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A saudade mora na casa dos Bachmann

Dolores Bachmann reflete a vida dos antepassados no artesanato. ielusc.br

Na cidade de Cruz Machado, no estado do Paraná, o avô de Dolores Ingrid Stutzer Heinzelmann foi recebido, no mínimo, de forma hostil.

Leia aqui mais uma história do especial realizado pelos estudantes de jornalismo da IELUSC sobre a colônia suíça de Joinville.

A família foi para lá para construir a primeira casa no Brasil, mas, nos primeiros dias de instalação, veio a surpresa: a família foi bombardeada por cocos. “Primeiro eles pensaram que fossem macacos. Mas macacos não têm uma mira tão boa”, comenta Dolores. “Acho que foram os índios que moravam na região”.

Dolores faz parte da linhagem dos Bachmann, que chegaram ao país em 1913, a bordo do navio Formosa – vindo diretamente da Suíça ao porto de Santos. Estavam entre os imigrantes a mãe de Dolores, Olga Berta, o avô Jacó, a avó Berta e os tios Oscar e Jacó.

Dona Dolores recorda que a família teve de enfrentar uma quarentena assim que chegou ao Brasil. “Ficaram quarenta dias em Santos e quando acabou, vieram para Curitiba. Lá havia uma casa que apoiava os suíços até eles terem comprado um terreno e feito suas casas”, lembra. Logo depois, partiram para Cruz Machado, onde construíram a primeira casa da família em solo tupiniquim.

Após a construção do imóvel, a falta do que comer tornou-se o maior problema dos imigrantes. “A vizinhança sugeriu que comessem farinha, mas minha mãe comeu e não gostou”, conta Dolores. O prato principal da família passou a ser o Rösti, batatas esmigalhadas e assadas. “Foi difícil. Quando minha avó contava, a gente via que foi difícil”, emociona-se.

A fome e o desemprego motivaram a família a sair da Suíça e vir para o Brasil. Seu Jacó, avô de Dona Dolores, era tecelão, mestre em tecelagem. No Brasil, ele encontrou emprego em Brusque, onde Dolores nasceu.

A família Bachmann atualmente mora em Joinville, onde possui uma loja de artesanato e cultiva algumas tradições suíças. Das quatro línguas oficiais do país (alemão, francês, italiano e romanche), ela fala duas. “Falo alemão e o dialeto suíço (schwizerdütsch). O dialeto é fogo”, brinca. 

De volta à origem

Dona Dolores viajou mais de dez vezes para a Suíça. Entre todas as visitas, só viu um ponto negativo. “Sempre me perguntam da onde é minha mãe, e eu digo que ela é de Zurique. Eles me dizem que ‘Zurique é Zurique, Suíça é Suíça’.” Ela não sabe o porquê dessa distinção. “Talvez eles queiram dizer que Zurique é muito moderna, muito para cima, que não cultiva as tradições”, diz.

Dolores, que tem parentes na Suíça, conta que a internet foi uma aliada para ajudar a unir a família. “Minha prima que mora em Brusque descobriu na internet um parente nosso que estava vindo para cá”, conta. “Quando viajamos para a Suíça fomos bem recebidos.”

O carinho pela Suíça não está presente apenas em Dona Dolores, sua filha Lia herdou a paixão da mãe. “Cada vez que minha avó contava as histórias, o nosso amor por aquela terra aumentava”, comenta Lia.

Esse encantamento com o país era demonstrado na Festa das Flores, em Joinville. A família participava quando o evento contava com a participação de etnias. Havia uma grande tela com a imagem dos Alpes Suíços onde as pessoas paravam para tirar fotos. “Namorados, casados, famílias inteiras iam lá”, lembra Dona Dolores.

Além de levar um pouco da tradição suíça para a festa, havia artigos à venda. A filha Lia era a primeira a organizar. “Era muito legal, eu adorava. Sinto muitas saudades dessa época”, confessa.

Alpes formam o cenário da tradição 

Entre as tradições que Lia mais gosta da Suíça, a preferida é a subida e descida dos Alpes. Durante dois ou três meses do verão, os pastores levam as vacas para a parte de cima das montanhas e na descida, eles vem cantando, as vacas todas enfeitadas com sinos, flores e fitas coloridas.

Nas aldeias durante o caminho, são oferecidos licor e vinho. Mas se uma das vacas cai no precipício, eles descem em silêncio. “Nos 150 anos de Joinville, eu desfilei com o sino maior, em homenagem a essa comemoração”, comenta Lia orgulhosa.

Costumes natalinos 

A família tenta preservar os costumes, mas na época do Natal há algumas diferenças. Na Suíça, eles usam velas em todas as partes da casa. “Se fizéssemos isso aqui no Brasil, morreríamos cozidos”, observa.

Outro ponto curioso é que lá, antes de as crianças ganharem os presentes – à meia-noite do dia 24 – elas têm que se apresentar. Pode ser uma peça de teatro, um versinho, mas criança que não apresenta não ganha. “Minha mãe era muito religiosa, então todos os anos nós tínhamos que aprender algo diferente”, diz Dolores.

No Brasil, a história é de um Papai Noel que mora no Pólo Norte e desce pela chaminé para entregar os presentes. No país dos Alpes é diferente. Lá existe o São Nicolau e ele sempre vem com um monte de varas na mão.

Todas as crianças ficam com medo e ele pergunta quem sabe cantar ou declamar um verso. Quem souber ganha o presente, quem não souber, apanha com a vara. Dona Dolores conta que sabe um versinho até hoje: “Querido bom Papai Noel, não me olhe com esse olhar bravo. Recolhe a tua vara, que eu também quero ficar boazinha.”

Trompa alpina 

Entre os objetos da casa de Dona Dolores que remetem à Suíça, existe um vaso pintado por ela onde está retratado um dos costumes do país, a festa com a Trompa Alpina. A Trompa era usada pelos pastores para se comunicar, além de fazer música. Elas podem atingir mais de quatro metros de comprimento e terminam numa campânula ligeiramente virada para cima.

É feita de madeira oca, e o som é produzido pela vibração dos lábios apoiados no bocal. Nos dias de hoje, o instrumento é construído com objetivos diferentes: tocar nos festivais de canto tiroleses, é utilizado em competições de luta suíça e para entreter os turistas.

“Uma das vezes que fui com meu marido para a Suíça, nós fomos almoçar e no restaurante tinha um espetáculo com a Trompa Alpina”, conta Dolores. “É muito difícil, tinha cada homem grande que não conseguia tirar um som. Eu consegui!”

Brasão de família 

Todas as famílias tradicionais europeias possuem um brasão. Com a da Dona Dolores não é diferente, mas o brasão é da parte alemã dos ascendentes.

A história do brasão começou em 1700, com o trisavô do esposo dela. Ele saiu de casa e como todo homem tinha apenas uma troca de roupa, e um grande casaco por causa do frio. Um casaco daqueles que duravam a vida inteira. A mãe dele disse para levar para ela se algum dia ele estragasse, mas jamais era para vender ou dar para alguém.

Ele subiu a Alemanha, até chegar à Ilha de Rügen e lá se instalou. Depois de alguns anos, o casaco ficou roto. Quando ele viu, os botões eram de ouro. A mãe dele sabia, mas não falou nada, só disse para não dar o casaco para ninguém. Havia um brasão em cada botão, que valia muito dinheiro. O casaco era abotoado desde a gola até o pé.

Ele começou a vender os botões e para adquirir terrenos, primeiro comprou um pequeno e foi cultivando, trabalhando, criando animais. No final da vida, era dono de um grande pedaço de terra.

Lendas suíças 

Na Suíça também existem lendas. A mais famosa é a de Guilherme Tell. “Meu avô gostava muito dessa lenda e quando encontrou um livro com imagens, recortou e fez um quadro junto com as medalhas de honra que recebeu”, conta Dolores.

Guilherme de Bürglen era conhecido como um especialista em tiro ao alvo. Na época que os imperadores Habsburgos lutavam pelos domínios de Uri, para testar a lealdade do povo aos imperadores, Hermann Gessler, um governador austríaco tirano, pendurou num poste um chapéu com as cores da Áustria, numa praça de Altdorf. Todos que por lá passassem teriam de fazer uma reverência como prova do seu respeito. O chapéu era guardado por soldados que se certificariam que as ordens do governador fossem cumpridas.

Um dia, Guilherme e o filho passaram pela praça e não saudaram o chapéu. Prenderam-no imeditamente e levaram-no à presença do governador que, reconhecendo-o, o fez, como castigo, disparar uma flecha a uma maçã na cabeça do filho.

Tell foi levado para a praça de Altdorf e a população juntou-se na expectativa de assistir ao castigo. O filho de Guilherme foi atado a uma árvore, e a maçã foi colocada na sua cabeça. Contaram-se 50 passos. Tell fez pontaria calmamente e disparou. A seta atravessou a maçã sem tocar no rapaz.

Guilherme trazia uma segunda seta. Gessler, ao vê-la, perguntou por que ele a trazia e assegurou-lhe que se dissesse a verdade, a sua vida seria poupada. Guilherme respondeu: “Seria para atravessar o seu coração, caso a primeira seta matasse o meu filho”.

Indignado, Gessler mandou o rebelde para a prisão alegando que dignaria a sua promessa deixando-o viver — mas preso no castelo de Küsnacht. Guilherme foi levado acorrentado para um barco em Flüelen. Não muito distante do porto, deu-se uma tempestade que arremessou o barco contra as rochas. Os que lá viajavam, assustados, gritavam: “Só Guilherme Tell  pode nos salvar!”. Gessler libertou Tell, que conduziu o barco em segurança ao sopé da Montanha Axenberg.

Quando desceu do barco, Tell tirou uma lança de um soldado e fugiu. Gessler conseguiu sobreviver à tempestade e chegou ao castelo de Küsnacht nessa mesma noite. Tell encondeu-se em um dos becos que levavam à residência do governador. Assim que Gessler apareceu, Tell matou-o com a lança, libertando o país da tirania do governador.

“Até hoje nós comemoramos essa data, não se sabe se é lenda ou verdade. No dia 1 de agosto de todos os anos há homenagens para Guilherme Tell”, conta Dona Dolores.

A Suíça está presente no artesanato, nas tradições, nas lembranças e no orgulho que Dona Dolores sente em trazer parte do país dos Alpes para o Brasil. “É difícil viver aqui com as tradições de lá”, comenta. Mas apesar disso, ela deixou como herança para filhos e netos uma história rica, sobre um país ao mesmo tempo tão longe e tão perto.

O número de suíços do estrangeiro aumentou nos últimos anos. No final de 2010, 695.101 cidadãos helvéticos estavam registrados nas representações diplomáticas da Suíça no exterior, 1,5% a mais do que no ano anterior.
 
A primeira colônia suíça no Brasil foi estabelecida em Nova Friburgo entre 1818 e 1819. A maior onde de imigração ocorreu entre os anos 1846 e 1920.
  
Em 2010, as exportações da Suíça ao Brasil totalizaram 2,31 bilhões de francos. As importações somaram 849 milhões. O Brasil é o principal parceiro econômico da Suíça na América Latina.
 
No final de 2009, o estoque de investimentos suíços no Brasil era de 12,8 bilhões de francos.
 
O número de pessoas ocupadas por empresas suíças no país era de 105.900 (2009).
 
Número de cidadãos suíços no Brasil: 14.794. Brasileiros na Suíça: 17.455 (2010)
 
Fontes: Secretaria de Estado para Economia (Seco)

Fundada em 1916, a Organização dos Suíços do Estrangeiro (OSE) representa na Suíça os interesses dos compatriotas expatriados. Ela é reconhecida pelas autoridades como a porta-voz da chamada 5a. Suíça.
 
O Conselho dos Suíços do Estrangeiro (CSE) é considerado como o parlamento da 5a. Suíça. Ele se reúne duas vezes por ano – na primavera e durante o congresso anual dos suíços do estrangeiro

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