Proibição da prostituição gera polêmica acirrada
Uma pequena organização não-governamental de Zurique conseguiu provocar um grande debate com uma campanha pela proibição da prostituição seguindo o modelo sueco. Na Suíça, o trabalho sexual é considerado uma profissão "correta".
“Suécia e Suíça são sempre confundidas uma com a outra. Talvez vocês suíços não tenham problema com isso, mas nós temos.” É assim que se apresentam os suecos participantes de um vídeo de campanhaLink externo para a Central das Mulheres de Zurique (Frauenzentrale Zurich). Em 28 de junho, a pequena organização não-governamental lançou uma campanha para introduzir na Suíça o modelo sueco, onde o uso de serviços sexuais é proibido e os clientes são punidos.
A Suíça, no entanto, encontra-se entre os países mais liberais do mundo quando o assunto é comércio sexual: fornecimento e consumo de serviços sexuais são permitidos, bem como prostituição nas ruas, saunas e bordéis. A prostituição aqui é considerada uma profissão, as prostitutas pagam impostos, e são geralmente consideradas autônomas.
“Como isso pode ser legal?”, pergunta um ator no vídeo. “É claro que tudo que traz dinheiro é legal na Suíça”, explica outro. “Vocês suíços ainda vivem na Idade Média.”
Uma mensagem da Suécia para a Suíça:
Outras organizações não-governamentais, no entanto, lançaram uma contra-campanha, “Trabalho sexual é trabalho”Link externo, que é contra a proibição e defende os direitos das trabalhadoras do sexo. Até associações cantonais de igualdade de gênero e centros de aconselhamento se opuseram à demanda do Centro de Mulheres de Zurique.
Cizânia suíço-alemâ
A organização de direitos das mulheres TERRE DES FEMMES Schweiz (TdF) também participa da contra-campanha. Isso provocou o rompimento com a organização-irmã de mesmo nome na Alemanha. “Nós nos distanciamos claramente e sem ambiguidade da declaração da ‘Terre des Femmes Suíça’, onde se lê: ‘O trabalho sexual é trabalho'”, anunciou a Associação Alemã em um comunicado.
A TdF da Alemanha defende ainda mais fortemente que o Centro de Mulheres de Zurique uma proibição da ‘compra’ de sexo (na Alemanha a prostituição também é permitida). “Queremos uma sociedade sem prostituição, porque a prostituição é violência”, disse Inge Bell, da TDF Alemanha, à swissinfo.ch. A prostituição é, segundo ela, um desrespeito às mulheres.
Mas os suíços veem a questão de outra forma: na campanha “o trabalho sexual é trabalho”, assume-se que direitos iguais significam direitos iguais para todas as pessoas, inclusive para profissionais do sexo. Eles têm direito à autodeterminação e liberdade de comércio. “A dignidade de todas as pessoas deve ser preservada, mesmo a de pessoas que realizam trabalho socialmente estigmatizado”, diz o site. E mais: a violência e o tráfico baseados no gênero não são o mesmo que o trabalho sexual.
Por causa dessa discordância, as duas associações até terminaram sua cooperação: “Ambas as organizações estão em processo de separação”, confirma Bell. No início, houve diferenças porque a seção suíça não apoiou, por exemplo, a campanha pela proibição da burka e do lenço de cabelo, exigidos pela lei islâmica: “Se a política das mulheres se submete ao relativismo cultural e dá a palavra a associações muçulmanas estritamente conservadores – como aparentemente é o caso na Suíça – isso acaba distorcendo todos os esforços por uma melhoria real na igualdade de gênero”, diz Bell. A associação suíça terá, no futuro, que alterar o logotipo e o nome.
Proibição não convence a maioria
A maioria da mídia suíça também reagiu com ceticismo à sugestão feita pela Central de Mulheres de Zurique. A proibição da prostituição seria cara, comentou o diário Tages-Anzeiger: quem quer tornar a indústria do sexo ilegal, deve ajudar as mulheres na busca por novos trabalhos ou pagar-lhes uma reorientação profissional. “Todo o resto seria hipócrita e injusto”.
Enquanto isso, outro jornal, o conservador Neue Zürcher Zeitung, admitiu que “a prostituição é de fato um desrespeito às mulheres, e não contribui para um tratamento mais igualitário entre os sexos.” Mesmo assim, há muitas razões contra a proibição. “Até agora, não ficou provado que a prostituição não desaparecerá ‘por baixo dos panos’ e que as mulheres não serão levadas ainda mais à ilegalidade.”
Apenas o jornal popular Blick – um tablóide que explora tópicos sexuais como nenhum outro jornal e que ainda ganha um bom dinheiro com anúncios de sexo – declarou-se a favor de uma proibição da prostituição. Para ele, o sexo comercial é ‘abuso pago’.
A Suíça vai nadar sozinha contra a corrente?
A reação esmagadoramente negativa à campanha não surpreende a Frauenzentrale Zürich. “Já esperávamos por isso”, diz Andrea Gisler, presidente do Centro. “O comércio sexual com todos os seus efeitos colaterais negativos é muito bem falado na Suíça.” Em outros países, no entanto, organizações de mulheres e lobbies compartilhavam sua postura contra a prostituição. O Conselho da Europa, o Parlamento Europeu e outros países também vêm debatendo a prostituição há muito tempo. O governo suíço também lidou com a questão em 2015, mas chegou à conclusão de que o modelo sueco não impede o tráfico de seres humanos.
É verdade que na Suíça, no último quarto do século XIX, foi criado um movimento moralizador que queria proibir a prostituição. Mas já em 1942, a prostituição era legal na Suíça. E a partir do final do século XX, a prática legal na Suíça era tão liberal que uma quantidade acima do normal de bordéis, em comparação com outros países, foram abertos aqui. Com a introdução da livre circulação de pessoas entre a UE e a Suíça no início do século 21, verificou-se também um grande fluxo de mulheres da Europa Oriental para a Suíça.
A cidade de Zurique reagiu às más condições das prostitutas de rua em 2013 com os “boxes de sexo”. Recursos públicos foram destinados a um ‘parque de prostituição’, onde os clientes podem estacionar seus carros numa espécie de ‘drive-in’, e as prostitutas podem fornecer seus serviços discretamente. Os boxes dispõem ainda de um botão de alarme. Assim como foi feito em relação à política de drogas, o pragmatismo dá mais valor à opção de regular a prostituição em vez de bani-la.
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Feridas históricas e orgulho ferido
Mas como poderia uma pequena organização de direitos das mulheres desencadear tamanha controvérsia com uma demanda que dificilmente tem apoio da maioria da população suíça? Talvez porque o vídeo coloque o dedo em feridas históricas e complexos de inferioridade do país. A campanha teve a impertinência de lembrar que a Suíça havia vendido seus próprios cidadãos como mercenários no exterior e só deu o direito a voto para as mulheres em 1971. “Não vamos esperar décadas até que a Suíça conseguir alcançar a Suécia”, diz o vídeo da campanha.
Andrea Gisler, da Central de Mulheres de Zurique tem sua própria interpretação: o vídeo arranha a auto-imagem do povo suíço, diz ela. “Os suíços se vêem como cosmopolitas, abertos e tolerantes. Mas quando se trata de igualdade, a Suíça nunca foi dos países mais avançados.” Pelo contrário, segundo Gisler os modelos tradicionais ainda estão firmemente enraizados na Suíça. “Estrangeiros que vêm para a Suíça ficam impressionados como as pessoas aqui são caretas.”
Adaptação: Eduardo Simantob
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