Quando mostrar o sexo para estranhos é um problema social
O que fazer em caso de constrangimento ou violência sexual na Suíça? swissinfo.ch investigou como o país lida com casos de exibicionismo e como as vítimas devem proceder. Só em 2015 foram mais de 170 casos em Zurique, a maior cidade do país.
Os últimos dias de agosto e início de setembro foram conturbados e trouxeram à tona no Brasil o antigo problema da violência e constrangimento sexual contra a mulher. O tema foi ressuscitado na mídia devido a um homem que ejaculou na passageira que se sentava ao seu lado em um ônibus em São Paulo.
O caso provocou discussões acaloradas porque o juiz entendeu que o ato não configuraria um estupro, como queria a vítima e parte da sociedade. O magistrado converteu o crime para o delito previsto no artigo 61 na Lei de Contravenções Penais: “Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor”.
Conclusão da história: masturbar-se em um ônibus pode ser constrangedor aos que presenciaram a situação e à vítima, mas não é motivo suficiente para manter o responsável preso. Para o magistrado, “o crime de estupro tem como núcleo típico constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Na espécie, entendo que não houve o constrangimento, tampouco violência ou grave ameaça, pois a vítima estava sentada em um banco de ônibus quando foi surpreendida pela ejaculação do indiciado”, dizia a decisão.
A decisão provocou fortes reações nas redes sociais e gerou revolta entre movimentos de defesa dos direitos das mulheres. O episódio colocou os holofotes um problema cada vez mais recorrente no transporte público de São Paulo – segundo dados oficiais, a cidade registrou 288 casos de abuso sexual em ônibus, trens e metrô de janeiro a julho de 2017. Para juristas ouvidos pela BBC Brasil em um artigo publicado em 31 de agosto, esses casos expõem um problema na legislação: não há um tipo de penal específico para classifica-los. Além disso, há uma dificuldade na interpretação da violência, que não é física.
Um distúrbio chamado parafilia
Enquanto a discussão ganhava coro e era esquecida rapidamente no Brasil, a jornalista da swissinfo.ch achou importante procurar informações sobre como essa situação é encarada na Suíça. Em primeiro lugar, não é considerado crime passível de prisão nos dois países. Masturbação em locais públicos tem nome: trata-se de exibicionismo e pode até ser considerado um distúrbio psicológico, denominado parafilia.
Questionada sobre o que configuraria um ato como o do ônibus paulistano, as autoridades policiais do cantão da Argóvia responderam que o ato é considerado um delito, passível de multa relativa ao valor equivalente a até 180 dias de cadeia, de acordo com o Artigo 194 do Código Penal Suíço.
Se a vítima é menor de idade, o caso já é encarado como um crime oficial, segundo o Artigo 187, do Código Penal Suíço, que prevê que, assim que a partir do momento que o “crime” é notificado à Polícia, faz-se obrigatória a apuração, já que se trata de uma pessoa menor de idade. Já o Artigo 194 só é levado a frente se a pessoa queira.
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Contra a violência doméstica
O jornal Blick estampou, em seis de outubro, a matéria de capa sobre a ex-esposa do presidente da Fifa, Graziella Blatter, que presenciou um exibicionista ao passear por uma floresta em Zurique. O molestador, com o nome de Roland Sch.* (39), foi identificado pela décima vez cometendo o mesmo delito. No julgamento, o tribunal seguiu o pedido do promotor. Ele terá que cumprir 600 horas de trabalho para a sociedade e se comprometer a participar de uma terapia psiquiátrica.
Lei desfavorável às mulheres e violência
O fato é que, assim como o Código Penal Brasileiro, o suíço também é antigo: data de 1937, mas entrou em vigor em 1942. O brasileiro foi criado em 1940. Não há estatística suíça sobre o tema do silêncio, mas um documentário da TV alemã chamado “Estupradas, porque tantas mulheres se calam” mostra que a cada sete mulheres, uma é vítima de violência sexual e a maioria silencia. Caso as mulheres se sintam constrangidas e não sabem como proceder, é importante procurar serviços como o Frauenberatung.ch, que as ajudam a enfrentar esse tipo de situação.
Diversas matérias na mídia local retratam que as vítimas silenciam por medo, autoproteção ou vergonha. Problemas como falta de apoio por parte da sociedade, da Justiça e das autoridades são relatadas. No ano passado, a SRF (rede de TV Suíça) relatou que cerca de 550 violações são relatadas na Suíça a cada ano. Mas falar sobre violência sexual ainda é um tabu.
Estatística elevadas
De acordo com o Departamento Federal de Estatísticas, aconteceram 45 casos de exibicionismo na Basileia (16), Berna (16), Genebra (15) e Lausanne (5) em 2011. O número é relativamente baixo se for comparado às estatísticas de Zurique, cuja polícia registrou 170 casos em 2015 e a mesma quantidade em 2016. Já na Argóvia foram 28 casos em 2014, 43 em 2015 e 11 em 2016.
A psicóloga e aconselhadora do serviço de ajuda à mulher Frauenberatung.ch, de Zurique, a brasileira Talitha Widmer, entende a frustração das mulheres, que se sentem extremamente humilhadas com esse tipo de situação. Segundo ela, é difícil, entretanto, categorizar em qual tipo de crime cada situação de exibicionismo se encaixa. Tudo vai depender de atenuantes ou agravantes. “Cada caso deverá ser minuciosamente avaliado de forma individualizada. Vai depender se houve coação, violência física, em qual circunstância deu-se o ato, se o agressor é reincidente”, explica a psicóloga, que trabalha há 25 anos orientando mulheres em casos de violência sexual e já atendeu casos de exibicionismo.
Prestar queixa é sempre uma opção
A polícia suíça recomenda que a prestação de queixa seja por telefone ou diretamente na delegacia. É importante saber que existe atendimento especial em crimes de violência sexual: nesses casos, a mulher pode requerer atendimento por policiais do mesmo sexo, não deve ser obrigada a entrar em contato com o agressor e requerer uma tradutora, por exemplo.
Caso verídico
A brasileira M*, que não quis se identificar, teve essa experiência na família. Sua filha, na época com 14 anos, estava acompanhada de uma amiga da mesma idade em um ônibus em uma cidade suíça, quando um homem começou a se masturbar. Com medo, as duas meninas desceram do veículo e avisaram aos pais. M. e seu marido foram à delegacia, fizeram um boletim de ocorrência.
Dias depois, a polícia entrou em contato, pediu para a família ir à delegacia (incluindo a menor). O objetivo da reunião era confirmar se o agressor era o que estava no vídeo da câmara de filmagem do ônibus, confiscado pelas autoridades. Nesse caso o agressor foi reconhecido pela menor. M. não sabe o que aconteceu com o exibicionista, mas pode constatar que ele já era reincidente na causa. “Fiquei surpresa com a agilidade das autoridades e a seriedade como levaram a denúncia. O que aconteceu depois com o agressor não me interessa, mas me sinto mais tranquila porque sei que minha filha sabe se defender e que os órgãos de segurança levam a sério esse tipo de problema”, explica.
Luta contra as consequências
Talitha Widmer, entretanto, avisa sobre a importância de a vítima se preparar para prestar queixa. “A vítima tem o direito de se informar antes oficializar a denúncia e saber dos procedimentos e das consequências do ato. Esse atendimento é gratuito no Frauenberatung em Zurique e em todos os escritórios oficiais que atendem pessoas vítimas de crimes de violência, como o Opferhilfe Beratungstelle (escritórios de aconselhamento na Suíça).
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“Precisamos falar sobre violência doméstica”
O contato com um órgão, como o Frauenberatung.ch, por exemplo, é aconselhável porque esse tipo de serviço tem como finalidade o acompanhamento da vítima até que ela consiga se restabelecer e se integrar à vida que tinha antes. “É importante que essa mulher seja assistida. Além de sofrer por ter passado por um constrangimento ou até mesmo violência, ela ainda terá que provar que aconteceu. As autoridades vão entrar em detalhes, pode ser desagradável. Principalmente para mulheres, que muitas vezes já estão muito traumatizadas pelo acontecido”, explica Talitha. A vítima tem até três meses para prestar queixa em caso de crimes como o exibicionismo, o que dá tempo para a reflexão.
“Trabalhamos com a ideia de que a pessoa precisa estar consciente sobre a expectativa em relação ao que ela quer atingir com a denúncia e as consequências disso para ela. Por isso ela precisa estar preparada”, enfatiza Talitha.
Embora o ato de exibicionismo não seja considerado um delito grave nem na Suíça ou no Brasil, Talitha ressalta que a vítima pode sofrer de graves consequências, como problemas de concentração, alimentação, insônia, ansiedade, crise de pânico, sensações de “flashback”, que seria explicado pela repetição da cena mentalmente. A psicóloga explica que as sequelas não são necessariamente proporcionais à gravidade do ato. “Os sintomas serão sentidos por cada pessoa de forma diferente, alguns até muito tempo depois do acontecido. Há mulheres que ficam doentes e outras que não têm maiores problemas”, explica.
Quando o agressor é doente
O molestador Exibicionista pode ser também uma vítima de violência sexual na infância ou de um trauma no cérebro. A psicóloga Telma Witzig, que é brasileira e clínica em Basel e em Solothurn, já atendeu a casos de exibicionismo. De acordo com Telma, embora raramente, esse tipo de paciente vem por conta própria, mas infelizmente não leva o tratamento por muito tempo. Quem persiste no psicólogo é a vítima.
“Quando o molestador apresenta esse tipo de problema por um trauma na infância, olhar o problema de frente dói muito. É como se fosse uma ferida com uma crosta, que é remexida com a terapia. Eles não aguentam e vão embora”, explica. A sensação é a de que eles estavam melhor antes da terapia. Existe tratamento para o problema, mas Telma avisa que é muito delicado, demorado e difícil.
O que é o exibicionismo?
É a exposição dos próprios genitais a um estranho, geralmente sem qualquer tentativa de envolvimento sexual. Quase exclusivo de homens heterossexuais que se exibem para mulheres ou crianças do sexo feminino. Frequentemente há masturbação durante ou seguida à exposição. O mais comum é o desejo de chocar o espectador, embora em alguns casos exista a fantasia de provocar excitação sexual.
O exibicionismo é tido como um comportamento erótico que sai da norma. É claro que o normal é um conceito difícil e relativo, que muda de acordo com a cultura e o tempo, por exemplo. Na sexualidade, a normalidade é concedida pela medicina. Quando o desejo sexual foge ao controle e gera atitudes autodestrutivas necessita de tratamento. Uma das características dos viciados em sexo é a de estar sempre pensando ou fantasiando algo relacionado à sexualidade. Sexo patológico fica evidente quando esse desejo passa a atrapalhar a vida da pessoa, impedindo-a de fazer atividades normais
De acordo com o psiquiatra Adalberto Tripicchio, em texto sobre sexologia forense, o que é transtorno hoje pode não ter sido ou deixar de sê-lo. Exemplos como o da pedofilia e do homossexualismo são apenas os mais citados. O primeiro era amplamente cultivado na Antiguidade e o segundo deixou de ser doença.
O termo parafilia, segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, da American Psychiatric Association, quarta edição revisada, consiste em fantasias, anseios sexuais ou comportamentos recorrentes, intensos e sexualmente excitantes, em geral envolvendo objetos não humanos, sofrimento ou humilhação próprios ou do parceiro, crianças ou outras pessoas sem o seu consentimento. A palavra substitui antigos vocábulos como perversão, desmoralização etc.
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