entrada, o trajeto para o Parque Olímpico durava mais do que o percurso de trem entre Frauenfeld e Berna.

Em março de 2016 recebi a apresentação para o meu posto de trabalho, indicações sobre as condições de saúde, segurança e organização. O trabalho para nos selecionar e preparar era enorme, se você pensar que minha missão duraria apenas oito dias e terminaria no final do torneio de tênis. Rapidamente um grupo no WhatsApp foi formado com os meus futuros colegas voluntários. Eram 95 pessoas. Por vezes recebíamos mensagens a cada segundo, antes mesmo de ter viajado ao Brasil.

Eu cheguei na noite da abertura das Olimpíadas. Primeiro tive de buscar a minha identidade e o uniforme: três camisetas, duas calças, um par de calçados, três pares de meias, cinto, capa de chuva, uma bolsa moderna, chapéu e uma garrafa de água. Tudo com o logotipo da Rio-2016. E tudo ficaria conosco. Porém o domingo decorreu de forma caótica. Quando cheguei no Centro Olímpico de Tênis ninguém sabia onde precisava ir. As pessoas me levaram de lá para cá, até que em algum momento encontrei outro voluntário perdido.

A partir do segundo dia a situação melhorou. Nosso trabalho era de se ocupar da “família olímpica”, ou seja, acompanhar as pessoas credenciadas aos seus setores especiais ou camarotes. Nós precisávamos controlar para que elas tivessem o número 6 no crachá e que as diferentes subcategorias (F, H, O) fossem respeitadas. Na fase final, chegamos aos limites das nossas capacidades. Na semifinal do Nadal contra o Del Potro havia uma quantidade enorme de pessoas com o número 6. Algumas tivemos de barrar, o que não as deixava muito satisfeitas, 

Como ir a Itaquaquecetuba?

Bem legal foi o fato de ter conhecido tanta gente e feito amizades. A união entre nós era forte, apesar de sentir pena de cada voluntário que não falava o português. Noventa e cincos por cento das conversas ocorriam em português, assim como os nossos chats via WhatsApp. Também era muito bom o fato de poder ver algumas partidas. Eu ganhei duas entradas para a esgrima. Nós chegamos também muito perto dos atletas: Serena Williams, Murray e Djokovic passaram bem perto de mim. Foi só uma pena o Federer e o Wawrinka não terem vindo.

Trajar um uniforme também tem as suas desvantagens: cada um pensa que você é um balcão ambulante de informações. Uma pessoa me perguntou se eu poderia arrumar para ela um autógrafo do Nadal. Também no metrô ou na cidade as pessoas me perguntavam o tempo todo alguma coisa: a que horas parte o próximo ônibus para Itaquaquecetuba? De onde?

Ser voluntário nas Olimpíadas foi uma experiência emocionante, que eu desejo para todos, mesmo se deu muito trabalho. Além do meu uniforme, vou levar do Rio de Janeiro muitas lembranças e a descoberta que os jogos aproximam e unem as pessoas.

O momento mais marcante foi quando vi pela primeira vez alguém receber uma medalha de ouro. Era a Monica Puig, que ganhou a primeira medalha de ouro para o seu país. Nunca mais vou esquecer o momento em que a bandeira de Puerto Rico foi içada.

* Relato registrado por René Stauffer e publicado, em 18 de agosto de 2016, no jornal Tages-AnzeigerLink externo.

 Refugiados e 30% de ausência

Os organizadores da Rio-2016Link externo previam a participação de 70 mil voluntários, número reduzido para 50 mil por limitações financeiras. Eles participam não apenas dos Jogos Olímpicos, mas também dos Paraolímpicos, e vêm de 156 diferentes países. 80% são brasileiros.

38 refugiados que vivem no Brasil participam como voluntários das Olimpíadas. Sua participação é uma iniciativa da ONU e Caritas.

Os voluntários atuam em 500 diferentes funções, dentre elas costureiro, maquiladores de cavalos e profissionais do setor de saúde para ajudar nos controles de doping.

Os voluntários foram divididos em nove categorias: serviços, esporte, imprensa e comunicação, ajuda operacional, cerimonial, protocolo e línguas, saúde, tecnologia e transporte.

Segundo o Comitê Olímpico Brasileiro (COBLink externo), 30% dos voluntários aceitos não compareceram para assumir suas posições. Os motivos não foram esclarecidos, mas estima-se que a crise econômica no Brasil tenha tido um papel nas desistências. Os preços no Rio de Janeiro são elevados e os voluntários custeiam do próprio bolso a sua estadia.

Adaptação: Alexander Thoele

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