Serviço militar para mulheres cai em esquecimento
A possibilidade de adotar o serviço militar obrigatório para as mulheres chegou a ser proposta no âmbito da reforma do exército suíço. Na prática, é mais fácil dizer do que fazer.
No início deste ano, o general de brigada suíço Denis Froidevaux fez manchetes dizendo que apoiava o serviço militar obrigatório para as mulheres. Em março, o ministro da Defesa da Suíça, Ueli Maurer, levou a questão ao parlamento do país em discussão sobre a modernização do serviço militar, argumentando que o ingresso das mulheres no exército “motiva as tropas”.
No entanto, os números resumem bem a situação: das 170.553 pessoas que servem o exército de milícia da Suíça, apenas 1.061 – ou 0,6% – são do sexo feminino.
Isso faz das mulheres em uniforme uma minoria exótica, uma realidade que a tenente Mona Kräuchi vive todos os dias.
“Você tem que estar ciente de que você vai ficar fora”, conta a comandante de pelotão de 21 anos e especialista em armas antiaéreas (veja o vídeo abaixo).
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Uma mulher comandante de pelotão
A curiosidade também levou um grupo de cinco moças da mesma escola a assistir um dia de orientação para novos recrutas no cantão de Berna. Ao contrário dos rapazes, elas podem escolher o nível de engajamento e o papel que querem desempenhar no serviço militar.
Todas as suíças recebem uma carta aos 18 anos comunicando que elas são bem-vindas a ingressar no exército, se desejarem. Elas podem servir ao lado dos homens desde 1995 e todas as unidades orgânicas foram abertas a elas desde 2004.
O interesse das jovens pelo exército varia bastante de uma a outra, mas todas concordam que o serviço militar feminino obrigatório não é o caminho a seguir para a Suíça (veja o vídeo abaixo).
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Dia de informação
Questões jurídicas e opinião pública
Sibilla Bondolfi escreveu sua dissertação da faculdade de direito sobre o tema do serviço militar obrigatório para as mulheres e concluiu que, do ponto de vista legal, requerer o alistamento militar só dos homens vai contra a proibição da discriminação, inscrita na Constituição suíça.
“O alistamento feminino nunca foi uma questão levada a sério na Suíça”, diz Bondolfi. “E continua sendo assim, tanto no nível legal quanto político, embora seja evidente que há uma desigualdade jurídica estabelecida entre os sexos”, afirma.
Mas, numa democracia direta, tudo se resume à opinião pública. Tibor Szvircsev Tresch é sociólogo militar na academia militar do Instituto Federal de Tecnologia da Suíça ETH Zurich, onde também é professor. Ele realiza um estudo anual sobre a opinião pública relacionada ao serviço militar, que indica que o apoio ao alistamento feminino tem sido de apenas 30% – uma tendência que continua em 2015.
“O serviço militar obrigatório para as mulheres não tem muita chance, nem nas discussões políticas”, diz, acrescentando que a comissão parlamentar criada para examinar o sistema militar suíço, após o fracasso de uma iniciativa de 2013 para acabar com o serviço militar obrigatório, deve principalmente tentar ajustar o sistema atual para os homens.
Outras opções
Além do serviço militar feminino obrigatório, outras questões estão sendo discutidas na reforma, como a possibilidade de se criar um serviço geral para todos os cidadãos suíços que poderiam escolher entre uma gama de opções de serviços, incluindo o militar.
Esse modelo tem sido defendido por muitos, incluindo o maior grupo de reflexão da Suíça, o Avenir Suisse, e chegou a receber 59% de apoio público, em 2013. No entanto, esse apoio diminuiu ligeiramente nos anos seguintes, de acordo com Szvircsev Tresch.
Por outro lado, o percentual de pessoas que querem manter o sistema de serviço militar atual, apenas militar e obrigatório só para homens, aumentou em mais de 10% desde 2013, quando se situou em 48%.
Papéis de liderança
No entanto, o exército continua valorizando e investindo no alistamento de mulheres, já que 75% delas acabam em posições de liderança.
Anita Schjølset é uma pesquisadora militar da Noruega, país que acaba de se tornar o primeiro na Europa a aprovar o serviço militar obrigatório para as mulheres. As primeiras recrutas femininas da Noruega vão começar a servir em outubro.
Proporcionalmente, há mais de dez vezes o número de mulheres no exército norueguês do que no exército suíço. Mas de acordo com Schjølset, as militares da Noruega não alcançam os cargos mais elevados, ao contrário das suas colegas suíças.
“Há poucas mulheres em posições de liderança, e mais em posições de atendimento”, diz. “As mulheres não buscam posições de liderança em geral.”
Currículo
Já para a tenente Mona Kräuchi, bem como para muitas de suas colegas do exército suíço, o serviço militar representa também uma boa referência para o currículo na hora de procurar um emprego civil.
No entanto, na Noruega – que completou um século de sufrágio feminino em 2013 e tem 40% dos postos reservados às mulheres – o exército representava o último bastião da desigualdade feminina e, portanto, não é visto como um empregador atraente para mulheres com tantas escolhas.
“O mercado de trabalho norueguês é muito atraente para as mulheres. Então, por que você vai querer ficar no exército, se você tem que fazer o seu trabalho duas vezes melhor do que seus colegas do sexo masculino para ser aceita?”, questiona Schjølset.
De acordo com a pesquisadora norueguesa, exigir o serviço militar para ambos os sexos foi mais uma medida destinada a acabar com essas desigualdades e recrutar mais mulheres para funções militares. Por sua vez, Froidevaux, o general suíço que levantou a questão do serviço militar obrigatório para as mulheres, considera o exemplo norueguês “interessante”, citando-o como uma possível fonte de inspiração para a Suíça.
Porém, há diferenças fundamentais na forma como os sistemas militares dos países são organizados. Na Noruega, nem toda mulher recrutada acaba servindo. Isso porque, ao contrário do suíço, o exército norueguês fica com apenas uma porcentagem do contingente, escolhida para o serviço com base nos resultados dos testes.
História: Mulheres no exército suíço
As suíças foram autorizadas, incentivadas e às vezes até mesmo obrigadas a servir para a Cruz Vermelha, a partir de 1903, estando presente em grande número durante, e entre, as duas guerras mundiais.
Mais tarde, as mulheres passaram a assumir um papel no serviço militar através do chamado “serviço de ajuda das mulheres militares”, fundado durante a Segunda Guerra Mundial para se separar da Cruz Vermelha, oferecendo uma opção de serviço militar às mulheres. Uma série de reformas nesse serviço ocorreu na década de 1980, permitindo a formação militar e a criação de fileiras paralelas para as mulheres.
As mulheres foram integradas ao exército em 1995. Até 2004, certas unidades de combate não eram abertas às mulheres. Desde então, as mulheres têm sido autorizadas a realizar qualquer papel em que se qualifiquem, através dos mesmos testes físicos para os homens e com os mesmos requisitos mínimos. Também a partir de 2004, as mulheres passaram a receber automaticamente uma arma de serviço.
Adaptação: Fernando Hirschy
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