Derretimento das geleiras torna Alpes mais perigosos
O derretimento das geleiras desestabiliza as encostas das montanhas e aumenta o risco de deslizamentos de terra e inundações. No entanto, abre também novos cenários para o turismo nos Alpes.
É um dia quente de verão, sem uma gota de chuva. Os restaurantes locais preparam o jantar, enquanto os turistas apreciam o ar fresco da montanha enquanto passeiam nesse espaço povoado por típicos chalés suíços. Em ZermattLink externo, ao pé da montanha Matterhorn, não há nada que sugira que o tranquilo riacho que atravessa o povoado esteja prestes a se transformar numa impetuosa massa de água e lama.
A inundação do riacho Triftbach não provocou mortes, mas danificou muitas residências e a infraestrutura local. Originalmente, um lago subterrâneo formado no pé de uma geleira se esvaziou repentinamente O prefeito de Zermatt, Romy Biner-Hauser, qualificou o fenômeno de “um capricho imprevisível da natureza”.
“É extremamente difícil detectar esses fenômenos com antecedência”, analisa Christophe LambielLink externo, professor da Universidade de Lausanne. Porém esse especialista em geomorfologia acredita que o aquecimento global irá aumentar a probabilidade de novas catástrofes naturais. “Alguns vilarejos alpinos estão ameaçados”, diz.
Por que as geleiras são importantes?
Desde os picos dos Alpes até as planícies: uma série de artigos publicado no site da swissinfo.ch ilustra as consequências do derretimento das geleiras em diferentes altitudes e apresenta as estratégias de adaptação e proteção.
3000 – 4500 metros: as geleiras alpinas e a paisagem
2000 – 3000 metros: turismo e riscos naturais
1000 – 2000 metros: produção hidroelétrica (outubro)
0-1000 metros: recursos hídricos (novembro)
Riscos escondidos na geleira
As altas temperaturas e sobretudo as contínuas ondas de calor aceleram o derretimento da neve e do gelo nas montanhas. Por consequência, lagos podem se formar dentro ou nas proximidades das geleiras.
Os lagos que se formam na superfície de uma geleira são os menos problemáticos. Eles podem ser facilmente monitorados por imagens de satélite ou câmeras ligadas à internet. O Lago Les Faverges, na geleira Plaine Morte, localizada entre os cantões de Berna e Friburgo, 2.700 metros acima do nível do mar, se esvazia naturalmente todos os anos. Um sistema de alerta avisa a população quando o nível do lago começa a cair.
A animação a seguir ilustra o esvaziamento natural do lago:
Para evitar inundações no vilarejo de Lenk e no vale do Simmen os engenheiros alargam constantemente o lago de Les Faverges. Recentemente foi escavado um canal de drenagem artificial no local. O mesmo dispositivo foi usado há cerca de dez anos na geleira de GrindelwaldLink externo, nos Alpes bernenses.
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Nascimento e desaparecimento de um lago glacial
A maior preocupação de Christophe Lambiel são as bolsas de água que se formam no interior da geleira. Esses lagos glaciais podem conter dezenas de milhares de metros cúbicos de água e correm o risco de escorrer para o vale sem aviso assim que a água encontra o seu caminho através do gelo. “Como no caso de Zermatt, você só pode vê-los quando é tarde demais”, observa Lambiel.
Tentar encontrá-los por meio de sondas seria “demasiado complicado e caro”, declarou Raphaël Mayoraz, técnico do governo cantonal do Valais ao jornal Le Nouvelliste. Todavia explica que há soluções alternativas. Por exemplo: utilizar “geofones” (n.r.. instrumentos que “escutam” ruídos na terra através do eco gerado por ondas sísmicas e movimentos subterrâneos). Outra alternativa seriam sensores que medem o fluxo de água em córregos.
Lagos glaciais e turismo
Os novos lagos de montanha que se formam graças ao derretimento das geleiras não representam apenas a possibilidade de catástrofes naturais. O surgimento dessas bacias hidrográficas subterrâneas também pode servir de atração turística.
Segundo um estudo publicado em 2014Link externo, centenas de novos lagos com uma superfície total de mais de 50 quilômetros quadrados poderiam ser formar nos Alpes suíços. Esses lagos glaciares “melhoram a paisagem”, ressalta o estudo. Pontes suspensas (como a “Trift” nos Alpes bernenses), as chamadas “Vias ferratas” (trilhas especiais nas montanhas feitas com estruturas de metal) e trilhas educativas podem ser as novas atrações para os fãs dos Alpes.
Montanhas instáveis
A instabilidade dos lagos de montanha não constitui a única ameaça para os vilarejos alpinos, mas também para as estradas e a infraestrutura.
“À medida que as temperaturas sobem, as geleiras “suspensas” em encostas muito íngremes perdem aderência e correm o risco de causar avalanches de gelo. Esse fenômeno foi observado na região de Saas-GrundLink externo no cantão do Valais, em 2017″, lembra-se Lambiel.
O recuo das geleiras e, em particular, o degelo do permafrostLink externo (n.r: a camada de terra, gelo e rochas permanentemente congeladas no topo das montanhas.) a uma altitude de mais de 2.500 metros – desestabilizam as encostas das montanhas. Grandes massas de rochas em movimento podem mover-se sob a influência da água nos Alpes, adverte a Sociedade Suíça de GeomorfologiaLink externo.
Rochas sobre as trilhas
A mudança na paisagem alpina é um desafio diário para os abrigos alpinos (casas mantidas nas montanhas para abrigar viajantes que percorrem as trilhas nas montanhas). Aproximadamente um terço dos 153 abrigos mantidos pelo Clube Alpino Suíço (SACLink externo, na sigla em alemão), estão próximas de uma geleira.
Os montanhistas interessados em se abrigar na cabana “TriftLink externo“, que já foi acessível por uma trilha próxima à geleira local, precisam hoje atravessar por uma ponte suspensa, hoje uma conhecida atração nos Alpes. Devido às mudanças climáticas, também o acesso à cabana do Monte Rosa também foi completamente modificado. A nova rota é mais segura, curta e requer menos manutenção, explica o site do SAC.
Quando não é possível encontrar uma rota alternativa, os técnicos SAC são chamados para desobstruir as trilhas. René Wyss, responsável pela manutenção, explica que se trata de um trabalho árduo e perigoso na encosta das montanhas.
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Retirando rochas das trilhas alpinas
Montanhas mais perigosas?
Christophe Lambiel visita muitas vezes as regiões de montanhas. O professor da Universidade de Lausanne considera que o risco criado pelas geleiras hoje é “provavelmente menor” do que era há 150 anos. A razão é simples. “As geleiras são menores e, portanto, há menos gelo”, diz, lembrando alguns grandes desastres do século passado, dentre eles o da represa do lago de Mattmark, no cantão Valais, em 1965, onde morreram 88 pessoas.
“Sabemos quais são as geleiras mais problemáticas na Suíça”, ressalta Lambiel. No cantão do Valais há duas delas consideradas problemáticas: Trift e Weisshorn, acima nas montanhas de Zermatt.
Embora a Suíça dispor de umas das melhores redes de medição, sistemas de vigilância e alertas do mundo, o pesquisador considera importante ser cauteloso ao visitar a área. “Não podemos controlar tudo. Aconselho os montanhistas a estarem vigilantes e a tomar todas as precauções possíveis, especialmente quando está fazendo muito calor.”
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Neve artificial para salvar as geleiras dos Alpes
Adaptação: Alexander Thoele
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