Voltando às origens dos festejos natalinos
Festa e troca de presentes, velas acesas e pândega geral: as celebrações no final de dezembro são descritas pelo poeta romano Catullus como o "melhor dos dias". Mas na época ele não pensava no Natal, mas sim descrevendo um festival romano
denominado "Saturnalia".
A Igreja cristã acabou sequestrando esse costume típico da época de inverno e declarou-o como o tempo para marcar o nascimento de Cristo. Para muitos avós e pais nos dias de hoje, também é a chance de passar para as crianças os prazeres que experimentaram quando eram pequenos.
Mas, na verdade, quão tradicional é a maneira como celebramos hoje o Natal?
Johann “Papai Noel” Wanner, cuja loja na Basileia vende decorações natalinas para clientes em todas as partes do mundo, tem uma definição clara: “Tradição é tudo o que você tinha quando era criança.”
Assim swissinfo.ch perguntou a pessoas com mais de 70 anos que estavam visitando a feira natalina da Basileia se hoje em dia o Natal mudou em comparação com os anos em que eram crianças.
“Não tínhamos muito dinheiro. No Natal geralmente recebíamos presentes úteis e algo de doce, talvez”, conta um homem originário do pequeno vilarejo de Altdorf (centro). “Meias, camisetas e talvez um par de luvas”, completa.
Um visitante de Chur, no leste do país, foi um pouco filosófico. “As feiras natalinas são muito bonitas, com um ambiente muito agradável, mas não gosto de ver decorações de Natal nas lojas no final de setembro. Isso me deixa um pouco triste. Mas os tempos mudaram e eu não preciso ir nelas.”
A feira natalina da Basileia é uma grande atração turística e também parte da imagem da cidade. Metrópoles e vilarejos por toda a Suíça têm seus próprios mercados, embora em menor escala. A ideia – assim como muitas tradições natalinas helvéticas – se originou na Alemanha: a mais antiga feira natalina do mundo é a de Dresden. Ela surgiu em 1434 e era aonde as pessoas compravam originalmente a carne para o Natal.
Mas na Suíça a tradição é bem mais recente. Na maioria dos casos, ela não tem mais do que dez anos.
O pequeno vilarejo de Einsiedeln tem uma das maiores feiras natalinas da Suíça central, com 70 mil a 80 mil visitantes em uma semana, como explica o organizador Josef Birchler. Ele começou com alguns poucos estandes montados ao longo da rua principal, transferindo-se depois para uma grande praça localizada em uma área externa ao mosteiro. Em 2001 o evento se expandiu a todo o vilarejo.
Visitantes e vendedores vêm agora de todas as partes da Suíça e do exterior, da Itália, Alemanha e Áustria. A regra básica é que todas as barracas necessitam ter alguma conexão com o Natal.
Einsiedeln é famosa pelo seu mosteiro, uma atração turística e histórica que atrai multidões. Birchler contou à swissinfo.ch que não vê contradições entre o comércio praticado na feira e o aspecto religioso do Natal. “Afinal de contas, você não pode viver só da religião nos dias de hoje”, ri.
Os eventos associados à feira natalina de Einsiedeln incluem a velha tradição religiosa de “envio do São Nicolau”, ou seja: imagens do velhinho de barba branca são abençoadas antes de serem enviadas para visitar as crianças. “É bom para a Igreja também, pois as pessoas a visitam por causa dessa cerimônia”, conta Birchler.
Recompensa e punição
São Nicolau, cujo dia comemorativo cai em seis de dezembro, é o santo cristão mais associado com o ato de dar presentes: desde o século 11 ele traz presentes para crianças comportadas, enquanto as levadas sentem o “gosto” da varinha.
Enquanto ele continua a ser venerado nas regiões católicas, no início do século 16 o santo foi substituído nas partes protestantes do país pelo chamado “Christkind”, o menino Jesus que traz presentes no dia 24 de dezembro.
A ideia de recompensa e punição ainda era forte naquele época, mas gradualmente aos poucos deu lugar a uma atitude mais consumista.
“As famílias de classe média se tornaram mais importantes no século 19 e uma grande prosperidade foi parte disso”, afirma Denise Rudin, do Museu de Culturas da Basileia, que atualmente apresenta uma exposição sobre a tradição de dar presentes. “Eles usavam o Natal como uma ocasião para celebrar o seu modo de vida e também a família no contexto de um festival religioso.”
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Natal nos olhos dos artistas
Comercialização
Consumismo não é nada de novo. O primeiro catálogo de presentes de Natal, contendo 1.111 itens, surgiu em 1803 e também era uma ideia alemã.
Uma canção alemã popular, escrita em 1886, lista os presentes emocionantes que as crianças receberam no Natal, incluindo um cavalo de balanço, casas de bonecas e outros brinquedos de madeira e estanho – e isso sem fazer menção ao caráter religioso do Natal. Ele simplesmente dizia às crianças para serem agradecidas aos seus “bondosos pais”, que estavam preparando “durante muito tempo” para assegurar que esse dia seria repleto de alegria.
Em contraste com os modestos presentes lembrados pelos visitantes idosos da feira natalina da Basileia, a tendência de gastos cada vez maiores continuou, afirma Rudin.
“Natal é a época do ano em que as lojas e fabricantes fazem os melhores negócios. A cada ano, inúmeras novas coisas são inventadas apenas para aumentar o volume de vendas. Muitas pessoas querem itens eletrônicos. É um movimento além das necessidades básicas e luxos modestos na direção de grandes luxos, eu diria.”
Mas o proprietário da loja, Wanner, vê o consumo de uma forma diferente: o Natal é responsável por boa parte dos negócios de muitos comerciantes, em sua opinião.
Cheiro de amendoim e velas
Muitas das pessoas mais idosas abordadas por swissinfo.ch ressaltam a importância do Natal como uma festa familiar. Eles esperam passar o mesmo prazer para os seus netos. Mas também aqui, pensa Wanner, nascido em 1939, existe um brilho diferente.
“Quanto era jovem a festa tinha algo de familiar: as pessoas ficavam em casa, atrás de portas e janelas fechadas. Hoje o Natal é aberto. Os restaurantes funcionam e você pode sair à noite. Assim, muitos dos problemas que costumavam ocorrer – talvez alguns membros da família que não falam entre si, mas tinham que ficar em casa e sentar à mesma mesa, sem poder escapar – não ocorrem mais hoje em dia.”
Não que ele não tenha boas lembranças da sua infância durante o Natal. “Tenho bugigangas que já guardo há mais de 60 anos. As primeiras foram feitas por mim já no jardim-de-infância. Elas começam a falar contigo. Elas mostram como você viveu 50, 40, 30, 20 anos atrás.”
“Eu me lembro do cheiro das maças caramelizando no forno e o cheiro de amendoins e velas. Eu diria que continuo a viver nessa ilha de crianças.”
Adaptação: Alexander Thoele
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