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800 anos de história sem heróis

Visão de Aegerten (centro) com o lago de Bienne ao fundo (esq.) e a cidade de Bienne (dir.). Cortesia


À primeira vista, Aegerten se assemelha a outros subúrbios nas aglomerações urbanas da Suíça. Porém quando essa pequena comuna decide comemorar um aniversário centenário, descobre-se uma história que começa nos romanos até as invasões bárbaras, passando por malária e imigração para fugir da pobreza. O perfil de um vilarejo que resume o país.

O sistema de navegação do carro indica como destino Bienne, uma cidade de pouco mais de 50 mil habitantes localizada às margens do lago com o mesmo nome. Estou à procura de AegertenLink externo, uma comuna (município) vizinha. Quando a rodovia termina, a placa indica uma estrada lateral, que vai cortando uma zona com alguns prédios habitacionais, oficinas, jardins, casas, um supermercado ou outro e algumas antigas fazendas, mas sem animais. Nada de especial, um cenário que se vê por todo o país, de vilarejos aglutinados pelas zonas urbanas, transformados em cidades dormitórios.

Às duas da tarde, algumas crianças brincam no parquinho entre a escola e a prefeitura. A padaria fechou há muitos anos, assim como uma grande fazenda ao lado da estrada e também o prédio dos correios. Em Aegerten, quem quer enviar uma carta, precisa ir ao mercadinho de Úrsula Kocher, um dos poucos comércios ainda abertos, junto com um grande supermercado de uma rede alemã instalado há poucos anos em um terreno no fim do vilarejo. Ao lado das prateleiras, repletas e vitrinas repletas de gêneros alimentícios e artigos de presentes, está o pequeno balcão amarelo, onde os clientes podem colar os selos ou registrar um pacote em sistema self-service. “Depois que o supermercado abriu, a concorrência aumentou muito. Mas as pessoas continuam a fazer compras conosco, pois a gente se conhece. Meu filho também mantém uma das poucas fazendas ainda em funcionamento. Vendemos leite, frutas, frangos e suco de maçã”, conta Kocher.

Aegerten é um retângulo de pouco mais de dois quilômetros quadrados, que se confunde com as comunas vizinhas e o subúrbio de Bienne. Nela vivem oficialmente 1.821 habitantes. Um quarto da área é coberta por florestas. A linha de trem e duas estradas cortam seu território. No total, estão registradas 74 pequenas empresas e duas propriedades agrícolas, mas a grande parte dos empregos se concentra nos centros urbanos vizinhos. Uma boa parte dos moradores são proprietários das suas residências. Essa mistura dá uma boa base social ao local. “Não somos a comuna mais rica da região, mas também não temos os mesmos problemas sociais de Bienne. Em grande parte, as pessoas que vivem aqui são trabalhadores e funcionários e suas famílias”, explica Stefan KrattigerLink externo, prefeito de Aegerten.

Eleito em 2010, o jovem de 31 anos aguardava na porta da prefeitura trajando sandálias de dedo, camiseta e calças curtas. Os funcionários já haviam saído para o almoço. Depois de servir o café, ele explica na sala de reuniões que dedica 30% do seu tempo ao cargo não remunerado, assim como a maior parte dos prefeitos de comunas de pequeno porte na Suíça. Seu principal emprego é o de chefe de campanhas do Partido SocialistaLink externo, o segundo mais importante do país. E para que sacrificar o tempo com o cargo político? Ele responde que se trata de uma paixão. “Em Berna discutimos política nacional, mas se demora em ver os resultados. Aqui debatemos, votamos e você vê concretamente as coisas acontecerem. Depois as reações ocorrem na rua, quando um morador critica ou elogia algo que fizemos”, diz.

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Ele enumera alguns problemas atuais de Aegerten: uma pequena parte dos 11% dos habitantes estrangeiros com dificuldades de integração, especialmente na escola; o lento, mas constante, esvaziamento demográfico e o tráfego pesado de caminhões, que atravessa sem cessar o vilarejo em direção à indústria local. Mas relativiza. “Reclamamos de barriga cheia, pois a situação aqui não se compara com outras partes do mundo.”

Vilarejo festeja

A ideia de organizar a festa surgiu de um pedido. Foi quando um casal de moradores escreveu um e-mail à prefeitura para dizer que Aegerten comemoraria 800 anos de existência em 2014 e que, portanto, valeria a pena comemorar. A política local acolheu a ideia, mesmo apesar das dúvidas históricas. “Obviamente não podemos dizer quando surgiu o vilarejo, pois essa região sempre foi habitada na sua históriaLink externo. Dentre outros, sabemos que embaixo da igreja foram descobertos restos de uma fortificação romana construída por volta de 400 d.C., quando eles precisavam defender a região das invasões bárbaras”, revela Hans-Ulrich Huguenin.

O funcionário aposentado dos Correios Suíços, cronista da história do vilarejo e também membro de uma das reminiscentes famílias locais, explica que o primeiro registro da existência de Aegerten foi a convocação, em 1214, pelo conde de Neuchâtel, de Rudolf von Aegerten (Egedun), um nobre local, a ajudar na defesa da cidade. Hoje o pergaminho está guardado nos arquivos nacionais em Berna e só pode ser visualizado por especialistas. “Mas para nós já foi uma grande notícia descobrir essa data”, diz Huguenin, que costuma acompanhar moradores em passeios através do vilarejo para explicar alguns dos seus segredos.

Um deles é o próprio nome do vilarejo. Segundo os historiadores, “Aegerten” significa um pedaço de chão imprestável, para ser deixado de lado. “É porque essa região foi por muito tempo um pântano, atingido regularmente por inundações e onde as pessoas, a maioria muito pobres, sofriam de malária ou febre amarela”, conta Huguenin. Foi somente através da correção dos rios e dos lagos da região em 1868, um gigantesco programa de obras conduzido pelo governo federal, que os campos húmidos foram drenados e o problema das inundações foi solucionado.

Até esse época a região viveu inúmeras levas de emigração, especialmente em direção aos Estados Unidos. “Naquela época as comunas se livraram dos seus pobres dando um bilhete só de ida”, diz o funcionário aposentado. Essa realidade inspirou um dos habitantes de Aegerten a convidar o mundo inteiro a participar da festa 800 anos de Aegerten.

Encontro da família Kocher

“Sempre recebemos estrangeiros, muitos dos Estados Unidos, querendo saber mais da história dos seus antepassados suíços. Assim achei que seria interessante dirigir-se aos descendentes dessas famílias”, afirma Samuel Kocher, diretor de turismo da região de Bienne/SeelandLink externo e morador de Aegerten. Assim ele criou o “Dia dos KocherLink externo“, que será organizado junto com festa da comuna. “Enviei convite a todos os descendentes dos Kocher espalhados pela Suíça e também, através das redes sociais, aos que vivem no exterior. Oitenta confirmaram a sua participação”, conta orgulhoso.

Um vilarejo como outros na Suíça: entrada de Aegerten através da rua principal, com a cadeia de montanhas do Jura ao fundo. swissinfo.ch

Na prefeitura, instalada em um antigo casarão, Stefan Krattiger interrompe a entrevista a cada dez minutos para atender o celular. “Faltam poucos dias para a festa e ainda tenho muita coisa para resolver”. O programa foi impresso em um jornal de 24 páginas e distribuído entre os moradores. De 12 a 14 de setembro estão programados diversos concertos musicais, jogos para crianças, shows pirotécnicos, missa e a parte oficial. Porém ele abafa as expectativas, ressaltando que o principal objetivo não é festejar um centenário, mas sim reforçar o espírito comunitário, mostrando que existe também um futuro para Aegerten.

Krattinger aponta um plano arquitetônico do vilarejo, pendurado na sala de reuniões da prefeitura. “Queremos ganhar mais 500 habitantes nos próximos anos”, afirma o prefeito. São diversos projetos imobiliários já em execução. Um deles é a transformação de uma antiga fazenda em residências adaptadas para a 3° idade e construção de novas unidades habitacionais, casas ou prédios. “Para isso temos que melhorar a infraestrutura através da melhora do trânsito ou aumento do número de vagas na creche, dentre outros.”

Em uma carta enviada aos habitantes, Krattiger lembrou que o vilarejo nunca ofereceu um presidente, ministro ou político de peso à Suíça. A único habitante a conquistar uma relativa celebridade foi um antigo corretor do jornal NZZ, que publicou há muitos anos uma gramática de alemão. Todavia, mesmo a ausência nas crônicas helvéticas não é motivo para deixar de festejar. “A história de Aegerten não é a dos grandes nomes ou acontecimentos, mas isso também é uma história”, escreveu e completou no final: “Mas não é a história que faz a vida aqui tão boa, mas sim seus habitantes.”

Deficitário até 2018

Aegerten é uma comuna (município) no cantão de Berna, com 1.821 habitantes (no final de 2013). Ela ocupa uma área de 2,17 quilômetros quadrados. Desses, 1/4 é coberto por florestas.

O governo é composto por cinco membros, dos quais um é o prefeito. Como é tradição na Suíça, eles exercem seus cargos eletivos no sistema de milícia, ou seja, não são remunerados por isso. Comissões formadas por moradores regulam áreas como a de construção, administração, cultura e lazer ou política. A administração fica a encargo de um administrador profissional, responsável pela coordenação dos funcionários.

Em 2014 a prefeitura de Aegerten teve uma receita de 8,51 milhões de francos e despesas na ordem de 8,85 milhões. Segundo o plano financeiro apresentado aos eleitores, o déficit continuará até 2018. A expectativa é a de que o aumento do número de habitantes graças aos planos imobiliários permita uma melhora da base financeira. 

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