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Transfronteiriços: uma realidade contestada

Congestionamentos são comuns na fronteira do cantão do Ticino e da Itália. Keystone

O número de trabalhadores transfronteiriços aumentou drasticamente na Suíça depois da entrada em vigor dos acordos de livre circulação de pessoas.

Se a presença desses estrangeiros encontra oposição em algumas partes do país como no Ticino (sul) ou Genebra (oeste), em outras a coabitação é mais pacifica. swissinfo.ch investigou para descobrir a razão.

“Inimigos dos genebrinos! Já basta de transfronteiriços! Reserva de mercado para os genebrinos”. O movimento Cidadãos de Genebra (MCG, na abreviação em francês), o segundo partido mais importante do cantão de Genebra, já escolheu seus cartazes e o alvo prioritário com vista à eleição do governo e do Parlamento cantonal, que ocorre em seis de outubro próximo. No cantão vizinho, Vaud, o movimento similar “MCV” também se mostra ofensivo no seu site da internet: “O fluxo de trabalhadores vindos da França favoriza a degradação das infraestruturas, aumenta a poluição, faz pressão sobre os salários e leva um grande número de cidadãos do nosso país à assistência social.”

“Todas essas observações são difíceis a aceitar, especialmente para as pessoas que colaboram há muitos anos no desenvolvimento das suas empresas e do país no qual eles trabalham”, responde Jean-François Besson, secretário-geral do Grupo Transfronteiriço Europeu, a associação que representa os transfronteiriços franceses trabalhando na Suíça.

Em Genebra, mais de um quarto da população ativa é de transfronteiriços. Eles ocupam postos em todos os setores da economia local, sejam hospitais, bancos, comércio e até mesmo organizações internacionais. Diariamente são mais de 65 mil trabalhadores estrangeiros trafegando entre Genebra e a França. O número dobrou nos últimos dez anos.

Problema com a infraestrutura

“A rejeição vivida pelo transfronteiriço deve-se, principalmente, à saturação dos transportes e a carência de habitação, e não à situação do mercado de trabalho”, analisa Jean-François Besson, que completa: “Ao analisar os fatos, e todas as pesquisas também o demonstram, essa mão-de-obra é indispensável para o desenvolvimento fenomenal de Genebra vivido nesses últimos anos. Ela não roubou o trabalho dos residentes suíços.”

Professor no Instituto Superior do Trabalho Social em Genebra e autor, em 2007, do livro “Imigrantes no cotidiano: os transfronteiriços”, Claudio Bolzman lembra que já existiram tensões nos dois lados da fronteira nos anos 1960 e 1970.

A situação é mais tranquila na Basileia, uma cidade localizada no cruzamento de três países (Suíça, França e Alemanha). Ela convive há muito tempo com uma grande população de mão-de-obra transfronteiriça. Franco-alemão instalado na França distante somente quinze minutos de bicicleta da Universidade da Basileia, onde é pesquisador no Departamento de Sociologia, Cédric Duchêne-Lacroix tem várias explicações para o fenômeno. “A população é menos concentrada na Basileia do que em Genebra. Além disso, os transfronteiriços, que hoje somam 53 mil pessoas nos dois semicantões (n.r.: Basileia é dividida em dois semicantões, Basileia-cidade e Basileia-campo), tiveram um aumento somente de aproximadamente sete mil pessoas desde 2002, não provocando um sentimento de invasão. Isso se deve, sobretudo, a um sistema de transporte menos congestionado, mas também à estrutura econômica da cidade.”

Basileia aberta

Enquanto a taxa de desemprego chega a 5,5% em Genebra, em Basileia-cidade é de apenas 4%. Muitos dos novos transfronteiriços na Basileia são pessoas anglófonas que trabalham para as grandes empresas do setor farmacêutico lá localizadas. “São duas cidades internacionais, mas em Genebra o custo de vida é mais elevado e uma parte da classe popular se sente abandonada em relação aos diplomatas, às grandes fortunas e aos trabalhadores transfronteiriços”, ressalta o sociólogo.

Para Cédric Duchêne-Lacroix, Basileia ainda mantém um relacionamento historicamente mais natural com seus vizinhos. “A cidade é considerada há muitos tempo como uma das mais abertas da Suíça. Muitos monumentos lembram, inclusive, suas fortes ligações com a Alsácia.”

Tendo entrado em vigor em 1° de junho de 2002, o Tratado de Livre Circulação de Pessoas com a União Europeia funciona plenamente para os trabalhadores transfronteiriços desde 1° de junho de 2007, data na qual foi suprimida a obrigação de residência em zonas fronteiriças definidas.

As empresas não são mais submetidas nem às quotas de autorização de trabalho, nem à preferência nacional no momento da contratação.

Os trabalhadores fronteiriços obtêm o seu visto de trabalho automaticamente a partir do momento em que o contrato é assinado, com a única obrigação de retornar pelo menos uma vez por semana ao seu domicílio.

Sem transfronteiriços, nada de relógios suíços

A situação no Ticino (sul) é diferente. Assim como Genebra com os franceses, o número de transfronteiriços italianos – que chegam a 56 mil – teve um crescimento de 75% desde 2002, o que coloca esse grupo na mira da direita populista. Lá também os engarrafamentos na alfândega em Chiasso são constantes. Além disso, o cantão tem uma taxa de desemprego elevada (4,6%) em comparação com o resto da Suíça (3,1%). Outro ponto é a vontade marcante do cantão de se manifestar como parte do território helvético para marcar a divisão com a Itália. Esses pontos explicam as críticas intensas sofridas pelos transfronteiriços e a sua instrumentalização política. “A identidade suíça é muitas vezes construída por negação em relação aos vizinhos. Isso não é uma especificidade dos habitantes do Ticino”, afirma Paola Solcà, responsável pelo Centro de Pesquisa sobre as Correntes Migratórias no Centro de Ensino Superior da Suíça Italiana (SUPSI).

Os casos de não respeito aos contratos coletivos de trabalho são mais comuns no Ticino do que em outras regiões do país, como demonstrou uma reportagem recente transmitida no canal público de TV (RSI). O Parlamento do Ticino acaba também de enviar uma carta ao governo federal para contestar os resultados de um estudo encarregado de confirmar os benefícios da livre circulação de mão-de-obra, inclusive sem as regiões fronteiriças. Depois da entrada em vigor desses acordos, explica Paola Solcà, os transfronteiriços não ocupam mais somente os empregos pouco qualificados, onde eles faziam concorrência aos estrangeiros residentes no Ticino, mas estão cada vez mais presentes nas profissões do setor financeiro ou de saúde, dentre outros.

Na região do Jura (oeste), berço da relojoaria suíça, onde trabalham 40 mil transfronteiriços, ou seja, o dobro do que há dez anos, a situação está a meio caminho entre Basileia e Genebra, estima Patrick Rérat, pesquisador no Instituto de Geografia da Universidade de Neuchâtel: “Todo mundo está de acordo ao dizer que a indústria relojoeira não poderá mais se desenvolver sem os transfronteiriços, pois 60% dos empregados no setor não possuem o passaporte suíço. Ao mesmo tempo, os temores surgem no que diz respeito aos engarrafamentos, salários abaixo da tabela e a concorrência que os transfronteiriço exerceriam sobre os trabalhadores internos menos qualificados.”

Adaptação: Alexander Thoele

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