“Também se diz que somos amancebados”
Enquanto na Suíça a distância entre a lei e a realidade diária nos quartos de dormir aumenta, um ajuste no Direito de família se impõe. O "casamento para todos", que paira no ar há anos se insere nesse contexto. Pares do mesmo sexo interessados em se casar devem ter paciência e esperar, no mínimo, até 2020. Dois homens contam por que sua paciência se esgotou.
Andreas queria dar um valor simbólico à sua relação: “Queria casar por amor. Era um ato romântico. É um prazer carregar uma aliança.” Casar? “Sim, somos casados”, diz ele rindo. Ao seu lado, sentado à mesa de um restaurante em Zurique está o seu marido, Christoph. Ele sorri satisfeito e especifica: “Também se diz que ‘somos amancebados”.
Há dez anos é possível registrar na Suíça uma relação conjugal homossexual em um cartório civil. Com isso os casais homossexuais adquirem direitos e deveres similares aos de um casamento. Christoph diz que para ele trata-se mais de garantir esses direitos do que romantismo; por exemplo, “saber se, caso aconteça algo ao outro, não haverá problemas com o direito de visita.”
O casal se conhece há 14 anos. Christoph conheceu seu futuro marido através de uma plataforma na internet. Seu título de perfil tinha a seguinte citação do dramaturgo alemão Heiner Müller: “Poderia colocar meu coração a seus pés?”. Christoph, que é ator e produtor de teatro, se sentiu atraído.
“Não se casar, mas sim continuar a amar!”
Durante muito tempo os dois não se interessaram por uma relação registrada em cartório. A rejeição tinha motivação política. Trata-se aqui de uma solução que coloca casais homossexuais em uma posição desfavorável em comparação aos casais heterossexuais, diz Andreas. Isso seria injusto. “Trabalhamos, pagamos impostos e temos uma vida perfeitamente normal, como todos os outros”.
“Achamos que não deveríamos compactuar com esse absurdo”, diz Andreas. Ao invés de casamento, eles celebraram o relacionamento seis anos atrás com uma grande festa com o lema “Não se casar, mas sim continuar a amar!” Cinco anos mais tarde a festa deveria se repetir em uma nova celebração do amor deles, mas entrementes, mudaram de ideia.
A decisão foi tomada espontaneamente durante um jantar com amigos. Quatro meses mais tarde, em novembro do ano passado, os dois se encontravam com inúmeros convidados diante de um cartório civil. Somente dez convidados puderam acompanhá-los dentro do cartório durante o registro civil. Andreas se comove ao se lembrar da festa de arromba organizada em restaurante no campo. Na torta de casamento havia bonecos de dois homens.
Apesar de terem um plano familiar de seguro de saúde, das autoridades fiscais suíças lhe tratarem como um casal e da sociedade percebê-los basicamente como “um casal normal”, permanece um sentimento misto e a suspeita de terem um tipo de “casamento de segunda classe”.
Menos suicídios graças ao “casamento para todos?”
Na Suíça persiste a questão do “casamento para todos” há anos. Há 18 anos atrás, Andreas participou da organização da segunda maior manifestação pela igualdade de direitos de gays e lésbicas. Entre cinco e seis mil manifestantes fizeram ouvir o lema “Sim, nós queremos!”, frente ao prédio do parlamento em Berna.
O vice-chefe da organização Aids-Hilfe na Suíça conta que é politicamente ativo também por motivos profissionais. Para ele a saúde e o bem-estar dos homens gays é um tema prioritário. Ele quer melhorar as condições de vida daquele grupo. Isso implicaria a abertura do casamento para casais do mesmo sexo. Segundo ele, o número de suicídios entre jovens homens homossexuais em vários países teria diminuído após a introdução do “casamento para todos”.
Andreas está convencido de que quanto menores forem as diferenças entre casamento heterossexual e relações homossexuais registradas, menor será a possibilidade de ataques homofóbicos. “Somos suíços e a nossa cultura é de consenso. Apesar de muitas diferenças, isso contribuiu muito para nossa sociedade. E por que? Porque sempre conseguimos lidar com essas diferenças de maneira equitativa.
De acordo com as pesquisas, o voto popular seria a favor
Abolir tais diferenças é o que visa a iniciativa parlamentar do Partido Verde-Liberal. Ela propõe que leis referentes às relações conjugais registradas sejam abertas a todos os casais, independentemente da orientação sexual dos cônjuges. Casais de mesmo sexo poderiam se casar enquanto casais heterossexuais poderiam ter relações apenas registradas em cartório.
Além disso, a iniciativa prevê que a noção de vida conjugal (Lebensgemeinschaft) seja inserida na Constituição federal. Ela não requer de modo explícito que casais homossexuais tenham direito à adoção. Com isso pretendem aumentar as chances de aprovação da iniciativa.
De acordo com uma pesquisa de opinião da organização Pink CrossLink externo, 69% dos entrevistados seriam a favor da abertura do casamento a casais de gays e lésbicas. Caso ocorra um plebiscito, observadores não excluem, no entanto, que a iniciativa seja rejeitada pela maioria dos cantões (estados).
O parlamento voltará a tratar do tema no verão de 2019. Até então será apresentado um projeto de lei que servirá de base para as discussões. Aproximadamente 30 leis serão afetadas, devendo ser eventualmente reformuladas.
Se for aprovado o “casamento para todos” na Suíça, Christoph não pretende se casar de novo. Já Andreas diz: Eu sim, exatamente por isso!”, e ambos riem.
Casamento e relação registrada – as diferenças
Desde 2007, pares homossexuais têm a possibilidade de fazer o registro civil de sua relação. Casais com relações registradas tem, em vários aspectos, os mesmos direitos e obrigações de maridos e mulheres.
No entanto, em relações registradas vale basicamente a separação de bens, enquanto casais heterossexuais dispõe da comunhão de bens na qual durante uma eventual separação, um dos cônjuges tem direito à participação no sucesso econômico do outro.
Pares registrados não podem adotar crianças bem como não podem se valer de concepção artificial. A partir de 2018 fica aberta a adoção de enteados para pares registrados.
Diferentemente do casamento tradicional, uma relação registrada não tem efeito sobre os direitos civis.
Adaptação: Danilo von Sperling
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