Vida nova para uma língua antiga
‘Binvinyête’ estava escrito na placa de boas-vindas no município de Bulle durante os preparativos para sediar o festival internacional dos falantes de patoá. ‘Binvinyête’ não é exatamente uma palavra que se encontraria na Suíça, mas este também não era um evento comum.
Os participantes vieram para o pequeno vilarejo situado no oeste da Suíça vindos da França, da Itália e de outros lugares da Suíça – todos de regiões onde se fala ou costumava-se falar uma língua normalmente conhecida como patoá. Os estantes no local do encontro vendiam CDs com canções em patoá, dicionários de patoá, livros sobre o patoá – mas a língua falada no encontro era o francês.
O patoá (em francês ‘patois’), conhecido pelos linguistas como franco-provençal e chamado de arpitano por alguns de seus falantes, vem registrando diminuição no número de falantes nos últimos anos.
Atualmente o idioma registra maior presença no norte da Itália – onde é um dos vários idiomas minoritários reconhecidos – mas mesmo nesta região o idioma luta para sobreviver. Em quase todas estas regiões, poucas pessoas além dos muito idosos falam o franco-provençal como língua materna.
Em vários outros lugares, o idioma desapareceu completamente. Em algumas regiões, os professores eram obrigados a proibir que as crianças falassem o franco-provençal na escola e até mesmo em casa. Muitos participantes do festival relataram com pesar que seus avós muitas vezes tinham vergonha de falar o idioma.
Pressão externa
Mesmo na Itália, o idioma não teve uma história fácil. Quando Floran Corradin frequentava a escola no Vale de Aosta, na década de 60, o país vivia um milagre econômico.
“A minha geração tinha que existir no contexto do Estado italiano. E o italiano era a língua dominante. Nossos pais, que queriam nos ver bem-sucedidos, nos advertiam para não insistirmos demais em falar o patoá, pois isso nos causaria grandes problemas com o idioma italiano na escola,” explicou Floran à swissinfo.ch.
O êxodo populacional das áreas rurais para as áreas urbanas também não contribuiu para a manutenção da língua.
Bernard Papaux, que sempre falou um dos dialetos do cantão de Friburgo com os seus avós, admitiu que seus próprios filhos não se interessaram em aprender a língua. “Eles não tinham amigos que falavam o patoá. Mudamos de Treyvaux e Laroche, onde ainda se fala muito o patoá, para Corpataux, onde o idioma está praticamente extinto.”
O franco-provençal é uma língua com base latina e como tal tem relação com o francês, mas pertence a uma subfamília diversa.
Era falada na área que abrange desde a cidade de Lyon, na França central, até o que hoje é a Suíça de expressão francesa (com excessão da região do Jura) e se estendia pelo Vale de Aosta e por partes do Piemonte, no norte da Itália.
Existe ainda uma pequena quantidade de falantes na Apúlia, região no sul da Itália, presumivelmente descendentes de mercenários.
Esta língua nunca chegou a ter uma escrita padrão. Era fragmentada em vários dialetos falados, mais ou menos compreensíveis entre si.
Até mesmo muitos falantes chamam a língua de patoá, embora esta palavra francesa tenha uma conotação pejorativa.
No dicionário francês Petit Robert, a palavra ‘patoá’ é definida como “um dialeto com um pequeno número de falantes, geralmente de áreas rurais, cuja cultura a nível de civilização são considerados inferiores àqueles da população circunvizinha que fala a língua padrão”.
Recentemente, alguns falantes começaram a usar o nome “arpitano” para designar a língua, e há iniciativas de reunir os dialetos, por exemplo através de um sistema ortográfico padronizado.
As estimativas sobre o número total de falantes do patoá variam muito. Os dados mais recentes registrados na página do projeto “Línguas Ameaçadas”, da Universidade do Hawaii, apontam 100.600 falantes de patoá como língua materna em 2010.
O censo suíço de 2000 registrou cerca de 16.000 falantes de patoá na Suíça de expressão francesa, pouco mais de ¼ do que tinha sido registrado em 1990.
O Grupo Internacional de Direitos das Minorias estima que o número de falantes no Vale de Aosta chegue a 66.500.
Um relatório publicado pelo Instituto Nacional de Estudos Demográficos da França em 2002 aponta que o número de pessoas que estão passando algum conhecimento do idioma franco-provençal para a próxima geração não chega a 15.000.
Novos alunos
Mesmo que poucas pessoas ainda aprendam o idioma na família, houve um aumento do interesse, especialmente entre os mais velhos.
“Vou me aposentar em breve, e várias pessoas me pediram que eu desse cursos de patoá quando tivesse mais tempo,” disse Papaux.
Nicole Margot é uma aluna típica. Seu avô falava o dialeto do cantão de Vaud, mas seus pais não falavam. Depois de aposentada é que ela foi aprender o idioma com seriedade – e adorou.
“Falo fluentemente, mas gostaria de falar melhor. Às vezes uso palavras do francês. E certamente cometo vários erros de gramática. Mas mesmo assim acho importante falar,” relatou à swissinfo.ch.
Alain Favre mora em Chambéry, a capital do departamento francês da Alta Saboia. Ele ouvia os seus avós e seu pai falarem o patoá, mas só depois de adulto foi pedir que eles lhe ensinassem sistematicamente. Ele acha que é praticamente o único falante em toda a cidade, e que o dialeto do seu vilarejo de origem está praticamente morto.
O futuro destas línguas
As ideias de Favre sobre a solução do problema levantam questões importantes para a sobrevivência dos dialetos. Na sua opinião, ou os dialetos se adaptam ou desaparecerão. Mas como impedir que eles se tornem uma confusão, distante da gramática original?
“Mantive a base do meu idioma, mas tenho sofrido influências internacionais,” relata. “Falo uma língua pessoaI. Eu diria que o que falo é 75% o meu idioma, mas as palavras que não existem na minha língua ou que eu não conheço eu pego de outros dialetos, principalmente do Vale de Aosta, que é muito rico.”
Quando se é o único falante no último reduto de uma língua, tem-se certa liberdade de fazer o que se quer com este idioma. Joel Rilliot é muito original. Com base em muitas pesquisas, ele ressucitou, sozinho, o dialeto de Neuchâtel, na Suíça, que se extinguiu na década de 1920, e atualmente fala com seus filhos neste idioma. Para palavras modernas ele utiliza o mesmo método que Favre: “adota palavras de outros dialetos”.
“Há alguns problemas com os palavrões,” admite. “Infelizmente, no final do século XIX, quando o material que uso para pesquisar foi coletado, as pessoas não podiam falar abertamente sobre sexualidade da forma como fazemos hoje. Então adoto estas palavras de outros dialetos. E no momento já tenho uma lista considerável. Mas mesmo assim, provavelmente eu sou o falante de dialeto mais educado de toda a Suíça!”
Alunos entusiasmados também podem influenciar a língua no sentido oposto. Em suas pesquisas, Jacques Mounir – ou Dzakye Monire, como ele escreve o próprio nome em patoá – descobriu palavras que os falantes nativos do seu dialeto – o savièse, do cantão do Valais – tinham esquecido.
“O meu vocabuário é dos anos 1960. As pessoas ainda falavam o dialeto como língua materna nos anos 1950, mas, a partir do momento que entravam na escola, ficavam imersos no idioma francês. Atualmente eles hesitam em algumas palavras e acabam usando palavras do francês. Uma vez que a geração anterior não está mais presente, para lembrá-los a palavra correta em dialeto, as palavras do francês vão aos poucos substituindo as palavras do patoá,” esclarece.
Entre os exemplos que ele mencionou está a palavra, “realmente muito feia”, ‘bócóu’ – claramente vinda do francês ‘beaucoup’ – que foi ‘prou prou’ (antiga expressão para ‘frequentemente’) substituída pela palavra francesa.
Preservação
Para que o patoá sobreviva com tão poucos falantes espalhados por uma área geográfica tão grande e com tantos dialetos diversos, é necessário um equilíbrio entre a preservação do antigo patoá e a exploração de novas variantes.
O exemplo do hebraico, a principal língua de Israel que ressucitou do hebraico clássico no final do século XIX, mas que incorporou influências de várias outras línguas faladas pelos judeus nos diferentes países, inspira muitos falantes do patoá a crer que mesmo uma língua moribunda pode reviver e florescer.
“É muito importante voltar às nossas raízes,” afirma Margot à swissinfo.ch. “Mas também é importante que o idioma se mantenha vivo, portanto não será exatamente o mesmo idioma que nossos ancestrais falavam.”
Margot é uma das pessoas que acham que os falantes de diferentes dialetos deveriam se reunir e ela admite que a adoção de palavras francesas ajuda muito, especialmente em contextos modernos, embora os dialetos tenham muito vocabulário em comum.
Mas ela aceita que haja opiniões divergentes e que alguns falantes prefiram preservar o próprio dialeto.
Maurice Michelet, do município de Nendaz, no cantão do Valais, atualmente com 60 anos, aprendeu a língua quando era criança. Ele é secretário da Federação de Amigos do Patoá do Valais e disse à swissinfo.ch que o festival foi uma chance de se criarem novas sinergias entre os dialetos. Mas ele é bem menos otimista do que Margot.
“As pessoas dos nossos vales tendem a ser muito individualistas, ligadas apenas ao seu próprio patoá,” admitiu ele.
Ele ministra cursos sobre o dialeto de Nendaz, mas embora alguns jovens tenham curiosidade sobre o dialeto, poucos continuam com os estudos.
Isso significa que o patoá vai desaparecer?
“Acho que sim. Talvez eu não devesse dizer isso, mas não quero mentir. Quantas gerações mais ainda falarão? Por outro lado, diz-se que uma língua ainda não está morta enquanto houver um único falante.”
Adaptação: Fabiana Macchi
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